sexta-feira, 27 de setembro de 2024

A roda da vida ...

A roda da vida ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não é impossível para ninguém perceber que as decisões do mundo sempre orbitaram os interesses econômicos, de uma ínfima parcela da população. Quase sempre a escala de prioridades ou as demandas coletivas foram desconsideradas da sua maneira apropriada. Na verdade, tudo feito de maneira atabalhoada para garantir a lucratividade capital.

Acontece que esse estranho movimento, não passa alheio aos poderes Executivos e Legislativos nacionais. Especialmente, por conta de um fisiologismo político histórico, no país. A atenção necessária que caberia aos trâmites dos projetos não acontece. Tudo feito a toque caixa, baseando-se principalmente na rentabilidade que possam trazer aos grupos dominantes.

Mas, como diz o provérbio, “A pressa é inimiga da perfeição”! Em algum momento a roda da vida tinha que mudar o seu curso e mudou! O escândalo das casas de apostas, Bets, foi a gota d’água, para que os poderes Executivos e Legislativos se dessem conta do tamanho do problema que haviam criado, na sua pressa de agir em favor dos interesses de uns e outros.

Aliás, impossível não pensar nas palavras de José Saramago, “...se antes de cada ato nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar” (Ensaio sobre a Cegueira, 1995). 

Aliás, depois das Bets já surgiu um outro escândalo. Referente a presença de anúncios de “site de acompanhante”, em placas publicitárias de estádios de futebol e ginásios desportivos, contrariando o sistema de classificação indicativa desses eventos, que no caso é livre, ou seja, inclui crianças e adolescentes.  De modo que a negligência e a inação diante desse fato, pelas autoridades brasileiras, representa uma afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – lei n.º 8.069 / 1990). 

É uma pena que, na prática cotidiana, o poder capital consiga inebriar tão avassaladoramente! O montante que rende certos empreendimentos é tão grande que faz desaparecer a capacidade de análise, de reflexão, de criticidade, sobre os projetos. No caso das Bets, o assunto se transformou em caso de epidemia para saúde mental, de endividamento social das camadas mais vulneráveis, de cooptação de menores para prática de jogos ilícitos, enfim...  Fazendo com que as autoridades nacionais se mobilizem para conter os danos e traçar uma outra realidade para a crise instalada.

Bom, que esse seja um começo de transformação promissor! Digo isso, porque apesar da tragédia no Rio Grande do Sul, no início desse ano, e, recentemente, o fato de estarmos convivendo com os desdobramentos dos incêndios criminosos em todo o país, não podemos nos esquecer a contribuição inequívoca do Congresso Nacional, por pressão da bancada ruralista, para o desmonte da legislação ambiental brasileira 1. Algo tão nocivo e ameaçador à sociedade quanto os casos citados anteriormente. 

Apesar dos pesares, os recentes acontecimentos lançam luz sobre a necessidade urgente da desconstrução do imediatismo, da imprevidência, do descaso e da negligência que pairam sobre as decisões dos poderes Executivos e Legislativos nacionais.  Ações têm reações. Nada passa impune às consequências e desdobramentos, nessa vida. E os agentes públicos sabem, melhor do que ninguém, sobre isso.

Assim, uma nova construção de paradigmas para a tomada de decisões no serviço público, não deixa de ser uma atitude de resgate humano do decoro, da decência, da dignidade, da moralidade, da cidadania. Afinal, “O fato de milhões de criaturas compartilharem os mesmos vícios não os transformam em virtudes; o fato delas praticarem os mesmos erros não os transformam em verdades e o fato de milhões de criaturas compartilharem a mesma forma de patologia mental (moral, social e comportamental) não torna estas criaturas mentalmente sadias (Erich Fromm)”.



1 O Projeto de Lei (PL) 364/2019, que trata da eliminação a proteção de todos os campos nativos e outras formações não florestais. O PL 3334/2023, que trata da viabilização da redução da reserva legal na Amazônia. O PL 2374/2020, que trata da anistia para desmatadores. O PL 1282 /2019 e o PL 2168/2021, que trata das obras de irrigação em áreas de preservação permanente. O PL 686/2022, que trata da supressão do controle sobre a vegetação secundária em área de uso alternativo do solo. O PL 2159/2021, que trata da Lei Geral do Licenciamento Ambiental. O PL 4994/2023, que trata da BR319. O PL 10273/2018, que trata do esvaziamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental e do poder do Ibama. O PL 6049/2023, que altera as regras do Fundo Amazônia. O PL 2633/2020 e PL 510/2021, que flexibilizam as normas sobre regularização fundiária. O PL 3915/2021, que altera o marco temporal para regularização fundiária de terras da União. O PL 2550/2021, que amplia o uso da Certidão de Reconhecimento de Ocupação (CRO). O PL 5822/2019 e 2623/2022, que admitem exploração mineral em Unidades de Conservação (UCs). O PL 2001/2019, PL 717/2021 e PL 5028/2023, que buscam inviabilizar a criação de UCs. O PL 3087/2022, que reduz o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 59/2023, que delega ao Congresso competência para demarcação de terras indígenas. A PEC 48/2023, que acrescenta o marco temporal no art. 231 da Constituição. O PL 6050/2023, que flexibiliza o desenvolvimento de atividades econômicas nas terras indígenas. O PL 4546/2021, que institui política de infraestrutura hídrica desconectada da Política Nacional de Recursos Hídricos. A PEC 03/2022, que retira a propriedade exclusiva da União sobre os Terrenos da Marinha. O PL 254/2023, que atribui à Marinha o licenciamento ambiental de empreendimentos náuticos. O PL 355/2020, que altera o Código de Mineração. O PL 3587/2023, que cria o Banco Nacional Forense de Perfis Auríferos. (Fonte: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/ambientalistas-denunciam-pacote-da-destruicao-com-28-propostas-no-congresso-veja-a-lista/)   

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

É tempo de reler o mundo!

É tempo de reler o mundo!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Segundo Coracini (2005), “[...] se alargarmos a concepção de leitura e a considerarmos uma possibilidade de perceber o espaço social, então ler passa a significar lançar um olhar à nossa volta e perceber o que nos rodeia. Isso pode ser feito apenas para confirmar nossos pontos de vista ou para problematizar, questionar o que, aparentemente, não pode ou não deve ser questionado...” (p.39) 1. Assim, é desse ponto de partida que inicio a minha reflexão.

Desde a segunda metade do século XVIII, quando o mundo se viu imerso na 1ª Revolução Industrial, que alguns conceitos, tais como progresso, crescimento e urbanização, foram incorporados ao pensamento populacional cotidiano, a partir de uma percepção sempre permeada por contornos positivos.

E lá se foram três séculos e outras Revoluções Industriais sem que esse modus operandi tivesse acompanhado as transformações do mundo e se ressignificado de maneira mais realista aos fatos. Temos que lembrar que as palavras têm um peso importante na dinâmica social, no sentido de promover uma modulação da consciência em relação aos significados e significâncias.

Nesse contexto, extraindo o verniz entusiástico que envolveu as palavras progresso, crescimento e urbanização, foi possível perceber que nem tudo são flores. A realidade operacionalizada pela industrialização não dispôs de um planejamento adequado e as mudanças sociais foram profundamente impactantes. Pequenas vilas se tornaram centros urbanos em um piscar de olhos, trazidas por uma torrente de progressos que afetou não só as relações sociais como os comportamentos.

Na esteira desse progresso, desse crescimento, dessa urbanização, chegaram os problemas. Insalubridade ambiental. Ampliação da diversidade de resíduos. Epidemias e surtos. Escassez de moradia. Desemprego. Empobrecimento. Vícios. Prostituição. ... O que de certa forma, dentro daquele recorte temporal e conjuntura social, desconstruiu todo o discurso romantizado em torno da realidade industrial. Mas, não sendo possível retroceder no ambicioso projeto expansionista revolucionário, continuaram levando adiante uma aura de sucesso desenvolvimentista.

Razão pela qual chegamos ao século XXI nos deparando com pessoas repetindo, com um largo sorriso no rosto, as maravilhas do progresso, do crescimento e da urbanização. Como se jamais tivessem visto uma única fotografia cotidiana de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou Recife. Ou tivessem ouvido falar sobre produção da cidade, uso e ocupação do solo, acessibilidade arquitetônica, Plano Diretor, conurbação, regiões metropolitanas e afins.

Não tratar os assuntos da maneira correta é como olhar para o mundo com lentes cor-de-rosa. Tudo fica lindo, divino, maravilhoso; mas, só até a página dois. Depois que a ilusão se transforma em realidade, aí a percepção muda de figura! Porque a primeira ação promovida pela Revolução Industrial foi a antropização. Para colocar de pé o grande projeto burguês, o meio ambiente foi alterado pela ação humana para dar lugar a construção de infraestruturas, de cidades, de áreas para mineração e agricultura intensiva, ...

De modo que a evolução do ideário do processo industrial ao expandir suas demandas exerceu um processo catalizador da antropização. O que subverteu, de pronto, o equilíbrio e a lógica ecossistêmica dos espaços socioambientais. O progresso, o crescimento e a urbanização, materializados pela antropização, desencadearam, por exemplo, as ilhas de calor, a poluição, a inversão térmica, a chuva ácida, as enchentes, os deslizamentos de terra, a escassez hídrica. Males que as cidades, especialmente as metrópoles, enfrentam diariamente.

Daí a necessidade de repensar certos paradigmas.  Infelizmente, todo esse conjunto está por trás do acirramento dos eventos extremos do clima. Esse mosaico de ações vem desencadeando respostas duras do meio ambiente. Como o progresso, o crescimento e a urbanização, materializados pela antropização, não cessam as suas investidas, as consequências tendem, então, a ser cada vez mais impetuosas e devastadoras. Uma verdadeira queda de braços entre o ser humano e a natureza.

Portanto, não há o que se falar de maravilhas sobre o progresso, o crescimento e a urbanização, quando se tem um país marcado por desigualdades sociais sistêmicas, por insegurança alimentar, por inacessibilidades diversas, por ameaças naturais intensificadas pelas ações antrópicas, ... Contrariando as expectativas, a Revolução Industrial não conseguiu cumprir suas promessas, em nenhum momento da história. Diante disso, o progresso, o crescimento e a urbanização, no fim das contas, não foram e nem são garantias de um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que faça justiça aos preceitos da dignidade do ser.



1 CORACINI, M. J. R. F. Concepções de Leitura na (Pós-) Modernidade. In: LIMA, R. C. de C. P. (Org.). Leitura: múltiplos olhares. Campinas: Mercado de Letras; São João da Boa Vista: Unifeob, 2005. p.15-44.  

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Cadê o decoro que estava aqui?

Cadê o decoro que estava aqui?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vamos e convenhamos que a violência política não se resume em si mesma.  A violência política surfa nas ondas da midiatização política. Lives. Entrevistas. Recortes. Fake News. ...  são os instrumentos que consolidam as arenas virtuais e promovem a deterioração do decoro político, enquanto expressão de imagem representativa da população.

Mais um reflexo da liberdade propagada pela contemporaneidade. A perda do decoro político é exatamente isso, não precisar mais se esconder atrás da personagem que age, segundo as leis, os protocolos, as etiquetas, nesse lugar social. O que é extremamente revelador e impactante.

Ora, desse movimento emergiu uma apropriação egóica do poder, como nunca se viu. A classe política se colocou acima do Bem e do Mal, interpretando a seu modo certas prerrogativas e direitos decorrentes do cargo. O que fez da política um trampolim para a manifestação das suas intenções, cujo caráter é estritamente individualista ao invés de representativo.

Nesse ponto, há de se admitir que o inconsciente coletivo histórico da população brasileira não lhe permitiu uma formação cidadã consistente. Daqui e dali, o que trazem as pesquisas de opinião, por exemplo, são pessoas que sequer se lembram das suas últimas escolhas representativas ou se preocupam em acompanhar as atividades políticas do seu candidato. Portanto, uma realidade totalmente dissociada e descompromissada com a política.

Fazendo pouco das lutas e dos desafios para a conquista do sufrágio universal, grande parte dos brasileiros e brasileiras não exercitam a cidadania como deveriam. O que significa que, subliminarmente, essas pessoas legitimam os comportamentos deploráveis, indignos, mesquinhos, constrangedores e escandalosos, de certos representantes da classe política nacional.  Então, por que tanto empenho? Tanta compostura? Tantos rapapés? Rasgaram a fantasia. O decoro se desumanizou para o vale-tudo.

De repente, surgiu, em meio à classe política, ao invés de plataformas e promessas eleitoreiras, os mercadores de ilusões. Pouco importam os palanques, eles se apresentam pelas telas midiáticas, pelos veículos de comunicação e de informação, alardeando os seus exemplos de sucesso, de capacidade, de prosperidade, como o caminho perfeito para a felicidade social. Desse modo, eles transferem a escolha entre o sucesso e o fracasso para as mãos do eleitor. Mas, se o resultado não for o esperado, estejam certos de que eles jamais se responsabilizam pelas decisões alheias.

Absurdo? Sim. Acontece que esse é só mais um efeito colateral da desigualdade histórica brasileira. As carências, as insuficiências, as ineficiências, lamentavelmente, tornam os cidadãos susceptíveis aos encantamentos discursivos, as promessas de ocasião, aos ilusionismos de botequim. Quem não quer uma vida melhor? Quem não quer ter acesso à dignidade, em tudo o que ela representa? Quem não quer desfrutar da paz?  Quem não quer ...?

Por isso, quando alguém da classe política sequer se dá ao trabalho de apresentar uma proposta plausível é porque a política chegou ao fundo do poço da indiferença, da irresponsabilidade, do escárnio, da sordidez. Nas entrelinhas o que está escrito é simplesmente abjeto: dê-me o seu voto e faça você mesmo pela transformação da sua vida, da sua realidade, o problema é seu.

Desse modo, ao aceitar que alguém se apresente dessa forma significa se dar muito pouco valor, não se dar ao respeito. Se você se respeita, se você respeita a sua cidadania, o seu voto, as suas esperanças, os seus sonhos, ... você precisa de um representante político que esteja junto nessa onda de respeito, de dignidade, de empatia. Se ele(a) não quer ser a ponte para um futuro melhor para os eleitores, esses têm o direito e o dever de não serem pontes para ele (a). Simples assim! 

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Quisera ter a vida do joão-de-barro!

Quisera ter a vida do joão-de-barro!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Sempre que o mundo se depara com um obstáculo ou desafio nas relações sociais, logo aparece alguém para atribuir a culpa à ausência ou ineficiência das leis. Chega a ser interessante; sobretudo, quando a realidade contemporânea defende tão arduamente uma liberdade, total e irrestrita, algo bem distante das regras, das etiquetas, dos protocolos e afins.

Embora considere que sempre há espaço para melhorias e aprimoramentos, olhando especificamente para o Brasil, penso que dispomos sim, de uma legislação, sob muitos aspectos, satisfatória. No entanto, está no fato de retirá-la do papel para a prática a grande questão. Afinal, isso depende de uma disposição social, de um espírito coletivo cidadão, o qual carecemos historicamente.

Nos últimos anos, um dos exemplos mais reveladores, nesse sentido, advém da explosão da verticalização urbana, com o surgimento de grandes empreendimentos condominiais, país afora. A realidade limitante dos espaços geográficos levou a humanidade a ser obrigada a repartir o ambiente de maneiras que pudessem melhor alocar os indivíduos.

Contudo, construir uma harmonia espacial não é o mesmo para uma harmonia social.  Identidades, histórias, crenças, valores, ... formatam uma diversidade e uma pluralidade extremamente complexa para equacionar. É aí que entra a tal disposição em se alinhar ao que estabelecem as normas internas condominiais e a própria legislação nacional que trata do assunto. Tudo no intuito de zelar por uma convivência e coexistência equilibrada, saudável e respeitosa, distante das eventuais beligerâncias egóicas e sem qualquer propósito lógico.

Acontece que vivemos tempos judicializantes. O esgarçamento dialógico-comportamental tem demandado, cada vez mais, a intervenção arbitral da justiça, nos mais diferentes aspectos. E não bastasse toda a carga de desgastes embutidos nessas situações, o pior é constatar um distanciamento analítico das realidades condominiais, por parte do judiciário. Não, condomínios não são receitas de bolo. Cada um tem suas especificidades. Tem suas demandas próprias.

Há 15 anos, por exemplo, moro em um condomínio composto por 6 (seis) blocos, todos com 4 (quatro) pavimentos, totalizando 92 (noventa e duas) unidades autônomas. Localizado próximo a uma universidade, a maioria dos seus moradores são locatários (estudantes). Diante dessa realidade, raríssimas foram as vezes em que se conseguiu 1/3 de quórum, ou seja, aproximadamente 30 condôminos presentes às assembleias.

Considerando o fato de que, alguns condôminos, aproveitam para se valerem da possibilidade de outorgar uma procuração para não comparecer presencialmente, outros preferem apenas arcar com eventuais despesas aprovadas para não terem que participar diretamente das decisões. Como dizem, por aí, “pagam pela sua tranquilidade”! Bom, em algum momento, eles acabam descobrindo, da pior forma, que essa prática foi em vão.

Nessa toada, o que mais se vê é o flagrante desrespeito em relação ao que estabelece os parâmetros para quórum mínimo em assembleias condominiais, especialmente, no caso das obras voluptuárias, em que o artigo 1.341 do Código Civil determina 2/3 dos condôminos. Além disso, o artigo 1.352 estabelece que Salvo quando exigido quórum especial, as deliberações da assembleia serão tomadas, em primeira convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes que representem pelo menos metade das frações ideais” e o artigo 1.353, “Em segunda convocação, a assembleia poderá deliberar por maioria dos votos dos presentes, salvo quando exigido quórum especial”.

Mas, não para por aí. Observando as pautas convocatórias, a realização das Assembleias e a redação das atas é possível verificar uma linguagem pouco detalhada dos assuntos, o que demonstra que eles são tratados com uma certa superficialidade, de modo que isso acaba por afetar uma tomada de decisão mais consciente, por parte dos condôminos.  Por essas e por outras é que muitas administrações se transformam em verdadeiras bolas de neve de problemas, alguns deles gravíssimos.

Questões como inadimplência, ausência de prestação de contas e apresentação de projetos deliberados em assembleia, aumentos recorrentes do valor da taxa ordinária e/ou a utilização do fundo de reserva para satisfazer eventuais insuficiências orçamentárias, desobedecendo critérios de prioridade, são comuns para consolidar uma escalada vertiginosa de custo para os condôminos e um caminho curto para a desvalorização imobiliária.  

Pois é, condomínios são apenas um recorte da sociedade. No entanto, o mesmo senso de cidadania que cada brasileiro tem que exercitar no seu cotidiano, é preciso ter, também, no seu ambiente habitacional. O péssimo hábito de outorgar a terceiros as suas próprias responsabilidades, obrigações e deveres pode ter um gosto amargo, que ultrapassa os prejuízos financeiros. Aqueles que já experimentaram o dissabor de perder a sua moradia por negligência, irresponsabilidade, desconhecimento técnico e/ou despreparo de gestão, entendem bem o que isso significa.

Portanto, além de conhecer bem a Convenção e o Regulamento (Regimento) Interno do condomínio onde você mora, pode ajudar na sua tarefa de acompanhar o trabalho da administração, cartilhas como o MANUAL DO SÍNDICO – Orientações para Reformas e Manutenções de Condomínios 1, elaborada pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CREA-MG), ou o Manual das principais atividades das Empresas Administradoras de Condomínios 2, elaborada pelo Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP).

domingo, 22 de setembro de 2024

Colocando os pingos nos is

Colocando os pingos nos is

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Para início de conversa, os eventos extremos do clima não são fruto de mero destempero ambiental. Essa mudança radical na dinâmica socioambiental do planeta decorre das inúmeras ações antrópicas, desenvolvidas a partir do avanço das Revoluções Industriais. De modo que eles são, portanto, uma resposta adaptativa às rupturas do equilíbrio ecossistêmico global.

Sem esse entendimento torna-se, realmente, muito difícil lidar com as situações críticas que vêm se proliferando, cada vez mais, amiúde. A persistente insistência em não rever conceitos, valores e comportamentos, só faz aprofundar o extremismo das respostas. Em especial, a configuração dos espaços geográficos sob diferentes aspectos.

E tudo isso, caro (a) leitor (a), não é pouca coisa! A população global deveria se dispor a abrir os olhos e as mentes para entender o que está bem diante do nariz. Enquanto as autoridades se reúnem para debater certas crises, é lamentável que as análises permaneçam tão superficiais, frágeis e inconsistentes.

Todas as nossas piores mazelas sociais partem de um mesmo ponto comum, ou seja, a antropização. As guerras, a crise dos refugiados, a crise dos alimentos, as epidemias, ... são consequências e desdobramentos do modo como o ser humano pensa e se comporta.

Quando os espaços geográficos habitáveis, no planeta, tornam-se reduzidos ou limitados, por exemplo, começamos a ver os deslocamentos forçados, a emergência da insegurança alimentar e das doenças, a ausência da dignidade habitacional, o empobrecimento generalizado, ... enfim.

É, não adianta jogar a culpa nos ombros da natureza! Apesar da estreita convivência com esses assuntos, diariamente, todos os esforços para banalizá-los, trivializá-los ou normalizá-los, é inútil. A negação ou a invisibilização não muda o curso da história! E nisso está a grande pergunta a se fazer: por que não há transformação?

Bem, mesmo sabendo que o topo da pirâmide social é minimamente menor do que sua base, o fato de ele deter os poderes; sobretudo, o poder capital, dificulta a dinâmica das mudanças. Não é à toa que, mesmo diante de tantas crises desafiadoras, a distribuição de renda, no planeta, permaneça, cada vez mais, desigual e perversa. E essa é a chave para esclarecer os fatos.  

Pois é, a antropização gira em torno da acumulação de capital. Conseguir mais e mais riqueza é o único objetivo dessa ínfima parcela humana sobre a Terra. Eles depositam suas crenças, valores, princípios, expectativas e perspectivas, até com excessiva certeza, na dinâmica do capital.

Como se a vida, em todos os seus vieses, pudesse ser monetizada, mercantilizada. Nesse sentido, qualquer situação que venha se colocar em oposição aos seus interesses capitais é desconsiderado, negligenciado e/ou sumariamente destruído.  

Acontece que o recrudescimento dos episódios socioambientais extremos colocou em xeque-mate esse dogma. A realidade se sobrepôs ao ideário. As próprias limitações geográficas entraram em um confronto, inevitável, com a antropização. Como já é possível perceber, não há hipótese que sustente a ideia de priorizar os interesses antrópicos em detrimento da sobrevivência de bilhões de seres.

Continuar essa dinâmica processual é o caminho para o fim. Não, em relação ao planeta. Como em outros episódios apocalípticos da sua história, a Terra permanece e se refaz sob novas ordens e processos. O fim é sempre para as espécies. Extintas para ceder lugar àquelas que possam, dentro de um novo cenário, se ajustar e se adaptar. Novos seres para um novo planeta.

Assim, antes que seja tarde demais, espero que os 8 bilhões de seres humanos experimentem a terrível sensação de entender “Como doem as perdas para sempre perdidas, e portanto irremediáveis, transformadas em memórias iguais pequenos paraísos-perdidos” (Caio Fernando Abreu). Afinal de contas, “As memórias não são apenas sobre o passado, elas determinam o nosso futuro” (Lois Lowry 1).



1 LOWRY, L. O Doador de Memórias (The Giver). Tradução de Maria Luiza Newlands. São Paulo: Arqueiro, 2014.  

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

ABALAR. ESTREMECER. ATINGIR. DESORGANIZAR. DESESTRUTURAR. PERTURBAR. ALTERAR. DESARRANJAR. DESORDENAR. DESEQUILIBRAR.

ABALAR. ESTREMECER. ATINGIR. DESORGANIZAR. DESESTRUTURAR. PERTURBAR. ALTERAR. DESARRANJAR. DESORDENAR. DESEQUILIBRAR.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não há coincidência. Desestabilizar é a palavra de ordem da ultradireita ao redor do mundo. Sim, ela quer se reafirmar no cenário geopolítico pela beligerância desrespeitosa e virulenta.  

Olhando à primeira vista, nada dialoga com nada. Mas, um pouco de atenção, para perceber que os focos de tensão e instabilidade se conectam em nome de um mesmo objetivo.

Há um projeto de lei, na Câmara dos Deputados, que pode aumentar a circulação de opioides no Brasil, como se desconsiderasse, por completo, a epidemia existente nos EUA, por conta desse tipo de medicação, que já matou mais de 100.000 norte-americanos, só em 2021.

Há a situação das casas de apostas virtuais, conhecidas como bets, cuja displicência das autoridades já consolida um problema de saúde mental, no país. Além de gerar repercussões sociais que vão desde o endividamento profundo entre apostadores, especialmente, de baixa renda, até a cooptação de menores de idade para o vício em jogos de azar, ampliando as fronteiras da ludopatia nacional.

Há o terrorismo ambiental instituído pela onda de queimadas criminosas, Brasil afora. Aproveitando-se do conhecimento sobre os efeitos da situação extrema do clima, comumente presente nesse recorte temporal anual, indivíduos vêm promovendo focos de incêndio, os quais rapidamente se alastram e ganham proporções gigantescas.   

Há o recrudescimento das campanhas difamatórias contra o Brasil, no cenário internacional, fomentado, principalmente, pelas atitudes provocativas, insultuosas e de total de desacato às instituições e à legislação brasileira, por um empresário multimilionário, naturalizado norte-americano.

Esses quatro exemplos, então, demonstram bem as intenções da teia internacional de ultradireita. O que querem é tensionar o Brasil em nome dos seus interesses político-econômicos, sob um espectro imperialista internacional.  Ao estabelecer diferentes alvos de injúria, no Brasil, eles querem impedir uma reposta jurídica mais efetiva e contundente, como, por exemplo, a aprovação de uma regulamentação das mídias sociais.

Desse modo, a bandeira da liberdade de expressão hasteada pelos membros e simpatizantes da ultradireita é pura falácia! O grande objetivo dessa teia internacional é retomar seus espaços absolutos de poder, e para tal, eles almejam uma desconstrução do ordenamento jurídico e institucional, para que possam instituir suas próprias bases ideológicas.

O que significa que não estão, minimamente, preocupados em relação ao esgarçamento do tecido social que estão promovendo. Aliás, historicamente a ultradireita se compraz na ideia desagregadora da sociedade, na construção das polarizações, na desunião dos indivíduos.  Como escreveu George Orwell, “A consciência de estar em guerra, e portanto em perigo, faz parecer natural a entrega de todo poder a uma pequena casta”.

Assim, ao incutir o pensamento de liberdade, sob a perspectiva de cada indivíduo, a ultradireita faz emergir uma liberdade totalmente enviesada, desigual. Afinal, não somos cópias idênticas e os pontos de vista sobre uma mesmo assunto, também, não são. Assim, o que é liberdade para um, pode não ser para o outro. De modo que os muros começam a ser erguidos e a sociedade a se fragmentar, como já aconteceu em outros recortes da história. 

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Hostilidade e beligerância eleitoral

Hostilidade e beligerância eleitoral

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A hostilidade e a beligerância sempre marcaram as disputas eleitorais no Brasil. No entanto, com o advento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), a escalada desse movimento vem atingindo patamares cada vez mais perigosos e antiproducentes ao verdadeiro debate de ideias.

Recortes midiáticos, Fake News e outras estratégias, então, favorecem ao profundo esgarçamento da proposição dos planos de governo. A busca por likes e compartilhamentos parece ser o objeto central das campanhas eleitorais em detrimento da discussão sobre as demandas sociais.

Mas, não bastasse isso, uma certa omissão silenciosa, por parte da Justiça Eleitoral, em relação às condutas de certos candidatos e seus históricos pregressos, recheados por práxis delituosas, precisa ser questionada. Afinal, tal flexibilização permissiva do judiciário brasileiro contribui sim, para a consolidação de verdadeiras arenas de vale-tudo.

Começam pela violência verbal e atingem as vias de fato em um piscar de olhos. Assim, ao invés de promover suas plataformas de governo, o que explode em suas redes sociais é a visualização da verborragia e de todos os tipos de manifestações de vulgaridade. De modo que a campanha eleitoral tem se transformado em monetização do absurdo, da irracionalidade, do despautério.

O que, infelizmente, acontece pelo excesso de cautela da Justiça brasileira para punir candidatos e respectivos partidos políticos. Aliás, os veículos de comunicação e de informação trouxeram, no fim de semana, a notícia de que três procurados da Justiça, pelos atos criminosos em 08 de janeiro de 2023, se lançaram candidatos e faziam campanha sem serem presos. Antes disso, circularam notícias a respeito de organizações criminosas que vêm trabalhando para eleger representantes no cenário-político partidário.

Pois é, essa é a tecitura representativa que o país vem construindo. Ela acentua os piores valores e princípios existentes. Está fazendo uma aposta perigosa no “quanto pior melhor”. Algo que escancara a despreocupação total com a solução dos problemas que afetam milhares de pessoas todos os dias. Enquanto, uns e outros, por aí, focam na exaltação dos seus próprios interesses.

Tão atuais as palavras de Rui Barbosa, quando escreveu que “Creio que a ordem não pode florescer, senão no seio da estabilidade e da justiça. Mas vejo os depositários da ordem respirarem deliciosamente na agitação, animando-a, promovendo-a, propagando-a, e sinto empolarem-se, cada vez mais acirradas, as paixões políticas, em que a vida oficial parece comprazer-se” 1. Afinal, é exatamente isso o que temos bem diante dos olhos.

Há alguns anos que a sociedade vem falando a respeito da fragilização democrática, justamente, porque as “Democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos – presidentes ou primeiros-ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder” (Steven Levitsky – Como as Democracias Morrem, 2018).  Daí a necessidade de atenção ao contexto político-eleitoral em todos os seus níveis de organização. Todos têm responsabilidade com a defesa da Democracia, do Estado de Direito, da Cidadania.



1 Obras completas – página 76, de Rui Barbosa – Publicado por Ministério da Educação e Saúde, 1942. 

domingo, 15 de setembro de 2024

Impactos da Inteligência Artificial (I.A.) no Meio Ambiente


Ilhas de Calor (Heat Islands)


LEIA:


sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Autoridade Climática – reflexões

Autoridade Climática – reflexões

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nem sempre a iniciativa do fazer representa algo positivo. A recente notícia de que o governo federal pretende criar uma Autoridade Climática me parece um bom exemplo, nesse sentido.

Recapitulando maio de 2023, o Congresso Nacional promoveu um verdadeiro esvaziamento nas pastas de Meio Ambiente e Mudança do Clima e dos Povos Indígenas, a partir da interferência flagrante na Medida Provisória que propunha a reestruturação ministerial.

Naquele momento, ambas as ministras iniciavam seus desafiadores trabalhos, com sua autoridade, de certo modo, comprometida e fragilizada pela força dessa ruptura dos limites constitucionais, no que diz respeito à Teoria de Freios e Contrapesos que atua sobre os três Poderes da República. Simplesmente, o Poder legislativo decidiu interferir sobre um assunto de competência privativa do Poder Executivo, contrariando o que estabelece o artigo 84 da Constituição Federal de 1988.

Penso eu, então, que diante da gravíssima crise gerada pelos incêndios criminosos, em larga escala, no país, a iniciativa de propor a existência de uma Autoridade Climática sugere, de saída, uma reafirmação de ausência de autoridade por parte do próprio Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Mais um mecanismo de fragilização do trabalho institucional em curso.

A composição de um corpo de especialistas, ainda que valiosa, não é uma necessidade, considerando a qualidade e excelência do coletivo técnico que já atua no Ministério. Sem contar que a realidade tecnológica contemporânea nos permite, quase que em tempo real, obter as informações científicas necessárias para a construção das políticas socioambientais sustentáveis para o país.

Além disso, não se pode analisar o extremismo nas mudanças climáticas sob a perspectiva limitada aos fenômenos naturais. A radicalização dos episódios está alicerçada na dinâmica dos processos antrópicos. A ação humana é o grande catalisador dos desdobramentos e repercussões negativas das mudanças climáticas globais. Não bastam estudos e pesquisas se a consciência humana não for reformulada e reumanizada.

Como escreveu Paulo Freire, em Educação e mudança, a “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Mas, para ver esse processo florescer é preciso empenho, vontade, estratégia. De modo que, “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática” (Paulo Freire - Pedagogia da autonomia).

Portanto, o ponto nevrálgico dessa discussão está nas contradições que vêm se apresentando. As pautas de meio ambiente e sustentabilidade que foram destaques desde o início da campanha eleitoral de 2022, gradual e lentamente, se desconfiguraram em ações práticas, pelo governo eleito, o que têm trazido dúvidas quanto à sua verdadeira prioridade.

Embora sabido que o Brasil do século XXI arraste sua herança colonial, a realidade contemporânea impõe posicionamentos firmes fundamentados pelas informações trazidas pelas ciências ambientais. O tempo do discurso pelo discurso, não cabe mais! A consciência de um mundo globalizado, no sentido de que os acontecimentos em um lugar repercutem sobre os demais, não pode ser desconsiderada.

De modo que a responsabilidade socioambiental e sustentável recai sobre todos os habitantes do planeta indubitavelmente. Como dizia Mahatma Gandhi, “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”.

Sendo assim, não há espaços para interpretações a fim de satisfazer interesses contrários às demandas socioambientais e sustentáveis vigentes. Ou estamos de um lado. Ou estamos do outro. Não dá para ficar em cima do muro. A história da humanidade já está pronta para fazer as cobranças devidas sobre todos os atos e todas as omissões, nesse contexto.

É preciso admitir que tentar se justificar pela existência do negacionismo científico não muda os fatos em si. A negação não cria uma realidade diferente. Negar não melhora o ar. Não despolui os rios. Não promove o equilíbrio das chuvas. Não recupera os solos. Não mantém as florestas de pé. Não protege a fauna. Não evita as epidemias. ...

Antes de pensarmos em um confronto entre seres humanos e natureza, ou entre negar ou não negar as ciências, estamos diante de um outro, bem mais desafiador, que se estabelece entre o senso libertário absoluto e o instinto de sobrevivência.

Por isso, cada minuto a mais é um minuto a menos nessa corrida antiapocalíptica. Não temos tempo a perder! Não temos vida a perder! Não sei se mais um elemento de autoridade, por si só, seria, então, capaz de reverter o histórico avassaladoramente destrutivo que impera sobre a contemporaneidade.