quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Negar. Negação. Negacionismo. ...


Negar. Negação. Negacionismo. ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se trata de simples impressão, cada dia mais o Brasil se mostra como de fato está, fragmentado, dividido. Uma linha torta que separa a defesa e a contestação de um projeto de poder ancorado na premissa da negação. Negar é a palavra de ordem, porque dessa forma é possível mascarar, ocultar, desviar a atenção de todos aqueles que não se permitem enveredar por esse tipo de “cegueira coletiva”. Então, ainda que não seja uma cisão homogênea, nem por isso, ela é menos importante.

O que se tem presenciado nesses longos meses pandêmicos é só uma fração do que esse movimento em curso pretende em relação aos 94% da população brasileira, que representam a classe média tradicional e a classe baixa respectivamente. O negacionismo imposto à gestão da Pandemia no país conseguiu, até agora, ceifar quase 600 mil vidas, as quais em torno de dois terços delas poderiam ter sido poupadas, se as medidas sanitárias preventivas tivessem sido cumpridas adequadamente e a imunização ocorrido de maneira satisfatória e precocemente.

Com a luz lançada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instaurada pelo Senado, agora se conhece a rede de interesses e poderes escondida nas entrelinhas dessa história. Um enredo sórdido, macabro, abjeto, que surpreenderia os mais renomados roteiristas do cinema mundial. Mas, quando se amplia o olhar e a reflexão para o todo cotidiano, milhares de fios que pareciam soltos em outras searas da vida nacional começam a se conectar e trazer à tona as infinitas possibilidades de atentar contra a sobrevivência e a dignidade de milhões de brasileiros.

As manchas de óleo que invadiram o litoral brasileiro, sobretudo na região Nordeste, em 2019, por exemplo, jamais foram devidamente esclarecidas, os culpados responsabilizados e os danos para a população contabilizados e ressarcidos. Mas, um prejuízo enorme ao turismo da região, ao trabalho dos pescadores e tantas outras atividades econômicas, se propagou em ondas durante todo esse tempo, sem que ninguém desse a devida visibilidade a respeito.

Afinal, também, desde 2019, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que poderia prover algum auxílio para quem foi afetado pelo ocorrido, encontrava-se literalmente de “cabeça para baixo”, dada a reestruturação do serviço previdenciário e a precarização do trabalho prestado pelos servidores, proposta pelo atual governo federal. A carência de funcionários para atendimento e realização das etapas dos processos de análise e liberação de benefícios paralisou os serviços, deixando milhares de brasileiros na mais completa desassistência.

Aliás, as pilhas de solicitações permanecem se acumulando nos postos do INSS em todo o país, o que significa que milhões de pessoas estão lançadas à total indignidade, esperando uma solução para suas demandas. Em outros casos, muitas respostas tendem a não encontrar o beneficiário vivo, em virtude da demasiada demora de atendimento.

Uma questão que acende o alerta sobre as estatísticas do desemprego nacional; pois, dentro de um conjunto de regras estabelecidas pelo governo federal há a possibilidade, para trabalhadores registrados, de requisição do Seguro Desemprego. Um auxílio em dinheiro pago de três a cinco parcelas de forma contínua ou alternada, de acordo com o tempo trabalhado. Quanto mais difícil se torna requerer esse benefício, mais se sobrecarrega a realidade da pobreza e da miséria, em franca expansão no país.

Afinal, segundo dados do Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, “Pelo menos 2 milhões de famílias brasileiras tiveram a renda reduzida e caíram para a extrema pobreza entre janeiro de 2019 e junho deste ano” 1. E diante do retorno voraz da inflação, com o preço dos combustíveis e do gás de cozinha, pela hora da morte, somado as constantes elevações no custo da cesta básica e da energia elétrica, a possibilidade de pessoas não conseguirem sobreviver por muito tempo é cada vez mais real.

Como disse o próprio Presidente da República, há dois dias, “nada está tão ruim que não possa piorar”2. Assim, no que diz respeito à queima e ao desmatamento avassalador dos principais biomas, eles não são só uma política ambiental errática e ultrapassada. Os impactos negativos gerados pelo efeito sistemático dessas práxis afetam diretamente a qualidade de vida e sobrevivência da população brasileira. O ar se torna irrespirável pela quantidade de fuligem e compostos tóxicos. Nascentes, córregos, lagos, rios e reservatórios de água se evaporam diante da ausência de chuvas e a elevação das temperaturas. A insegurança alimentar começa a despontar pela escassez de alimentos; o que, em alguns casos, fomenta a “lei da oferta e da procura”, tornando-os mais caros.

De modo que uma série de problemas de saúde começam a afetar as pessoas e a sobrecarregar os serviços de saúde; sobretudo, a rede pública, tendo em vista que milhares de brasileiros perderam o acesso aos planos privados, dado o alto custo de manutenção dos mesmos. Uma rede, já sabidamente repleta de gargalos oriundos de demandas diversas e que, agora, ainda não dispõe de uma diretriz para saber como vai atender os números crescentes de demandas Pós-COVID, ou seja, sobreviventes da Pandemia que apresentaram sequelas de baixa a alta complexidade durante a sua recuperação.  

Além disso, a insustentabilidade ambiental também fez emergir um grande impacto econômico sobre a energia elétrica, tornando-a um alvo de “tarifaços” contínuos, porque não há água suficiente para impulsionar as turbinas das grandes usinas, o que torna necessário apelar para as termoelétricas que têm custo de produção altíssimo.  Paira sobre a cabeça dos milhões de brasileiros, então, um risco iminente de rupturas no fornecimento de energia, caso o equilíbrio pluviométrico e hídrico não se restabeleça em um prazo de tempo relativamente suportável.

Até aqui, os relatos de pessoas que tiveram as casas queimadas por conta de velas acesas para a economia, já começam a surgir. Outras que vieram a óbito depois de se queimar utilizando álcool como combustível para acender fogareiros a fim de cozinhar, por causa do preço exorbitante do botijão de gás, também. Enfim, casos e mais casos de seres humanos na fila do perigo, do “baile da morte”, tendem a se proliferar descontroladamente. Pessoas que pelo movimento de negação serão incluídas, sem maiores constrangimentos e esforços, nas estatísticas do desalento e da morte.  

É preciso que se entenda que aquele que nega participação, direta ou indireta, nos negacionismos instituídos no país, antes de qualquer coisa, nega prioritariamente o direito de muitos de seus pares viverem com dignidade e paz. A negação não é seletiva, ela não elege “esse ou aquele” aspecto. Ela simplesmente nega, nega tudo. Porque o negar, na atual conjuntura, significa fortalecer seus interesses, suas regalias, seus privilégios e, particularmente, um projeto de poder que o beneficie.

O que importa é que a história do mundo sabe muito bem onde se chega com esse negacionismo, com essa invisibilização de seres humanos. Por isso, atenção, “Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar” (Bertolt Brecht – Nada é impossível de mudar). 

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Apesar dos benefícios, a longevidade trouxe o “etarismo”


Apesar dos benefícios, a longevidade trouxe o “etarismo”

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Imagino que muitos desconheçam o termo “etarismo”; embora, ele esteja frequentemente circulando no cotidiano social na sua forma prática. Trata-se do preconceito aos idosos, decorrente das fragilidades que o processo de envelhecimento impõe natural e gradativamente ao ser humano. De repente, aqui e ali se ouvem frases como “Você está velho (a) demais para isso! ”, “Lugar de velho (a) é no asilo”, “Você está ficando gagá”, “Você dá muito trabalho”. Mas, como dizem por aí, “quem não quiser envelhecer que morra jovem”.

Por isso, se torna cada vez mais importante debater e refletir sobre essa questão. De acordo com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) 1, “O envelhecimento populacional é uma das mais significativas tendências do século XXI. Apresenta implicações importantes e de longo alcance para todos os domínios da sociedade. No mundo todo, a cada segundo 2 pessoas celebram seu sexagésimo aniversário – em um total anual de quase 58 milhões de aniversários de 60 anos. Uma em cada 9 pessoas no mundo tem 60 anos de idade ou mais, e estima-se um crescimento para 1 em cada 5 por volta de 2050: o envelhecimento da população é um fenômeno que já não pode ser mais ignorado”.

De modo que diante dessa evolução demográfica é fundamental criar condições e oportunidades para que a população possa envelhecer com segurança, saudável, incluída socialmente e economicamente ativa. Afinal, ninguém será eternamente jovem e “é a forma como optamos por tratar dos desafios e maximizar as oportunidades de uma crescente população idosa que determinará se a sociedade colherá os benefícios do ‘dividendo da longevidade’” (UNFPA).

Assim, ela afeta a dinâmica social, na medida em que há uma correlação direta entre desenvolvimento e longevidade humana. Países, cujo desenvolvimento é intenso e consistente, vêm favorecendo a uma expectativa de vida muito maior para sua população. Não só pelo fato da diversidade de políticas públicas que melhor atendam as demandas dos cidadãos; mas, também, pelo fato da renda per capita circulante possibilitar aos indivíduos a manutenção da sua sobrevivência e qualidade de vida. De modo que essa realidade vem desconstruindo o estereótipo do idoso à margem da sociedade, inerte e solitário.

Afinal, dentro desse contexto mais privilegiado, estão outros aspectos que dão suporte a essa ampliação da expectativa de vida, tais como acesso ao saneamento básico e água tratada; a segurança alimentar; ao desenvolvimento das ciências médicas e suas tecnologias, ampliando a base de diagnóstico e tratamento precoce; e, a imunização, que tem evitado milhões de mortes desnecessárias ao ano e reduzido a circulação de agentes infectocontagiosos ao redor do planeta.

Apesar de nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos o idoso conseguir manter-se ativo, nem sempre isso ocorre por escolha e condições favoráveis. Na maioria das vezes, esse movimento decorre da total necessidade básica de sobrevivência. A própria estrutura econômica desses lugares transforma, muitas vezes, os idosos em arrimo de família. Assim, a baixa remuneração advinda de sua aposentadoria passa a ser o principal componente do sustento e manutenção de todos, incluindo filhos, netos e até bisnetos, em alguns casos, os quais por razões de desemprego e/ou baixa escolaridade não teriam como sobreviver sozinhos. Muitas vezes, a insuficiência dessa remuneração acaba impulsionando o retorno desse idoso ao mercado de trabalho, geralmente informal, a fim de complementação dos recursos.

Além disso, há de se considerar que a análise do envelhecimento populacional não se dá de maneira homogênea. Como qualquer grupo social é necessário destacar características como idade, gênero, etnia, educação, renda e saúde; na medida em que “precisam ser tratados especificamente, por meio de programas e modelos de intervenção adequados a cada segmento” (UNFPA). Haja vista, por exemplo, que “o envelhecimento é um processo que atinge homens e mulheres de forma diferente. As relações de gênero estruturam todo o curso da vida, influenciando o acesso a recursos e oportunidades com um impacto que é tanto contínuo quanto acumulativo” (UNFPA).

Dentro desse contexto, verifica-se que o etarismo predomina em relação às mulheres, porque elas são mais vulneráveis à discriminação e abusos, em razão de um conjunto de inacessibilidades que comprometem sua inserção no mercado de trabalho, seu atendimento nos serviços de saúde, seu direito à propriedade e heranças, sua menor remuneração e renda básica, e suas garantias quanto à previdência social. Por isso, “essas diferenças têm importantes implicações para políticas e planejamento de programas públicos” (UNFPA).

Mas, e a realidade específica do Brasil?  Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), “o número de brasileiros idosos de 60 anos e mais era de 2,6 milhões em 1950 (4,9% do total), passou para 29,9 milhões em 2020 (14% do total) e deve alcançar 72,4 milhões em 2100 (40% do total populacional). O número de brasileiros idosos de 80 anos e mais era de 153 mil em 1950 (0,3%), passou para 4,2 milhões em 2020 (2% do total) e deve alcançar 28,2 milhões em 2100 (15,6% do total populacional) ”2.

Tendo em vista que esse panorama estava contextualizado dentro de uma realidade econômica, todos os impactos sociais sentidos por essa população idosa são decorrentes, principalmente, do mau aproveitamento do chamado bônus demográfico, ou seja, dos períodos em que conta com mais força de trabalho e menos pessoas inativas no país.

Então, quando a Pandemia se instalou, “a economia brasileira já estava enfraquecida, com ‘esclerose múltipla’ e com várias ‘doenças’ de risco, como baixa produtividade, baixa competitividade internacional, baixo dinamismo na produção de bens e serviços, baixa geração de emprego decente, baixa geração de renda, baixo investimento e com ‘pressão alta’ no déficit fiscal, na dívida pública e nos indicadores de pobreza e desigualdade social” (FIOCRUZ).

Acontece que “a experiência internacional mostra que nenhum país consegue enriquecer depois de envelhecer. Países de renda média que não aproveitam o bônus demográfico costumam ficar presos eternamente na ‘Armadilha da renda média’” (FIOCRUZ). Portanto, as dificuldades que se desenham no horizonte brasileiro são imensas. Sobretudo, se consideramos indivíduos abaixo da linha da miséria, indígenas, analfabetos, residentes na zona rural, residentes nas periferias urbanas, dentro do perfil de envelhecimento nacional.

Trata-se de uma questão cujo desenvolvimento de suas complexidades é diário. Daí a necessidade de contenção e mitigação, o mais rápido possível. Porque quanto mais o tempo passa, mais o idoso está submetido a diversas expressões de vulnerabilidade social. De modo que suas demandas passam a ser entendidas como onerosas demais, difíceis demais, cansativas demais, enfim ... Trazendo à tona a impressão que a conquista da longevidade, de uma maior expectativa de vida, foi algo ruim e indesejável para alguns indivíduos e segmentos da sociedade. 

Porém, isso não é justificativa e nem dá o direito a ninguém de manifestar o “etarismo”. Aliás, como a sociedade pode se dar ao luxo de manifestar qualquer preconceito nesse sentido? Envelhecer é parte do ciclo da vida. Antes de ousar hastear por aí bandeiras absurdas e ofensivas, é preciso lembrar de que “A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos a frente” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira), ou o que temos dentro de nós. Porque ela é uma porta aberta para que o preconceito seja esse “fardo que confunde o passado, ameaça o futuro e torna o presente inacessível” (Maya Angelou – escritora norte-americana) a todos, sem distinção.

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

1000 dias. 24000 horas. ... E daí?!


1000 dias. 24000 horas. ... E daí?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

1000 dias de governo sem razões para comemorar. E nem é pela má gestão da COVID-19, pelos mais de 500 mil mortos pela ação do Sars-Cov-2, pelo desemprego em alta, pela miséria e a pobreza proliferando, pela inflação, pelos juros exorbitantes, pelo custo dos alimentos e combustíveis, pela crise hídrica, pelo tarifaço de energia elétrica, pelos escândalos envoltos em nuvens de mistério, ... O pior que reside nessa cifra temporal é ter a comprovação cabal do fracasso brasileiro. O Brasil não sabe votar. Não sabe escolher. O analfabetismo cidadão ficou flagrante.  

Gostaria que o peso dessa constatação recaísse sobre o fato do voto ser obrigatório e por isso, as pessoas se indispusessem a encará-lo de uma maneira mais consciente. Mas, não é isso. O que se impõe nessa história é uma práxis secular de dissociação entre o voto e o cotidiano, como se a escolha representativa não fosse a grande determinante do que acontece de bom e de ruim na dinâmica da vida do cidadão.

Não é à toa que as disputas eleitorais no Brasil sempre se fizeram marcadas por uma euforia de torcidas, algo semelhante ao futebol. Uma passionalidade tão arraigada que subtrai a capacidade crítica e reflexiva de ponderar prós e contras dos pretensos representantes do povo. Transformam as campanhas em concurso de simpatia, gerando uma superficialidade em todo o processo, como se apertos de mãos, sorrisos fartos, crianças no colo, gritos esfuziantes e retóricas de efeito pudessem suprir o eleitor de informações suficientes para ativar seu discernimento. E como diz o provérbio, “De boas intenções o inferno anda cheio”!

E diante de tamanha displicência, o Brasil transformou política em profissão e consolidou verdadeiras dinastias no cenário nacional. Exímios conhecedores desse jogo de intenções veladas, cada mandato reafirmava a sabedoria do caminho das pedras para se perpetuar no “oficio de representante popular”, apesar de muitos serem médicos, advogados, funcionários públicos etc.etc.etc. Acontece que, por mais constrangedor possa ser admitir, a política tem sido sim, uma das carreiras mais bem pagas do país. Mas é bom que se diga, também, que os representantes do povo são oriundos desse povo. Portanto, se bons ou ruins eles refletem exatamente a sociedade a qual pertencem.

Assim, encontrar algum candidato imbuído de consciência, responsabilidade e apreço ao dever cívico de servir ao povo tornou-se tão desafiador quanto procurar uma agulha no palheiro. Porque não bastasse o pendor das más índoles a influenciá-los, por trás de cada candidatura, escondidos nas sombras, estão legiões de apoiadores e patrocinadores fiando o seu toma-lá-dá-cá e definindo as pautas de seus interesses próprios, que deverão ser a linha mestra a ser seguida pelo seu candidato. De modo que eles já entram em cena carregados de obrigações e deveres muito distantes das expectativas dos eleitores.

Uma pena que tudo isso passe à margem dos interesses e das preocupações do cidadão; mas, que demonstra como o brasileiro não foi preparado para assumir seu papel no mundo republicano e democrático. Sim, porque nos tempos da Coroa Portuguesa ele não tinha sequer o trabalho de escolher quem iria representá-lo, estava posto, definido. O lado bom e ruim da vida já vinha preestabelecido.

Mas, quando tudo mudou, não mudou de uma vez. Durante longos anos, as decisões partiam daqueles que detinham o poder e que, também, eram os eleitores. Demorou bastante tempo para que todos os brasileiros, enfim, pudessem exercer o direito de voto. Aí, já era tarde para desconstruir o hábito legitimado de se deixar conduzir pelos outros. E as eleições se transformaram nesse verdadeiro espetáculo.

No entanto, se a decepção se torna cada vez mais pujante, como têm revelado os índices de abstenção e votos nulos e brancos, sinal de que um lampejo de lucidez começa a aflorar. Já se foi o tempo em que as eleições eram vencidas com base em uma presença maciça de eleitores. Hoje, os percentuais vitoriosos não representam, na verdade, a totalidade dos cidadãos; mas, uma parcela que esteve presente às sessões eleitorais. Daí a importância dessa manifestação de incômodo, de desconforto, de indignação, que são marcas fundamentais da cidadania, porque demonstram que os indivíduos estão atentos aos rumos que o país toma, em decorrência de suas escolhas. Eles sabem mensurar, então, o peso da sua responsabilidade enquanto eleitor.

Sabemos que o caminho a ser trilhado entre o abandono do analfabetismo cidadão e a consolidação do letramento cidadão é longo. Mas, nem por isso, se pode desistir ou esmorecer. Para que haja razões a se comemorar, não basta a celebração no resultado do pleito e, nem tampouco, 1000 dias. É preciso mais, bem mais. Afinal, não se pode permitir nivelar o exercício do voto a nada que venha constituir uma alienação servil e uma perda completa ao direito a uma vida digna, porque isso seria boicotar o desejo de celebrar a cidadania no seu sentido mais pleno e inteiro.  


domingo, 26 de setembro de 2021

Desrespeito...


Desrespeito...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Tem horas que o mundo parece mesmo “o cachorro correndo atrás do próprio rabo”, o que significa despender enorme esforço por alguma coisa, inutilmente. Talvez, ele não saiba que seja o próprio rabo. Talvez, não queira admitir que é. Talvez, só queira chamar a atenção. Talvez, esse incômodo não tenha solução. Mas, o mesmo acontece com milhões de seres humanos quando se colocam diante de uma questão importante sem se permitir dissecá-la em camadas para, de fato, alcançar êxito na busca de sua conclusão.  

E algo que tem sido muito recorrente no mundo contemporâneo é o desrespeito. Em diferentes níveis de manifestação ele tem conseguido extrapolar seus limites e se materializar em violências absurdas. Claro que ele atinge mais a alguns do que a outros, porque ele nasce da consciência do poder e este não parte do princípio da igualdade. Por isso, o desrespeito é cada vez mais lançado contra as chamadas “minorias”, as quais, na verdade, não representam composições sociais de menor quantidade representativa, mas caracterizam elementos de interesse de marginalização como perfil econômico, social, de gênero, cultural, físico e/ou religioso.  

Isso acontece porque essa condição “minoritária” traz para essas pessoas uma dificuldade de se apropriar do seu lugar de fala na sociedade e assumir o protagonismo da sua própria cidadania. De modo que aqueles que detêm o poder utilizam do desrespeito para continuar um processo histórico de humilhação, subjugação e controle desses grupos, a fim de garantirem-se no seu espaço de dominância sem riscos ou eventuais prejuízos aos seus interesses, privilégios e regalias.

E o modo como manuseiam esse desrespeito é diferente para cada grupo, não porque eles percebam uma especificidade simplesmente; mas, porque se o fizerem de maneira ampla para todos os grupos estariam os unindo e fortalecendo. A desagregação é, então, uma prática importante para fortalecer o desrespeito, porque ela parte de uma negação, ainda que inconsciente, da essência humana, ou seja, enxerga-se as diferenças, as especificidades, os rótulos e não, o ser humano que habita e consolida cada indivíduo.

Assim, na luta ferrenha do dia a dia, em nome da sobrevivência e da dignidade, na base do “cada um por si e Deus por todos” cada segmento “minoritário” se defende como pode dos desrespeitos, sabendo que eles estarão presentes em todos os lugares. Desrespeitos no mundo real e no mundo virtual constituídos como verdadeiras teias, que tentam aprisionar a liberdade e a dignidade de milhares de indivíduos, sob a premissa de um desconforto sentido por uns e outros. Afinal, o que é desrespeito para com as “minorias” é sempre uma reafirmação de poder para os poderosos e pseudo poderosos.

E quando digo pseudo poderosos é porque, muitos dos que saem desrespeitando a torto e a direito, se parassem por instante sequer, teriam que admitir pertencer a alguma “minoria”. Às vezes, chego a pensar, que esses pseudo poderosos têm em si uma raiz colonial tão exacerbada que eles não se percebem como verdadeiros feitores contemporâneos, ao aplicar seus desrespeitos aos outros por pura obediência aos poderosos.

Por conta desse movimento, o resultando acaba sendo o confronto, quando se despende muita energia para nenhum resultado. Afinal de contas, desrespeitar não muda o curso da história, da vida. Porque a raça humana é a diversidade em si, é o pluralismo de ideias, de comportamentos, de culturas, de existências. Você desrespeita, ofende, agride, magoa; mas, e daí? O outro chora, se ressente, se angustia, mas segue o baile, como tem que ser. Amanhã é sempre outro dia.

E sabe por quê? Muito simples. Enquanto se desperdiça o tempo com inutilidades, com desumanidades, com atitudes tóxicas, o mundo, caro leitor, está literalmente pegando fogo. Há milhares de dilemas a serem resolvidos. Há milhares de demandas precisando ser satisfeitas. Há milhares aguardando por um fiapo de esperança para sobreviver; seja na rua, no leito de hospital ou em qualquer outro lugar. Há milhares...

Não dá para esquecer de que a vida é um sopro e o amanhã uma dádiva para escolhidos, independentemente de quem sejam eles. Um dia, desrespeitosos e desrespeitados serão pó, igualmente. Nesse ponto a vida é bem democrática. Diante de tudo isso, então, é que eu começo a compreender que o respeito não é algo que se possa exigir de ninguém. Respeito está condicionado a um complexo movimento de reflexão sobre nós mesmos e não sobre os outros. Quando se pensa em exigir de alguém, já está errado, porque se está iniciando uma relação de poder sobre um outro viés, o qual também não vai chegar a lugar nenhum.

No fim das contas, o que o desrespeito nos ensina é que “Nunca é alto o preço a pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo” (Arthur Gordon – “How to live with life”), valorizar a si, as suas crenças, os seus princípios, a sua ética. É por ser quem é que, lamentavelmente, você é desrespeitado. Mas, o que fazer se você é você? Não é só uma questão de plástica, de estética, de ideias. O que leva ao desrespeito é a identidade que é intrínseca a você; e ponto final.

Por isso, sempre que o desrespeito lhe bater à porta, antes de qualquer coisa lembre-se de que “Sem identidade não se é. E a gente tem que ser, isso é que é importante. Mas a identidade obriga depois a dignidade. Sem identidade não há dignidade, sem dignidade não há identidade, sem estas duas não há liberdade. A liberdade impõe, logo de começo, o respeito ao próximo. Isto pode explicar um pouco os limites da própria vida” (Manuel de Oliveira – cineasta português). Afinal, como dizia o colunista Ibrahim Sued, “Os cães ladram e a caravana passa”.


sábado, 25 de setembro de 2021

A sustentabilidade ambiental brasileira em xeque-mate


A sustentabilidade ambiental brasileira em xeque-mate

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto o mundo aguarda pela Conferência das Partes (COP-26), de 1º a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia, para discutir as mudanças climáticas e seus efeitos socioeconômicos extremos, o Ministro da Economia do Brasil pede ao Ministério do Meio Ambiente um afrouxamento de 14 regras solicitado pelo setor privado. Afinal, a ideia sobre “Nossa moderna e sustentável economia de baixo carbono [...]” parece ter ido para o espaço, poucos dias depois do Presidente da República ter proferido essa manifestação na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque.

O que se pretende com tais medidas, por exemplo, é que as concessões das licenças ambientais sejam automáticas, em virtude de eventual demora na análise; que sejam revogadas as regras que dificultam o desmatamento do Bioma Mata Atlântica; que haja redução de exigências para a fabricação de agrotóxicos destinados à exportação a fim de fazer do país um “polo produtor de agroquímicos”; que se faça a extinção do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) que é o responsável por definir as atividades em que se exige Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) ou Relatório de Impacto Ambiental (RIMA); que seja dispensado o licenciamento ambiental para utilização de rejeitos estéreis de mineração; que se altere o mapa de biomas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), excluindo da delimitação da Amazônia as áreas com característica de Cerrado; e, que se cancele a consulta ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para empreendimentos agrossilvipastoris consolidados, com atividade preexistente a 22 de julho de 2008.

Enfim... Num piscar de olhos, o Brasil parece querer romper definitivamente com a meta das Nações Unidas de “Até 2030, garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agrícolas robustas, que aumentem a produtividade e a produção, que ajudem a manter os ecossistemas, que fortaleçam a capacidade de adaptação às mudanças do clima, às condições meteorológicas extremas, secas, inundações e outros desastres, e que melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo” 1. Porque suas intenções, como se vê, vão na contramão mundial do modelo de produção agropecuária defendido pelo comércio exterior.

Considerando, então, os prejuízos já consolidados pelas queimadas e desmatamentos ocorridos no país nos últimos três anos, ocasionando a perda de quilômetros de áreas de seus biomas, incluindo a Mata Atlântica, imagine qual seria o resultado de se permitir que licenças ambientais sejam concedidas automaticamente. ...

No que tange aos agrotóxicos, só nos seis primeiros meses de 2021 foram autorizados, pelo Ministério da Agricultura, 230 tipos desse produto. “Em julho, foram outras 51 autorizações. O número se soma aos mais de 1000 produtos liberados desde o início do governo”; mas, o que surpreende é o fato de que “Cerca de um terço dos agrotóxicos aprovados no Brasil não são permitidos na União europeia, alguns há décadas” 2.

Isso significa que o equilíbrio ecossistêmico das cadeias biológicas está sendo afetado pela ação de produtos como Halauxifem-metil, Dinotefuran, Florpirauxifen-benzil, Fluopiram, Sulfoxaflor 3. Incluindo uma redução importante na quantidade de insetos polinizadores, como as abelhas, por exemplo. O que explica a consolidação de perdas no quantitativo da produção de mel e subprodutos; mas, também, de flores e frutos.  Dentre estes estão a goiaba, o pepino, o girassol, o guaraná, o tomate, o abacate, a cereja, o pêssego, a ameixa, a abóbora, a acerola, a castanha do Pará, o cupuaçu, o maracujá, a melancia, o melão e o urucum.

Particularmente, em relação aos seres humanos, o Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, de 2018, manifestou que a exposição a esses produtos “pode causar quadros de intoxicação leve, moderada ou grave, a depender da quantidade do produto absorvido, do tempo de absorção, da toxicidade do produto e do tempo decorrido entre a exposição e atendimento médico (Brasil, 2013c).

De modo que “As consequências descritas na literatura compreendem: alergias; distúrbios gastrointestinais, respiratórios, endócrinos, reprodutivos e neurológicos; neoplasias; mortes acidentais; suicídios; entre outros (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010) ”. O que torna importante destacar que “Os grupos mais suscetíveis a esses efeitos são: trabalhadores agrícolas, aplicadores de agrotóxicos, crianças, mulheres em idade reprodutiva, grávidas e lactantes, idosos e indivíduos cm vulnerabilidade biológica e genética (UNITED STATES, 2013; SANBORN et al., 2002)” 4.

Assim, no campo da probabilidade da ocorrência de neoplasias (cânceres), segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), publicados em 2019, “Para o Brasil, a estimativa para cada ano do triênio 2020-2022 aponta que ocorrerão 625mil casos novos de câncer (450 mil, excluindo os casos de câncer de pele não melanoma). O câncer de pele não melanoma será o mais incidente (117 mil), seguido pelos cânceres de mama e próstata (66 mil cada), cólon e reto (41 mil), pulmão (30 mil) e estômago (21 mil) ” 5. Então, pare por um segundo e imagine qual seria o resultado de se permitir a produção desses produtos no país, tendo em vista a diversidade de resíduos tóxicos que eles produzem e que seriam descartados no meio ambiente, além dos próprios agrotóxicos quem já vem sendo utilizados.

Por fim, ao considerarem o desmantelamento de órgãos do sistema ambiental brasileiro em conjunto com a dispensa de documentos de controle e fiscalização, tornou-se claro quais caminhos de negligência, e total inconsequência, que o país pretende trilhar a partir de agora. Nem mesmo a crise hídrica, imposta por condições meteorológicas extremas, decorrentes de alterações abruptas e severas sobre os biomas nacionais, foi motivo suficiente para estancar tais arroubos mediante o potencial de risco iminente para os diversos setores da economia, incluindo o agronegócio.

O que se vê, então, é uma visão desconectada da realidade contemporânea. Tanto do ponto de vista do atual cenário ambiental brasileiro quanto das diretrizes estabelecidas pelo comércio exterior no que diz respeito à Economia Sustentável, ou seja, compreendendo a importância do Meio Ambiente como um bem a ser preservado a fim de dar continuidade as atividades econômicas.

Como dizem por aí, estão dando “um tiro no pé”. No entanto, isso é gravíssimo porque a análise desse movimento vai muito além do esgotamento de recursos naturais ou de questões capitais, o que está em jogo é a dignidade e a sobrevivência humana. Quando se fala em impactos ambientais negativos, como as Mudanças Climáticas, por exemplo, automaticamente se abre uma janela para a reflexão em torno dos Refugiados do Clima.

Gente que em razão da escassez de água potável, aumento das inundações e do nível dos mares e oceanos, da insegurança alimentar, é obrigada a se deslocar pelo planeta em busca de condições para sobreviver. Segundo o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), “deslocamentos relacionados ao clima são mais que o dobro dos provocados por conflitos. Desde 2010, as emergências climáticas obrigaram cerca de 21,5 milhões de pessoas a se mudarem em média por ano. No dia em que celebrou o Dia da Terra, a agência da ONU para Refugiados publicou dados mostrando como os desastres ligados às mudanças climáticas provavelmente pioram a pobreza, a fome e o acesso aos recursos naturais, alimentando a instabilidade e a violência6.

Santo Agostinho alertava que “Há homens que se agarram a sua opinião, não por ser verdadeira, mas simplesmente por ser sua” e isso, nada mais é do que a vaidade em estado bruto. Portanto, a pergunta que se deve fazer, nesse momento, é: até quando o Brasil persistirá nessas atitudes erráticas? Não é possível que o país esteja se permitindo guiar por opiniões improcedentes e infundadas, sem quaisquer parâmetros técnico-científicos, que são capazes de o deixar à margem, à beira de um precipício. Considerando que Sigmund Freud dizia que “A Ciência não é uma ilusão, mas seria uma ilusão acreditar que poderemos encontrar noutro lugar o que ela não nos pode dar”, o sucesso econômico que se vislumbra encontrar a partir dessas medidas é, portanto, só uma miragem.

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

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A desigualdade que o mundo não quer ver


A desigualdade que o mundo não quer ver

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Lentamente, 2021 vai sendo marcado por imagens bastante reflexivas. Enquanto na capital paulista, manifestantes do Movimento de Trabalhadores Sem-Teto (MTST) ocuparam de maneira pacífica a sede da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), em protesto contra a fome, a desigualdade e a inflação, no Vaticano, o Papa Francisco se encontrou com famílias cristãs que fugiram do Afeganistão, e em Genebra, na sede da Organização Mundial da Saúde (OMS), o diretor-geral Tedros Adhanom fez um alerta de que o sistema de saúde afegão está à beira do colapso, de modo que aproximadamente 50% das crianças correm risco de desnutrição.

Imerso nessas e em tantas outras notícias do cotidiano nacional e mundial está um ponto em comum, que teima em passar despercebido, em razão da dissociação que a sociedade teima em fazer. Como se as mazelas pudessem ser colocadas cada uma dentro de sua própria caixinha e analisadas a partir de parâmetros meramente superficiais. Esse é o motivo pelo qual a desigualdade vem se arrastando há milênios pela história da humanidade e se tornando mais e mais acirrada pelos gatilhos impostos a partir das Revoluções Industriais.

Os seres humanos se acostumaram a falar da fome, da miséria, do desemprego, da insalubridade, da ausência de moradia, das epidemias, das guerras, ... como se essas fossem questões emergidas de si mesmas. Quando, na verdade, deveriam se dar a oportunidade do questionamento sobre como esses processos sociais acontecem, se desenvolvem e se perpetuam através dos tempos. Porque em maior ou menor escala, por mais difícil e delicado seja admitir, foi a legitimação humana das desigualdades que permitiu ao mundo se configurar dessa maneira. Então, de repente, se começa a perceber que ao contrário dos discursos e narrativas dispersas aqui e ali, a igualdade nunca foi um direito; mas, sempre esteve no rol das grandes aspirações humanas.

Afinal, a resistência em relação à igualdade é uma marca presente no mundo, desde os primórdios. A partir do momento em que o Homo sapiens teve a consciência da sua força, do seu poder, da sua influência sobre o grupo, a raça humana perdeu o pudor de dominar, escravizar e controlar seus pares. Era o embrião do que se transformaria na divisão social do trabalho, um conceito desenvolvido pelo sociólogo Émile Durkheim, no século XIX. Mas, não se restringe a isso, pois não se trata somente do estabelecimento dos papéis sociais e produtivos; mas, também, do consumo.

Na medida em que a ideia da aquisição de bens, produtos e serviços passa a ocupar um espaço cada vez mais importante no cotidiano dos seres humanos, a sobrevivência e a dignidade se tornam relativizadas, porque as pessoas são estimuladas a querer muito além de suas próprias demandas. Estabeleceu-se, então, uma competição, até certo ponto velada, entre os indivíduos, a fim de que o nível de consumo delineasse os grupos sociais e o grau de pertencimento dentro dos mesmos.

Sem perceber, a humanidade estava sendo lançada a um ritmo frenético e compulsivo em torno do “ter”. Quem tem mais pode mais, quem tem menos pode menos. Quem tem mais é importante, quem tem menos é desimportante. Deixaram de “ser” para “ter”. Assim, a desigualdade foi se espalhando pelos mais diferentes contextos das relações sociais, sem jamais encontrar obstáculos efetivos ao seu movimento. A consolidação de um padrão para a pirâmide social, já havia se consagrado através dos tempos, então, os limites para questionamentos eram praticamente inexistentes.

O que, segundo Noam Chomsky, se traduz no fato de que “O controle fora do trabalho significa transformar as pessoas em autômatos em todos os aspectos de suas vidas, induzindo uma ‘filosofia de futilidade’ que as orienta para ‘as coisas superficiais da vida como o consumo de moda’. As pessoas que dirigem o sistema devem fazê-lo sem qualquer interferência da massa da população, que nada tem a fazer na arena pública. Dessa ideia surgiram enormes indústrias, desde a publicidade até as universidades, todas conscientemente dedicadas à convicção de que é preciso controlar as atitudes e opiniões, porque de outra forma o povo será muito perigoso”1.

Por isso a fome, a miséria, o desemprego, a insalubridade, a ausência de moradia, as epidemias, as guerras, ... não saem das pautas da mídia e dos governos, como, também, não são resolvidas. Afinal, o topo da pirâmide, a elite, não cogita flexibilizar suas regalias e privilégios, nem tampouco seus poderes sociais. De modo que essas questões têm sido tratadas a placebos. E dependendo dos cenários configurados, podem se agravar e se desdobrar em complexidades inimagináveis, como tem ocorrido nessa Pandemia.

Mas, talvez, pela força das inúmeras e graves ameaças à raça humana é que um incipiente modelo de desenvolvimento social venha adquirindo cada vez mais impulso na sociedade contemporânea. Por meio de discursos e narrativas de gente anônima e famosa que se predispôs a defender um conjunto de práticas indivisíveis e interdependentes no âmbito das dimensões econômicas, sociais e ambientais, se tem presenciado a busca de uma eficiência global capaz de garantir que todos sobrevivam no contraponto a uma iminente derrocada coletiva.

Foi assim, com a chamada Primavera Árabe, quando o Oriente Médio e o norte da África explodiram uma serie de revoltas populares, cujos desdobramentos são sentidos ainda hoje. Movidos pelas altas taxas de desemprego, precárias condições de vida, corrupção e governos autoritários, milhares foram as ruas manifestar sua indignação. Com o Occupy Wall Street, em 2011, quando aproximadamente 150 pessoas se instalaram no Zuccotti Park, em pleno distrito financeiro de Manhattan, Nova Iorque. Com cartazes e palavras de ordem, eles protestavam contra a desigualdade econômica e social nos Estados Unidos. De modo que a visibilidade dada por esses movimentos transcendeu as próprias fronteiras e mudanças significativas começaram a ser sentidas pela sociedade.

Uma delas veio através do conceito de Moda Afetiva ou Consumo Afetivo, que diz respeito a entender que há infinitas soluções criativas e sustentáveis para ressignificar o consumo da moda. Como escreveu Peter Stallybrass, em “O Casaco de Marx”, de 1998, “Ao pensar nas roupas como modas passageiras, nós expressamos apenas uma meia-verdade. Os corpos vêm e vão: as roupas que receberam esses 10 corpos sobrevivem. Elas circulam através de lojas de roupas usadas, de brechós e de bazares de caridade”.

Esse movimento, então, pode se expandir por qualquer outro bem material - móveis, utensílios, brinquedos, ... -; de modo que consiga ressignificar o sentido desses objetos, ao mesmo tempo em que resgate o ser humano das teias do consumismo e, por consequência, da desigualdade, criando uma ponte para a verdadeira consciência cidadã.  

Ainda que esse movimento de transposição entre a desigualdade e a igualdade pareça longo e árduo, é preciso insistir e resistir. E para isso, é fundamental que a sociedade esteja imbuída de uma consciência que a faça entender que “a desigualdade dos direitos é a primeira condição para que haja direitos” (Friedrich Wilhelm Nietzsche – filósofo alemão). Só assim, haverá substrato suficiente para florescer uma empatia, forte o bastante, para impedir os seres humanos de verem seus pares padecendo à mingua da desassistência, do desamor, da negligência e da crueldade, oriundos da sua omissão expressa por uma única palavra, a desigualdade.  



1 Ambições imperiais: o mundo pós-11/9 / Noam Chomsky; em entrevista a David Barsamian. 


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Aberta a temporada do “Me engana que eu gosto”


Aberta a temporada do “Me engana que eu gosto”

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Um dos grandes desafios da contemporaneidade tem sido as Fake News, na medida em que são criadas e disseminadas com fins específicos de desestabilização, mobilização, e/ou desorganização das estruturas sociais para atender a interesses de determinados indivíduos, grupos ou instituições. E no Brasil, não é diferente.

Nos últimos três anos essa prática tem se intensificado e produzido efeitos desastrosos em vários campos da vida cotidiana, particularmente, no tocante à Pandemia. Mesmo assim, declarações do próprio Presidente da República dão conta do seu apreço às Fake News, sob argumentos que retiram delas quaisquer parâmetros de ofensividade prejudicial às boas relações sociais. Segundo ele, eventuais distorções e manipulações da verdade são de natureza trivial da vida e, por isso, as pessoas já deveriam estar habituadas a elas. Pena, que não seja bem assim.

Então, diante das notícias do dia, me deparei com algo de importância reflexiva nesse contexto. Foi noticiado que o governo federal anunciou recursos na ordem de 450 milhões para serem gastos em propaganda, a título de resgatar a sua imagem e popularidade. A ideia é contrapor o trabalho informativo sério das mídias de comunicação, que vem apontando sem filtros a dinâmica atual da realidade brasileira ao cidadão, oportunizando uma análise crítica a respeito dos acontecimentos. Assim, a notícia chega com ares do velho “jeitinho brasileiro” para consolidar a imagem de uma realidade paralela por vias nada ortodoxas de informação.

Pode ser que, sob diversos aspectos, o cidadão esteja se comportando de um modo voluntariamente crédulo e irresponsável diante dessas notícias enviesadas e tendenciosas que circulam pela internet, através das redes sociais. Mas, quando o assunto é o cotidiano, no seu sentido mais prático, os parâmetros de análise se ampliam à revelia das opiniões terceirizadas, porque quase sempre “dói no bolso” os impactos.

É o custo de vida “pela hora da morte”. É a necessidade de estabelecer cortes drásticos nas despesas do dia a dia; sobretudo, supérfluos e prazeres. De modo que não se precisa ser um expert em finanças e economia para enxergar adequadamente o que acontece na fila do banco, do supermercado, da padaria, do açougue, ... E não para por aí.

O “arrastar de correntes” promovido pela gestão da Pandemia no país, também, representa um desgaste palpável para o cidadão. Ele vê outros países seguindo em frente, buscando recuperar o ritmo do desenvolvimento, e se vê estagnado por medidas erráticas de caráter insuficiente e ineficiente, como se o objetivo fosse mesmo o “quanto pior melhor”. E sabendo muito bem quem vai pagar o preço dessa conta, ele sobrevive aos dilemas impostos por essa realidade caótica de um vírus perigoso e desconhecido que persiste na sua jornada destrutiva.

Ele, então, tenta espairecer a cabeça quente de tantos problemas, mas o calor do ambiente não lhe permite essa graça. É! Falta chuva, falta água, falta vento, enquanto sobram incêndios florestais e desmatamentos por todo o país, alterando com severidade os padrões climáticos e aumentando o preço das tarifas de energia elétrica e o risco de eventuais interrupções de fornecimento.

Reservatórios superficiais e subterrâneos estão evaporando a olhos vistos, elevando o risco de desabastecimento de água para a população a um nível iminente. E quando digo população, são todos os estratos sem exceção. É toda a cadeia produtiva sem exceção. São todas as demandas humanas sem exceção.

Portanto, tomando por base apenas essas questões, já é possível perceber que a perda de popularidade do governo não é uma questão de perspectivas expressas por veículos de informação e comunicação. Não se trata de ser A, B ou C, influenciando ninguém a ser contra ou a favor, muito pelo contrário.

São fatos. São realidades vivenciadas diariamente, em níveis de impacto negativo maiores ou menores; mas, que, não são invisíveis ou imperceptíveis para ninguém. No cerne dessa seara cotidiana, o indivíduo é, portanto, o autor das suas próprias conclusões e o protagonista das suas decisões. Mesmo que seu exercício de cidadania ainda permaneça como um rastro vestigial.

No fim das contas, falar de milhões sobre publicidade governamental é “o fim da picada”. Nem parece que estamos falando do país que quer pagar 39 bilhões de precatórios em 2022, ao invés dos 90 bilhões previstos, a fim de ter condições de aumentar o valor do programa Bolsa Família. Sim, porque diante do aumento exponencial de cidadãos em condição de vulnerabilidade, conforme apontam as taxas de desemprego e pobreza nacionais, esse benefício saiu da condição de despesa supérflua para o status de suma importância. Do país que vive no limite do respeito ao teto de gastos, porque não consegue se desvencilhar das suas práxis perdulárias crônicas. ...

De modo que, mais do que indecoroso um gasto de 450 milhões nesse cenário apocalíptico que o país vive, ele é simplesmente de uma ineficácia total. Na medida em que os problemas nacionais já alcançaram os limites da sobrevivência, extinguindo-se quaisquer possibilidades de aceitação de um universo paralelo.

Uma idealização, nesse ponto das conjunturas, beira as raias do ridículo e, ao contrário de apaziguar, só faz acirrar os ânimos. Porque a ruptura com equilíbrio lança as pessoas para longe de suas zonas de conforto, exigindo-lhes uma adaptação para a qual, nem todos, estão adaptados ou têm condições de se adaptar.

Por sorte, como dizia o próprio fundador da BBDO, uma das maiores agências de publicidade do mundo, “Para o bem ou para o mal, suas palavras são a sua propaganda. Todas as vezes que abre a boca, você revela o que existe em sua mente”. Desse modo, quaisquer Fake News travestidas de propaganda populista não perderão a sua identidade, a sua essência. Isso significa, então, que apesar dos esforços em distribuir “lentes cor-de-rosa” aos cidadãos, por meio da mídia, os resultados de declínio de popularidade do governo estão lançados ao risco de serem ainda maiores e mais rápidos. Afinal de contas, “O que é bom se vende por si só, o que é ruim faz propaganda de si” (Provérbio Africano).  


quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Estupefatos...


Estupefatos...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Apesar do espanto ter sido inevitável, na verdade, nenhum brasileiro deveria se surpreender com o que foi falado, hoje, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a COVID-19. Informações sobre uma eventual prática de pesquisa médica, durante a Pandemia, promovida por uma empresa privada de Planos de Saúde, sem a anuência da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e, tampouco, dos próprios pacientes e familiares, deixou o país perplexo. Afinal, a que ponto chegamos!

A questão é que o fio dessa meada se estende pelo tempo. Quando a Constituição Federal de 1988 estabeleceu no seu artigo 6º que eram Direitos Sociais “ a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”, o país assumiu a sua parcela de responsabilidade na garantia desses instrumentos de dignidade cidadã.

Entretanto, talvez, tenha faltado combinar com os representantes da direita nacional essa questão, pelo fato de serem eles ardorosos defensores de políticas de liberalização econômica pautadas em privatizações, em austeridade fiscal, em desregulamentação, em livre comércio e, sobretudo, em cortes de despesas governamentais com o objetivo de reforçar o papel do setor privado na economia. O que significa um pensamento diametralmente oposto a muitos aspectos previstos na Constituição.

No entanto, embora o Brasil seja um país demasiadamente complexo, tais desajustes ideológicos acabaram por encontrar um caminho para conviver. Acontece que esse “equilíbrio” precisa resistir a muitas tensões que o tornam, então, “imperfeito”. Isso se traduz no fato de que a influência da direita nas decisões político-sociais brasileiras é inevitável, porque ela concentra a maioria da elite que detém o poder em diferentes instâncias. De modo que ela consegue expandir as suas fronteiras sem encontrar tantos desafios e obstáculos a serem superados.

O que explica as razões que vêm conduzindo os tais Direitos Sociais a uma precarização cada vez mais acentuada, por parte do poder público; em especial, a Educação, o Transporte e a Saúde. Os inúmeros entraves políticos e econômicos dispostos cuidadosamente para limitar a evolução e o progresso desses direitos, abre um caminho livre para a inserção da iniciativa privada em vários setores da vida cotidiana brasileira.

Cansados de ver os abismos se formarem entre a efetivação das políticas públicas e o seu acesso pela população, os cidadãos acabam se rendendo as “miragens” que começam a se propagandear em todos os lugares. É certo que esse movimento deixa de fora centenas de milhares de cidadãos impossibilitados por diversas formas de inacessibilidade social. Mas, para aqueles que podem se valer dos “pacotes de serviços” oferecidos a preços quase módicos, se configura em uma esperança com ares de ascensão social, na medida em que a demanda pelo serviço público parece poder ser abandonada.

No entanto, essa “euforia momentânea” impede que essas pessoas entendam o elementar, ou seja, que a eficiência, a suficiência e a qualidade dos serviços prestados está diretamente atrelada ao valor pago; pois, é assim que funciona no livre comércio. Tendo em vista que o brasileiro é um eterno assinante de contratos sem leitura prévia, o imbróglio acaba se tornando mais perverso e complexo, dadas aquelas letrinhas miúdas nos rodapés e um amontoado de informações da boca para fora não formalizadas pelo documento.

O resumo dessa ópera acabou acontecendo, então, meio que à revelia de todos, quando explodiu a Pandemia do Sars-Cov-2. Não fosse o Sistema Único de Saúde não ter sido desmantelado e desconfigurado totalmente, como era a pretensão de muitos no atual governo federal, o colapso da rede de saúde teria encontrado um desfecho ainda mais aterrorizante.

Com a ideia de que estavam a salvo pelos planos de saúde, as pessoas não contavam com a possibilidade de uma saturação dos atendimentos na rede privada, como aconteceu. Foi o suporte da rede pública que ajudou a socorrer e preservar vidas durante os picos mortais da Pandemia, em todo o país.

Mas, isso é a ponta do iceberg. Até então, denúncias esporádicas, antes mesmo da COVID-19, alertavam sobre maus atendimentos na rede privada, sem maior profundidade ao assunto. E isso acontece, porque o exercício do pagamento mensal de um plano de saúde, ou de um atendimento particular, estabelece no imaginário coletivo a impressão de um passaporte de segurança de atendimento ilimitado, quando, na verdade, não é assim que funciona.

A verdade é que o desconhecimento sobre os próprios direitos cidadãos leva milhares de pessoas, em pleno século XXI, a tecer uma realidade paralela, segundo os próprios desejos e necessidades. No caso de uma doença; sobretudo, desconhecida e repentina, a fragilidade psicológica e comportamental, muitas vezes, suplanta o próprio sofrimento físico causado pela enfermidade. Nessas horas, são poucos os que conseguem manter a lucidez e discernimento para administrar a situação sob todos os seus vieses. De modo que a precarização que já se arrastava, encontrou uma oportunidade de expansão em meio ao caos sem precedentes.

Afinal, a Pandemia em si era a prioridade das atenções. Tudo o que aconteceu nos bastidores passou despercebido por uma gigantesca parcela da população. O risco iminente de contaminação afastou das famílias a possibilidade de um acompanhamento próximo e intensivo aos doentes, que foram entregues aos cuidados dos corpos clínicos de saúde. Fossem eles privados ou públicos.

De modo que as visitas presenciais foram suspensas e o diálogo com os serviços de saúde se tornaram bastante limitados, acontecendo geralmente por ferramentas tecnológicas e em horários predeterminados. Raríssimas foram as exceções nesse processo; sobretudo, considerando os casos em que os eventuais acompanhantes eram pessoas idosas ou portadoras de comorbidades, o que implicava em um risco ainda maior de contaminação pela COVID-19.

Mas não bastasse essa conjuntura excepcional, no Brasil é muito interessante que os sistemas de vigilância e monitoramento dos serviços públicos aconteçam com muito mais empenho e frequência, do que em relação aos privados. Há uma distinção clara nesse processo que, infelizmente, favorece a recorrência de más práticas e serviços prestados no setor privado. Não vamos nos esquecer de que eles, não apenas, são responsáveis pelo pagamento de inúmeros impostos, que engordam a arrecadação do governo ao contrário de demandarem investimentos, como acontece no serviço público; mas, pela geração de empregos que promovem e pelo fato de que estão preparados para quaisquer litígios, em razão de seus amplos e competentes núcleos jurídicos.  

Então, um caso de “cobaias” humanas, embora inadmissível e repugnante, reflete esse emaranhado de poderes e interesses que ultrapassa os limites do cotidiano popular, no qual as pessoas querem apenas a oportunidade de um atendimento, de uma solução imediata para os seus problemas de saúde, sem precisar se submeter aos gargalos crônicos existentes no sistema público.

De repente, a sensação que veio à tona foi de ser tripudiado de várias maneiras. Primeiro, por não ver a imensa carga tributária sendo convertida na satisfação das demandas cidadãs mais fundamentais, na materialidade dos serviços públicos. Segundo, por não obter do plano privado de saúde, pago a duras penas, o mais elementar dos direitos que é o respeito. Terceiro, por se ver em uma encruzilhada de desespero sem ter com quem contar de verdade, depois de pagar várias vezes e de diferentes formas por um mesmo serviço e não obter êxito.

Assim, diante de tudo que se viu e ouviu neste dia, não se pode fugir da seguinte reflexão “[...]se antes de cada ato nosso nós puséssemos a prever todas as consequências dele a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. [...]” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira). E isso cabe também as palavras, porque “Com as palavras todo cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas” (José Saramago – As Intermitências da Morte), bem antes do que se possa cogitar.  Não é à toa, que nesse país todos os dias são dias para ficarmos, de certo modo, estupefatos.