sábado, 25 de setembro de 2021

A sustentabilidade ambiental brasileira em xeque-mate


A sustentabilidade ambiental brasileira em xeque-mate

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto o mundo aguarda pela Conferência das Partes (COP-26), de 1º a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia, para discutir as mudanças climáticas e seus efeitos socioeconômicos extremos, o Ministro da Economia do Brasil pede ao Ministério do Meio Ambiente um afrouxamento de 14 regras solicitado pelo setor privado. Afinal, a ideia sobre “Nossa moderna e sustentável economia de baixo carbono [...]” parece ter ido para o espaço, poucos dias depois do Presidente da República ter proferido essa manifestação na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque.

O que se pretende com tais medidas, por exemplo, é que as concessões das licenças ambientais sejam automáticas, em virtude de eventual demora na análise; que sejam revogadas as regras que dificultam o desmatamento do Bioma Mata Atlântica; que haja redução de exigências para a fabricação de agrotóxicos destinados à exportação a fim de fazer do país um “polo produtor de agroquímicos”; que se faça a extinção do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) que é o responsável por definir as atividades em que se exige Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) ou Relatório de Impacto Ambiental (RIMA); que seja dispensado o licenciamento ambiental para utilização de rejeitos estéreis de mineração; que se altere o mapa de biomas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), excluindo da delimitação da Amazônia as áreas com característica de Cerrado; e, que se cancele a consulta ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para empreendimentos agrossilvipastoris consolidados, com atividade preexistente a 22 de julho de 2008.

Enfim... Num piscar de olhos, o Brasil parece querer romper definitivamente com a meta das Nações Unidas de “Até 2030, garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agrícolas robustas, que aumentem a produtividade e a produção, que ajudem a manter os ecossistemas, que fortaleçam a capacidade de adaptação às mudanças do clima, às condições meteorológicas extremas, secas, inundações e outros desastres, e que melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo” 1. Porque suas intenções, como se vê, vão na contramão mundial do modelo de produção agropecuária defendido pelo comércio exterior.

Considerando, então, os prejuízos já consolidados pelas queimadas e desmatamentos ocorridos no país nos últimos três anos, ocasionando a perda de quilômetros de áreas de seus biomas, incluindo a Mata Atlântica, imagine qual seria o resultado de se permitir que licenças ambientais sejam concedidas automaticamente. ...

No que tange aos agrotóxicos, só nos seis primeiros meses de 2021 foram autorizados, pelo Ministério da Agricultura, 230 tipos desse produto. “Em julho, foram outras 51 autorizações. O número se soma aos mais de 1000 produtos liberados desde o início do governo”; mas, o que surpreende é o fato de que “Cerca de um terço dos agrotóxicos aprovados no Brasil não são permitidos na União europeia, alguns há décadas” 2.

Isso significa que o equilíbrio ecossistêmico das cadeias biológicas está sendo afetado pela ação de produtos como Halauxifem-metil, Dinotefuran, Florpirauxifen-benzil, Fluopiram, Sulfoxaflor 3. Incluindo uma redução importante na quantidade de insetos polinizadores, como as abelhas, por exemplo. O que explica a consolidação de perdas no quantitativo da produção de mel e subprodutos; mas, também, de flores e frutos.  Dentre estes estão a goiaba, o pepino, o girassol, o guaraná, o tomate, o abacate, a cereja, o pêssego, a ameixa, a abóbora, a acerola, a castanha do Pará, o cupuaçu, o maracujá, a melancia, o melão e o urucum.

Particularmente, em relação aos seres humanos, o Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, de 2018, manifestou que a exposição a esses produtos “pode causar quadros de intoxicação leve, moderada ou grave, a depender da quantidade do produto absorvido, do tempo de absorção, da toxicidade do produto e do tempo decorrido entre a exposição e atendimento médico (Brasil, 2013c).

De modo que “As consequências descritas na literatura compreendem: alergias; distúrbios gastrointestinais, respiratórios, endócrinos, reprodutivos e neurológicos; neoplasias; mortes acidentais; suicídios; entre outros (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010) ”. O que torna importante destacar que “Os grupos mais suscetíveis a esses efeitos são: trabalhadores agrícolas, aplicadores de agrotóxicos, crianças, mulheres em idade reprodutiva, grávidas e lactantes, idosos e indivíduos cm vulnerabilidade biológica e genética (UNITED STATES, 2013; SANBORN et al., 2002)” 4.

Assim, no campo da probabilidade da ocorrência de neoplasias (cânceres), segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), publicados em 2019, “Para o Brasil, a estimativa para cada ano do triênio 2020-2022 aponta que ocorrerão 625mil casos novos de câncer (450 mil, excluindo os casos de câncer de pele não melanoma). O câncer de pele não melanoma será o mais incidente (117 mil), seguido pelos cânceres de mama e próstata (66 mil cada), cólon e reto (41 mil), pulmão (30 mil) e estômago (21 mil) ” 5. Então, pare por um segundo e imagine qual seria o resultado de se permitir a produção desses produtos no país, tendo em vista a diversidade de resíduos tóxicos que eles produzem e que seriam descartados no meio ambiente, além dos próprios agrotóxicos quem já vem sendo utilizados.

Por fim, ao considerarem o desmantelamento de órgãos do sistema ambiental brasileiro em conjunto com a dispensa de documentos de controle e fiscalização, tornou-se claro quais caminhos de negligência, e total inconsequência, que o país pretende trilhar a partir de agora. Nem mesmo a crise hídrica, imposta por condições meteorológicas extremas, decorrentes de alterações abruptas e severas sobre os biomas nacionais, foi motivo suficiente para estancar tais arroubos mediante o potencial de risco iminente para os diversos setores da economia, incluindo o agronegócio.

O que se vê, então, é uma visão desconectada da realidade contemporânea. Tanto do ponto de vista do atual cenário ambiental brasileiro quanto das diretrizes estabelecidas pelo comércio exterior no que diz respeito à Economia Sustentável, ou seja, compreendendo a importância do Meio Ambiente como um bem a ser preservado a fim de dar continuidade as atividades econômicas.

Como dizem por aí, estão dando “um tiro no pé”. No entanto, isso é gravíssimo porque a análise desse movimento vai muito além do esgotamento de recursos naturais ou de questões capitais, o que está em jogo é a dignidade e a sobrevivência humana. Quando se fala em impactos ambientais negativos, como as Mudanças Climáticas, por exemplo, automaticamente se abre uma janela para a reflexão em torno dos Refugiados do Clima.

Gente que em razão da escassez de água potável, aumento das inundações e do nível dos mares e oceanos, da insegurança alimentar, é obrigada a se deslocar pelo planeta em busca de condições para sobreviver. Segundo o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), “deslocamentos relacionados ao clima são mais que o dobro dos provocados por conflitos. Desde 2010, as emergências climáticas obrigaram cerca de 21,5 milhões de pessoas a se mudarem em média por ano. No dia em que celebrou o Dia da Terra, a agência da ONU para Refugiados publicou dados mostrando como os desastres ligados às mudanças climáticas provavelmente pioram a pobreza, a fome e o acesso aos recursos naturais, alimentando a instabilidade e a violência6.

Santo Agostinho alertava que “Há homens que se agarram a sua opinião, não por ser verdadeira, mas simplesmente por ser sua” e isso, nada mais é do que a vaidade em estado bruto. Portanto, a pergunta que se deve fazer, nesse momento, é: até quando o Brasil persistirá nessas atitudes erráticas? Não é possível que o país esteja se permitindo guiar por opiniões improcedentes e infundadas, sem quaisquer parâmetros técnico-científicos, que são capazes de o deixar à margem, à beira de um precipício. Considerando que Sigmund Freud dizia que “A Ciência não é uma ilusão, mas seria uma ilusão acreditar que poderemos encontrar noutro lugar o que ela não nos pode dar”, o sucesso econômico que se vislumbra encontrar a partir dessas medidas é, portanto, só uma miragem.

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