domingo, 26 de setembro de 2021

Desrespeito...


Desrespeito...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Tem horas que o mundo parece mesmo “o cachorro correndo atrás do próprio rabo”, o que significa despender enorme esforço por alguma coisa, inutilmente. Talvez, ele não saiba que seja o próprio rabo. Talvez, não queira admitir que é. Talvez, só queira chamar a atenção. Talvez, esse incômodo não tenha solução. Mas, o mesmo acontece com milhões de seres humanos quando se colocam diante de uma questão importante sem se permitir dissecá-la em camadas para, de fato, alcançar êxito na busca de sua conclusão.  

E algo que tem sido muito recorrente no mundo contemporâneo é o desrespeito. Em diferentes níveis de manifestação ele tem conseguido extrapolar seus limites e se materializar em violências absurdas. Claro que ele atinge mais a alguns do que a outros, porque ele nasce da consciência do poder e este não parte do princípio da igualdade. Por isso, o desrespeito é cada vez mais lançado contra as chamadas “minorias”, as quais, na verdade, não representam composições sociais de menor quantidade representativa, mas caracterizam elementos de interesse de marginalização como perfil econômico, social, de gênero, cultural, físico e/ou religioso.  

Isso acontece porque essa condição “minoritária” traz para essas pessoas uma dificuldade de se apropriar do seu lugar de fala na sociedade e assumir o protagonismo da sua própria cidadania. De modo que aqueles que detêm o poder utilizam do desrespeito para continuar um processo histórico de humilhação, subjugação e controle desses grupos, a fim de garantirem-se no seu espaço de dominância sem riscos ou eventuais prejuízos aos seus interesses, privilégios e regalias.

E o modo como manuseiam esse desrespeito é diferente para cada grupo, não porque eles percebam uma especificidade simplesmente; mas, porque se o fizerem de maneira ampla para todos os grupos estariam os unindo e fortalecendo. A desagregação é, então, uma prática importante para fortalecer o desrespeito, porque ela parte de uma negação, ainda que inconsciente, da essência humana, ou seja, enxerga-se as diferenças, as especificidades, os rótulos e não, o ser humano que habita e consolida cada indivíduo.

Assim, na luta ferrenha do dia a dia, em nome da sobrevivência e da dignidade, na base do “cada um por si e Deus por todos” cada segmento “minoritário” se defende como pode dos desrespeitos, sabendo que eles estarão presentes em todos os lugares. Desrespeitos no mundo real e no mundo virtual constituídos como verdadeiras teias, que tentam aprisionar a liberdade e a dignidade de milhares de indivíduos, sob a premissa de um desconforto sentido por uns e outros. Afinal, o que é desrespeito para com as “minorias” é sempre uma reafirmação de poder para os poderosos e pseudo poderosos.

E quando digo pseudo poderosos é porque, muitos dos que saem desrespeitando a torto e a direito, se parassem por instante sequer, teriam que admitir pertencer a alguma “minoria”. Às vezes, chego a pensar, que esses pseudo poderosos têm em si uma raiz colonial tão exacerbada que eles não se percebem como verdadeiros feitores contemporâneos, ao aplicar seus desrespeitos aos outros por pura obediência aos poderosos.

Por conta desse movimento, o resultando acaba sendo o confronto, quando se despende muita energia para nenhum resultado. Afinal de contas, desrespeitar não muda o curso da história, da vida. Porque a raça humana é a diversidade em si, é o pluralismo de ideias, de comportamentos, de culturas, de existências. Você desrespeita, ofende, agride, magoa; mas, e daí? O outro chora, se ressente, se angustia, mas segue o baile, como tem que ser. Amanhã é sempre outro dia.

E sabe por quê? Muito simples. Enquanto se desperdiça o tempo com inutilidades, com desumanidades, com atitudes tóxicas, o mundo, caro leitor, está literalmente pegando fogo. Há milhares de dilemas a serem resolvidos. Há milhares de demandas precisando ser satisfeitas. Há milhares aguardando por um fiapo de esperança para sobreviver; seja na rua, no leito de hospital ou em qualquer outro lugar. Há milhares...

Não dá para esquecer de que a vida é um sopro e o amanhã uma dádiva para escolhidos, independentemente de quem sejam eles. Um dia, desrespeitosos e desrespeitados serão pó, igualmente. Nesse ponto a vida é bem democrática. Diante de tudo isso, então, é que eu começo a compreender que o respeito não é algo que se possa exigir de ninguém. Respeito está condicionado a um complexo movimento de reflexão sobre nós mesmos e não sobre os outros. Quando se pensa em exigir de alguém, já está errado, porque se está iniciando uma relação de poder sobre um outro viés, o qual também não vai chegar a lugar nenhum.

No fim das contas, o que o desrespeito nos ensina é que “Nunca é alto o preço a pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo” (Arthur Gordon – “How to live with life”), valorizar a si, as suas crenças, os seus princípios, a sua ética. É por ser quem é que, lamentavelmente, você é desrespeitado. Mas, o que fazer se você é você? Não é só uma questão de plástica, de estética, de ideias. O que leva ao desrespeito é a identidade que é intrínseca a você; e ponto final.

Por isso, sempre que o desrespeito lhe bater à porta, antes de qualquer coisa lembre-se de que “Sem identidade não se é. E a gente tem que ser, isso é que é importante. Mas a identidade obriga depois a dignidade. Sem identidade não há dignidade, sem dignidade não há identidade, sem estas duas não há liberdade. A liberdade impõe, logo de começo, o respeito ao próximo. Isto pode explicar um pouco os limites da própria vida” (Manuel de Oliveira – cineasta português). Afinal, como dizia o colunista Ibrahim Sued, “Os cães ladram e a caravana passa”.