O
céu ... em rosa
Por
Alessandra Leles Rocha
A beleza em rosa, no amanhecer e pôr
do sol carioca, no dia de ontem. Tão extraordinariamente belo, que era como se
Édith Piaf entoasse a sua “La vie en rose”
1 pela imensidão. Era delicado. Era hipnotizante.
Era sublime. Era a natureza em puro momento de encanto. A princípio, todos
rendidos apenas à contemplação. Até que, de repente, a curiosidade inquietou-se
e quis saber mais sobre o fenômeno.
Bem que poderia ser; mas, segundo
a Ciência, todo aquele céu cor de rosa não era um sinal de que Deus é mulher. Eram
vestígios da explosão do vulcão submarino que devastou Tonga, no oceano
Pacífico, que haviam chegado até o Rio de Janeiro; bem como, em outras cidades de
São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Mato Grosso.
Mas, o céu rosa promovido pelas partículas
de sulfato em contato com a frequência luminosa do nascente e do poente, conseguiu
dizer muito mais no seu silêncio. Não sejamos tolos ou imprevidentes para
pensar que as ondas de propagação dos acontecimentos bons e ruins, na sua objetividade
e subjetividade, estão limitadas a certos espaços. Não, isso não é verdade.
Essa pequena esfera solta na imensidão do Universo, chamada Terra, permite que sua estrutura ligeiramente circular movimente
os ventos arrastando partículas e particulados diversos, dentro de uma
geografia de vastas distâncias. Lição simples e trivial de que “longe é um lugar que não existe”, como
escreveu Richard Bach. E considerando que tal geometria não aponta nem início,
nem meio e nem fim, isso fica ainda mais evidente.
Dessa vez fomos premiados com o
encanto repentino da Natureza. Dessa vez foi um processo genuinamente físico-químico.
Sem intervenção ou participação humana. Mas, não se engane, porque a Terra não
gira só nessa frequência. Infelizmente, a maior parte das surpresas têm sido frutos
de ações antrópicas, as quais ao contrário desse sentimento de graça, de
perfeição, carrega a feiura, a tristeza, o desencanto.
Ora, quantos resíduos e
efluentes, navegam através das correntes oceânicas, alterando a composição e as
características da água? Quantos céus multicoloridos surgem no horizonte de
cidades sufocadas pelas chaminés industriais, tornando a vegetação local uma
paisagem cinza e melancólica? Quantos mares enegrecidos pelo tingimento irresponsável
dos derramamentos de petróleo? ... São milhares os exemplos de uma natureza
interrompida pelos impactos destrutivos sobre a sua sublime engenharia.
Não é à toa, então, que diante de
um fenômeno genuinamente natural nos sintamos completamente extasiados. Sim,
porque é um bálsamo para os olhos, para a alma, para os sentidos, depois de
tantas paisagens desoladoras erguidas pelas próprias mãos humanas. Parando por
um segundo, isso chega a ser profundamente contraditório. Afinal, o ser humano
parece que ainda não perdeu por completo a sua sensibilidade, a sua noção de
certo e errado, de bom ou ruim; mas, se permite entregar a tantos arroubos destrutivos
como esses citados acima.
O problema é que se ele não
recobrar os sentidos, não retornar ao seu eixo de equilíbrio, cada vez mais
raras serão as oportunidades de viver a luz do belo, de viver a vida em rosa. Até
aqui, ao invés disso, o que o ser humano faz é se valer de “lentes-cor-rosa” para se abster da realidade, da sua própria consciência
diante do fato de que as ações humanas vêm afetando não só a Natureza; mas, as suas
próprias relações sociais.
Como bem escreveu o teólogo
alemão, Albert Schweitzer, “Quando o
homem aprender a respeitar até o menor ser da Criação, seja animal ou vegetal,
ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante”. Não, não é só a
geografia física que está se descolorindo, se fragmentado, se perdendo; mas, a
geografia humana também. De modo que a simbiose que deveria existir entre as
duas se esgarça e se transforma em pura excepcionalidade a olhos vistos. Essa
ideia de “Justificar tragédias como ‘vontade
divina’ tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas” (Umberto Eco –
escritor italiano).
Assim, a fraternidade pode ser vermelha,
a liberdade azul, a igualdade branca 2;
mas, a esperança tem um quê de cor-de-rosa. Eu sinceramente espero que essa imagem
tenha sido um presságio, um maravilhoso presságio, de uma expectativa positiva.
Afinal, se “Deus escreve certo por linhas
tortas”, por que não poderia escrever uma mensagem alvissareira dessa
maneira?
No entanto, cabe nessa reflexão
pensar que se “No fim tudo dá certo, e se
não deu certo é porque ainda não chegou ao fim” (Fernando Sabino – jornalista e
escritor brasileiro), talvez, seja porque estamos reticentes na nossa
inação, na nossa irresponsabilidade, na nossa negligência com a natureza, com a
vida em si. Então, mãos à obra!
2 Uma alusão à trilogia cinematográfica das cores, de Krzysztof Kieslowski (A Liberdade é azul [1993], A Igualdade é branca [1994], A Fraternidade é vermelha [1994]).