Desrespeito...
Por
Alessandra Leles Rocha
Tem horas que o mundo parece
mesmo “o cachorro correndo atrás do
próprio rabo”, o que significa despender enorme esforço por alguma coisa,
inutilmente. Talvez, ele não saiba que seja o próprio rabo. Talvez, não queira
admitir que é. Talvez, só queira chamar a atenção. Talvez, esse incômodo não
tenha solução. Mas, o mesmo acontece com milhões de seres humanos quando se
colocam diante de uma questão importante sem se permitir dissecá-la em camadas
para, de fato, alcançar êxito na busca de sua conclusão.
E algo que tem sido muito
recorrente no mundo contemporâneo é o desrespeito. Em diferentes níveis de
manifestação ele tem conseguido extrapolar seus limites e se materializar em violências
absurdas. Claro que ele atinge mais a alguns do que a outros, porque ele nasce
da consciência do poder e este não parte do princípio da igualdade. Por isso, o
desrespeito é cada vez mais lançado contra as chamadas “minorias”, as quais, na verdade, não representam composições
sociais de menor quantidade representativa, mas caracterizam elementos de
interesse de marginalização como perfil econômico, social, de gênero, cultural,
físico e/ou religioso.
Isso acontece porque essa
condição “minoritária” traz para
essas pessoas uma dificuldade de se apropriar do seu lugar de fala na sociedade
e assumir o protagonismo da sua própria cidadania. De modo que aqueles que
detêm o poder utilizam do desrespeito para continuar um processo histórico de
humilhação, subjugação e controle desses grupos, a fim de garantirem-se no seu
espaço de dominância sem riscos ou eventuais prejuízos aos seus interesses, privilégios
e regalias.
E o modo como manuseiam esse
desrespeito é diferente para cada grupo, não porque eles percebam uma
especificidade simplesmente; mas, porque se o fizerem de maneira ampla para
todos os grupos estariam os unindo e fortalecendo. A desagregação é, então, uma
prática importante para fortalecer o desrespeito, porque ela parte de uma
negação, ainda que inconsciente, da essência humana, ou seja, enxerga-se as
diferenças, as especificidades, os rótulos e não, o ser humano que habita e
consolida cada indivíduo.
Assim, na luta ferrenha do dia a
dia, em nome da sobrevivência e da dignidade, na base do “cada um por si e Deus por todos” cada segmento “minoritário” se defende como pode dos desrespeitos,
sabendo que eles estarão presentes em todos os lugares. Desrespeitos no mundo
real e no mundo virtual constituídos como verdadeiras teias, que tentam
aprisionar a liberdade e a dignidade de milhares de indivíduos, sob a premissa
de um desconforto sentido por uns e outros. Afinal, o que é desrespeito para
com as “minorias” é sempre uma
reafirmação de poder para os poderosos e pseudo poderosos.
E quando digo pseudo poderosos é
porque, muitos dos que saem desrespeitando a torto e a direito, se parassem por
instante sequer, teriam que admitir pertencer a alguma “minoria”. Às vezes, chego a pensar, que esses pseudo poderosos têm
em si uma raiz colonial tão exacerbada que eles não se percebem como
verdadeiros feitores contemporâneos, ao aplicar seus desrespeitos aos outros
por pura obediência aos poderosos.
Por conta desse movimento, o
resultando acaba sendo o confronto, quando se despende muita energia para
nenhum resultado. Afinal de contas, desrespeitar não muda o curso da história,
da vida. Porque a raça humana é a diversidade em si, é o pluralismo de ideias,
de comportamentos, de culturas, de existências. Você desrespeita, ofende,
agride, magoa; mas, e daí? O outro chora, se ressente, se angustia, mas segue o
baile, como tem que ser. Amanhã é sempre outro dia.
E sabe por quê? Muito simples. Enquanto
se desperdiça o tempo com inutilidades, com desumanidades, com atitudes tóxicas,
o mundo, caro leitor, está literalmente pegando fogo. Há milhares de dilemas a
serem resolvidos. Há milhares de demandas precisando ser satisfeitas. Há milhares
aguardando por um fiapo de esperança para sobreviver; seja na rua, no leito de
hospital ou em qualquer outro lugar. Há milhares...
Não dá para esquecer de que a
vida é um sopro e o amanhã uma dádiva para escolhidos, independentemente de
quem sejam eles. Um dia, desrespeitosos e desrespeitados serão pó, igualmente. Nesse
ponto a vida é bem democrática. Diante de tudo isso, então, é que eu começo a
compreender que o respeito não é algo que se possa exigir de ninguém. Respeito
está condicionado a um complexo movimento de reflexão sobre nós mesmos e não
sobre os outros. Quando se pensa em exigir de alguém, já está errado, porque se
está iniciando uma relação de poder sobre um outro viés, o qual também não vai
chegar a lugar nenhum.
No fim das contas, o que o desrespeito
nos ensina é que “Nunca é alto o preço a
pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo” (Arthur Gordon – “How to
live with life”), valorizar a si, as suas crenças, os seus princípios, a sua
ética. É por ser quem é que, lamentavelmente, você é desrespeitado. Mas, o que
fazer se você é você? Não é só uma questão de plástica, de estética, de ideias.
O que leva ao desrespeito é a identidade que é intrínseca a você; e ponto
final.
Por isso, sempre que o desrespeito
lhe bater à porta, antes de qualquer coisa lembre-se de que “Sem identidade não se é. E a gente tem que
ser, isso é que é importante. Mas a identidade obriga depois a dignidade. Sem identidade
não há dignidade, sem dignidade não há identidade, sem estas duas não há
liberdade. A liberdade impõe, logo de começo, o respeito ao próximo. Isto pode
explicar um pouco os limites da própria vida” (Manuel de Oliveira –
cineasta português). Afinal, como dizia o colunista Ibrahim Sued, “Os cães ladram e a caravana passa”.