sábado, 29 de janeiro de 2022

O céu ... em rosa


O céu ... em rosa

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A beleza em rosa, no amanhecer e pôr do sol carioca, no dia de ontem. Tão extraordinariamente belo, que era como se Édith Piaf entoasse a sua “La vie en rose” 1 pela imensidão. Era delicado. Era hipnotizante. Era sublime. Era a natureza em puro momento de encanto. A princípio, todos rendidos apenas à contemplação. Até que, de repente, a curiosidade inquietou-se e quis saber mais sobre o fenômeno.

Bem que poderia ser; mas, segundo a Ciência, todo aquele céu cor de rosa não era um sinal de que Deus é mulher. Eram vestígios da explosão do vulcão submarino que devastou Tonga, no oceano Pacífico, que haviam chegado até o Rio de Janeiro; bem como, em outras cidades de São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Mato Grosso.

Mas, o céu rosa promovido pelas partículas de sulfato em contato com a frequência luminosa do nascente e do poente, conseguiu dizer muito mais no seu silêncio. Não sejamos tolos ou imprevidentes para pensar que as ondas de propagação dos acontecimentos bons e ruins, na sua objetividade e subjetividade, estão limitadas a certos espaços. Não, isso não é verdade.

Essa pequena esfera solta na imensidão do Universo, chamada Terra, permite que sua estrutura ligeiramente circular movimente os ventos arrastando partículas e particulados diversos, dentro de uma geografia de vastas distâncias. Lição simples e trivial de que “longe é um lugar que não existe”, como escreveu Richard Bach. E considerando que tal geometria não aponta nem início, nem meio e nem fim, isso fica ainda mais evidente.

Dessa vez fomos premiados com o encanto repentino da Natureza. Dessa vez foi um processo genuinamente físico-químico. Sem intervenção ou participação humana. Mas, não se engane, porque a Terra não gira só nessa frequência. Infelizmente, a maior parte das surpresas têm sido frutos de ações antrópicas, as quais ao contrário desse sentimento de graça, de perfeição, carrega a feiura, a tristeza, o desencanto.

Ora, quantos resíduos e efluentes, navegam através das correntes oceânicas, alterando a composição e as características da água? Quantos céus multicoloridos surgem no horizonte de cidades sufocadas pelas chaminés industriais, tornando a vegetação local uma paisagem cinza e melancólica? Quantos mares enegrecidos pelo tingimento irresponsável dos derramamentos de petróleo? ... São milhares os exemplos de uma natureza interrompida pelos impactos destrutivos sobre a sua sublime engenharia.

Não é à toa, então, que diante de um fenômeno genuinamente natural nos sintamos completamente extasiados. Sim, porque é um bálsamo para os olhos, para a alma, para os sentidos, depois de tantas paisagens desoladoras erguidas pelas próprias mãos humanas. Parando por um segundo, isso chega a ser profundamente contraditório. Afinal, o ser humano parece que ainda não perdeu por completo a sua sensibilidade, a sua noção de certo e errado, de bom ou ruim; mas, se permite entregar a tantos arroubos destrutivos como esses citados acima.

O problema é que se ele não recobrar os sentidos, não retornar ao seu eixo de equilíbrio, cada vez mais raras serão as oportunidades de viver a luz do belo, de viver a vida em rosa. Até aqui, ao invés disso, o que o ser humano faz é se valer de “lentes-cor-rosa” para se abster da realidade, da sua própria consciência diante do fato de que as ações humanas vêm afetando não só a Natureza; mas, as suas próprias relações sociais.

Como bem escreveu o teólogo alemão, Albert Schweitzer, “Quando o homem aprender a respeitar até o menor ser da Criação, seja animal ou vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante”. Não, não é só a geografia física que está se descolorindo, se fragmentado, se perdendo; mas, a geografia humana também. De modo que a simbiose que deveria existir entre as duas se esgarça e se transforma em pura excepcionalidade a olhos vistos. Essa ideia de “Justificar tragédias como ‘vontade divina’ tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas” (Umberto Eco – escritor italiano).

Assim, a fraternidade pode ser vermelha, a liberdade azul, a igualdade branca 2; mas, a esperança tem um quê de cor-de-rosa. Eu sinceramente espero que essa imagem tenha sido um presságio, um maravilhoso presságio, de uma expectativa positiva. Afinal, se “Deus escreve certo por linhas tortas”, por que não poderia escrever uma mensagem alvissareira dessa maneira?

No entanto, cabe nessa reflexão pensar que se “No fim tudo dá certo, e se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim” (Fernando Sabino – jornalista e escritor brasileiro), talvez, seja porque estamos reticentes na nossa inação, na nossa irresponsabilidade, na nossa negligência com a natureza, com a vida em si. Então, mãos à obra!   



2 Uma alusão à trilogia cinematográfica das cores, de Krzysztof Kieslowski (A Liberdade é azul [1993], A Igualdade é branca [1994], A Fraternidade é vermelha [1994]).