quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Aberta a temporada do “Me engana que eu gosto”


Aberta a temporada do “Me engana que eu gosto”

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Um dos grandes desafios da contemporaneidade tem sido as Fake News, na medida em que são criadas e disseminadas com fins específicos de desestabilização, mobilização, e/ou desorganização das estruturas sociais para atender a interesses de determinados indivíduos, grupos ou instituições. E no Brasil, não é diferente.

Nos últimos três anos essa prática tem se intensificado e produzido efeitos desastrosos em vários campos da vida cotidiana, particularmente, no tocante à Pandemia. Mesmo assim, declarações do próprio Presidente da República dão conta do seu apreço às Fake News, sob argumentos que retiram delas quaisquer parâmetros de ofensividade prejudicial às boas relações sociais. Segundo ele, eventuais distorções e manipulações da verdade são de natureza trivial da vida e, por isso, as pessoas já deveriam estar habituadas a elas. Pena, que não seja bem assim.

Então, diante das notícias do dia, me deparei com algo de importância reflexiva nesse contexto. Foi noticiado que o governo federal anunciou recursos na ordem de 450 milhões para serem gastos em propaganda, a título de resgatar a sua imagem e popularidade. A ideia é contrapor o trabalho informativo sério das mídias de comunicação, que vem apontando sem filtros a dinâmica atual da realidade brasileira ao cidadão, oportunizando uma análise crítica a respeito dos acontecimentos. Assim, a notícia chega com ares do velho “jeitinho brasileiro” para consolidar a imagem de uma realidade paralela por vias nada ortodoxas de informação.

Pode ser que, sob diversos aspectos, o cidadão esteja se comportando de um modo voluntariamente crédulo e irresponsável diante dessas notícias enviesadas e tendenciosas que circulam pela internet, através das redes sociais. Mas, quando o assunto é o cotidiano, no seu sentido mais prático, os parâmetros de análise se ampliam à revelia das opiniões terceirizadas, porque quase sempre “dói no bolso” os impactos.

É o custo de vida “pela hora da morte”. É a necessidade de estabelecer cortes drásticos nas despesas do dia a dia; sobretudo, supérfluos e prazeres. De modo que não se precisa ser um expert em finanças e economia para enxergar adequadamente o que acontece na fila do banco, do supermercado, da padaria, do açougue, ... E não para por aí.

O “arrastar de correntes” promovido pela gestão da Pandemia no país, também, representa um desgaste palpável para o cidadão. Ele vê outros países seguindo em frente, buscando recuperar o ritmo do desenvolvimento, e se vê estagnado por medidas erráticas de caráter insuficiente e ineficiente, como se o objetivo fosse mesmo o “quanto pior melhor”. E sabendo muito bem quem vai pagar o preço dessa conta, ele sobrevive aos dilemas impostos por essa realidade caótica de um vírus perigoso e desconhecido que persiste na sua jornada destrutiva.

Ele, então, tenta espairecer a cabeça quente de tantos problemas, mas o calor do ambiente não lhe permite essa graça. É! Falta chuva, falta água, falta vento, enquanto sobram incêndios florestais e desmatamentos por todo o país, alterando com severidade os padrões climáticos e aumentando o preço das tarifas de energia elétrica e o risco de eventuais interrupções de fornecimento.

Reservatórios superficiais e subterrâneos estão evaporando a olhos vistos, elevando o risco de desabastecimento de água para a população a um nível iminente. E quando digo população, são todos os estratos sem exceção. É toda a cadeia produtiva sem exceção. São todas as demandas humanas sem exceção.

Portanto, tomando por base apenas essas questões, já é possível perceber que a perda de popularidade do governo não é uma questão de perspectivas expressas por veículos de informação e comunicação. Não se trata de ser A, B ou C, influenciando ninguém a ser contra ou a favor, muito pelo contrário.

São fatos. São realidades vivenciadas diariamente, em níveis de impacto negativo maiores ou menores; mas, que, não são invisíveis ou imperceptíveis para ninguém. No cerne dessa seara cotidiana, o indivíduo é, portanto, o autor das suas próprias conclusões e o protagonista das suas decisões. Mesmo que seu exercício de cidadania ainda permaneça como um rastro vestigial.

No fim das contas, falar de milhões sobre publicidade governamental é “o fim da picada”. Nem parece que estamos falando do país que quer pagar 39 bilhões de precatórios em 2022, ao invés dos 90 bilhões previstos, a fim de ter condições de aumentar o valor do programa Bolsa Família. Sim, porque diante do aumento exponencial de cidadãos em condição de vulnerabilidade, conforme apontam as taxas de desemprego e pobreza nacionais, esse benefício saiu da condição de despesa supérflua para o status de suma importância. Do país que vive no limite do respeito ao teto de gastos, porque não consegue se desvencilhar das suas práxis perdulárias crônicas. ...

De modo que, mais do que indecoroso um gasto de 450 milhões nesse cenário apocalíptico que o país vive, ele é simplesmente de uma ineficácia total. Na medida em que os problemas nacionais já alcançaram os limites da sobrevivência, extinguindo-se quaisquer possibilidades de aceitação de um universo paralelo.

Uma idealização, nesse ponto das conjunturas, beira as raias do ridículo e, ao contrário de apaziguar, só faz acirrar os ânimos. Porque a ruptura com equilíbrio lança as pessoas para longe de suas zonas de conforto, exigindo-lhes uma adaptação para a qual, nem todos, estão adaptados ou têm condições de se adaptar.

Por sorte, como dizia o próprio fundador da BBDO, uma das maiores agências de publicidade do mundo, “Para o bem ou para o mal, suas palavras são a sua propaganda. Todas as vezes que abre a boca, você revela o que existe em sua mente”. Desse modo, quaisquer Fake News travestidas de propaganda populista não perderão a sua identidade, a sua essência. Isso significa, então, que apesar dos esforços em distribuir “lentes cor-de-rosa” aos cidadãos, por meio da mídia, os resultados de declínio de popularidade do governo estão lançados ao risco de serem ainda maiores e mais rápidos. Afinal de contas, “O que é bom se vende por si só, o que é ruim faz propaganda de si” (Provérbio Africano).