A
sustentabilidade ambiental brasileira em xeque-mate
Por
Alessandra Leles Rocha
Enquanto o mundo aguarda
pela Conferência das Partes (COP-26),
de 1º a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia, para discutir as mudanças
climáticas e seus efeitos socioeconômicos extremos, o Ministro da Economia do
Brasil pede ao Ministério do Meio Ambiente um afrouxamento de 14 regras solicitado
pelo setor privado. Afinal, a ideia sobre “Nossa moderna e sustentável economia de
baixo carbono [...]” parece ter ido para o espaço, poucos dias depois
do Presidente da República ter proferido essa manifestação na abertura da
Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque.
O que se pretende com tais
medidas, por exemplo, é que as concessões das licenças ambientais sejam
automáticas, em virtude de eventual demora na análise; que sejam revogadas as
regras que dificultam o desmatamento do Bioma Mata Atlântica; que haja redução
de exigências para a fabricação de agrotóxicos destinados à exportação a fim de
fazer do país um “polo produtor de agroquímicos”; que se faça a extinção do
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) que é o responsável por definir as
atividades em que se exige Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) ou
Relatório de Impacto Ambiental (RIMA); que seja dispensado o licenciamento
ambiental para utilização de rejeitos estéreis de mineração; que se altere o
mapa de biomas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
excluindo da delimitação da Amazônia as áreas com característica de Cerrado; e,
que se cancele a consulta ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) para empreendimentos agrossilvipastoris consolidados, com
atividade preexistente a 22 de julho de 2008.
Enfim... Num piscar de
olhos, o Brasil parece querer romper definitivamente com a meta das Nações
Unidas de “Até 2030, garantir sistemas
sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agrícolas
robustas, que aumentem a produtividade e a produção, que ajudem a manter os
ecossistemas, que fortaleçam a capacidade de adaptação às mudanças do clima, às
condições meteorológicas extremas, secas, inundações e outros desastres, e que
melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo” 1.
Porque suas intenções, como se vê, vão na contramão mundial do modelo de
produção agropecuária defendido pelo comércio exterior.
Considerando, então, os
prejuízos já consolidados pelas queimadas e desmatamentos ocorridos no país nos
últimos três anos, ocasionando a perda de quilômetros de áreas de seus biomas,
incluindo a Mata Atlântica, imagine qual seria o resultado de se permitir que
licenças ambientais sejam concedidas automaticamente. ...
No que tange aos
agrotóxicos, só nos seis primeiros meses de 2021 foram autorizados, pelo
Ministério da Agricultura, 230 tipos desse produto. “Em julho, foram outras 51 autorizações. O número se soma aos mais de
1000 produtos liberados desde o início do governo”; mas, o que surpreende é
o fato de que “Cerca de um terço dos
agrotóxicos aprovados no Brasil não são permitidos na União europeia, alguns há
décadas” 2.
Isso significa que o
equilíbrio ecossistêmico das cadeias biológicas está sendo afetado pela ação de
produtos como Halauxifem-metil, Dinotefuran, Florpirauxifen-benzil, Fluopiram,
Sulfoxaflor 3. Incluindo uma redução importante
na quantidade de insetos polinizadores, como as abelhas, por exemplo. O que explica
a consolidação de perdas no quantitativo da produção de mel e subprodutos; mas,
também, de flores e frutos. Dentre estes
estão a goiaba, o pepino, o girassol, o guaraná, o tomate, o abacate, a cereja,
o pêssego, a ameixa, a abóbora, a acerola, a castanha do Pará, o cupuaçu, o
maracujá, a melancia, o melão e o urucum.
Particularmente, em relação
aos seres humanos, o Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações
Expostas a Agrotóxicos, de 2018, manifestou que a exposição a esses produtos “pode causar quadros de intoxicação leve,
moderada ou grave, a depender da quantidade do produto absorvido, do tempo de
absorção, da toxicidade do produto e do tempo decorrido entre a exposição e
atendimento médico (Brasil, 2013c).
De modo que “As consequências descritas na literatura
compreendem: alergias; distúrbios gastrointestinais, respiratórios, endócrinos,
reprodutivos e neurológicos; neoplasias; mortes acidentais; suicídios; entre
outros (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010) ”. O que torna importante destacar
que “Os grupos mais suscetíveis a esses
efeitos são: trabalhadores agrícolas, aplicadores de agrotóxicos, crianças,
mulheres em idade reprodutiva, grávidas e lactantes, idosos e indivíduos cm
vulnerabilidade biológica e genética (UNITED STATES, 2013; SANBORN et al.,
2002)” 4.
Assim, no campo da
probabilidade da ocorrência de neoplasias (cânceres), segundo dados do
Instituto Nacional do Câncer (INCA), publicados em 2019, “Para o Brasil, a estimativa para cada ano do triênio 2020-2022 aponta
que ocorrerão 625mil casos novos de câncer (450 mil, excluindo os casos de
câncer de pele não melanoma). O câncer de pele não melanoma será o mais
incidente (117 mil), seguido pelos cânceres de mama e próstata (66 mil cada),
cólon e reto (41 mil), pulmão (30 mil) e estômago (21 mil) ” 5. Então, pare por um segundo e imagine qual
seria o resultado de se permitir a produção desses produtos no país, tendo em
vista a diversidade de resíduos tóxicos que eles produzem e que seriam
descartados no meio ambiente, além dos próprios agrotóxicos quem já vem sendo
utilizados.
Por fim, ao considerarem o
desmantelamento de órgãos do sistema ambiental brasileiro em conjunto com a
dispensa de documentos de controle e fiscalização, tornou-se claro quais
caminhos de negligência, e total inconsequência, que o país pretende trilhar a
partir de agora. Nem mesmo a crise hídrica, imposta por condições
meteorológicas extremas, decorrentes de alterações abruptas e severas sobre os
biomas nacionais, foi motivo suficiente para estancar tais arroubos mediante o
potencial de risco iminente para os diversos setores da economia, incluindo o
agronegócio.
O que se vê, então, é uma
visão desconectada da realidade contemporânea. Tanto do ponto de vista do atual
cenário ambiental brasileiro quanto das diretrizes estabelecidas pelo comércio
exterior no que diz respeito à Economia Sustentável, ou seja, compreendendo a
importância do Meio Ambiente como um bem a ser preservado a fim de dar
continuidade as atividades econômicas.
Como dizem por aí, estão
dando “um tiro no pé”. No entanto,
isso é gravíssimo porque a análise desse movimento vai muito além do
esgotamento de recursos naturais ou de questões capitais, o que está em jogo é
a dignidade e a sobrevivência humana. Quando se fala em impactos ambientais
negativos, como as Mudanças Climáticas, por exemplo, automaticamente se abre
uma janela para a reflexão em torno dos Refugiados
do Clima.
Gente que em razão da escassez
de água potável, aumento das inundações e do nível dos mares e oceanos, da
insegurança alimentar, é obrigada a se deslocar pelo planeta em busca de
condições para sobreviver. Segundo o Alto-comissariado das Nações Unidas para
os Refugiados (ACNUR), “deslocamentos
relacionados ao clima são mais que o dobro dos provocados por conflitos. Desde
2010, as emergências climáticas obrigaram cerca de 21,5 milhões de pessoas a se
mudarem em média por ano. No dia em que celebrou o Dia da Terra, a agência da
ONU para Refugiados publicou dados mostrando como os desastres ligados às
mudanças climáticas provavelmente pioram a pobreza, a fome e o acesso aos
recursos naturais, alimentando a instabilidade e a violência” 6.
Santo Agostinho alertava que
“Há homens que se agarram a sua opinião,
não por ser verdadeira, mas simplesmente por ser sua” e isso, nada mais é
do que a vaidade em estado bruto. Portanto,
a pergunta que se deve fazer, nesse momento, é: até quando o Brasil persistirá nessas
atitudes erráticas? Não é possível que o país esteja se permitindo guiar por
opiniões improcedentes e infundadas, sem quaisquer parâmetros técnico-científicos,
que são capazes de o deixar à margem, à beira de um precipício. Considerando
que Sigmund Freud dizia que “A Ciência
não é uma ilusão, mas seria uma ilusão acreditar que poderemos encontrar noutro
lugar o que ela não nos pode dar”, o sucesso econômico que se vislumbra
encontrar a partir dessas medidas é, portanto, só uma miragem.
2 https://manuelzao.ufmg.br/recordista-em-liberacoes-governo-bolsonaro-autoriza-51-novos-agrotoxicos-apenas-em-julho/
3 https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2019/10/07/quais-sao-e-para-que-servem-os-principais-ingredientes-dos-agrotoxicos-mais-vendidos.ghtml