Autoridade
Climática – reflexões
Por Alessandra
Leles Rocha
Nem sempre a iniciativa do fazer
representa algo positivo. A recente notícia de que o governo federal pretende
criar uma Autoridade Climática me parece um bom exemplo, nesse sentido.
Recapitulando maio de 2023, o
Congresso Nacional promoveu um verdadeiro esvaziamento nas pastas de Meio
Ambiente e Mudança do Clima e dos Povos Indígenas, a partir da interferência flagrante
na Medida Provisória que propunha a reestruturação ministerial.
Naquele momento, ambas as
ministras iniciavam seus desafiadores trabalhos, com sua autoridade, de certo
modo, comprometida e fragilizada pela força dessa ruptura dos limites
constitucionais, no que diz respeito à Teoria de Freios e Contrapesos que atua
sobre os três Poderes da República. Simplesmente, o Poder legislativo decidiu
interferir sobre um assunto de competência privativa do Poder Executivo, contrariando
o que estabelece o artigo 84 da Constituição Federal de 1988.
Penso eu, então, que diante da gravíssima
crise gerada pelos incêndios criminosos, em larga escala, no país, a iniciativa
de propor a existência de uma Autoridade Climática sugere, de saída, uma
reafirmação de ausência de autoridade por parte do próprio Ministério do Meio
Ambiente e Mudança do Clima. Mais um mecanismo de fragilização do trabalho
institucional em curso.
A composição de um corpo de
especialistas, ainda que valiosa, não é uma necessidade, considerando a
qualidade e excelência do coletivo técnico que já atua no Ministério. Sem contar
que a realidade tecnológica contemporânea nos permite, quase que em tempo real,
obter as informações científicas necessárias para a construção das políticas
socioambientais sustentáveis para o país.
Além disso, não se pode analisar o
extremismo nas mudanças climáticas sob a perspectiva limitada aos fenômenos naturais.
A radicalização dos episódios está alicerçada na dinâmica dos processos antrópicos.
A ação humana é o grande catalisador dos desdobramentos e repercussões
negativas das mudanças climáticas globais. Não bastam estudos e pesquisas se a consciência
humana não for reformulada e reumanizada.
Como escreveu Paulo Freire, em Educação
e mudança, a “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas.
Pessoas transformam o mundo”. Mas, para ver esse processo florescer é
preciso empenho, vontade, estratégia. De modo que, “É fundamental diminuir a
distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado
momento, a tua fala seja a tua prática” (Paulo Freire - Pedagogia da autonomia).
Portanto, o ponto nevrálgico
dessa discussão está nas contradições que vêm se apresentando. As pautas de
meio ambiente e sustentabilidade que foram destaques desde o início da campanha
eleitoral de 2022, gradual e lentamente, se desconfiguraram em ações práticas,
pelo governo eleito, o que têm trazido dúvidas quanto à sua verdadeira prioridade.
Embora sabido que o Brasil do
século XXI arraste sua herança colonial, a realidade contemporânea impõe posicionamentos
firmes fundamentados pelas informações trazidas pelas ciências ambientais. O tempo
do discurso pelo discurso, não cabe mais! A consciência de um mundo globalizado,
no sentido de que os acontecimentos em um lugar repercutem sobre os demais, não
pode ser desconsiderada.
De modo que a responsabilidade
socioambiental e sustentável recai sobre todos os habitantes do planeta
indubitavelmente. Como dizia Mahatma Gandhi, “Um homem não pode fazer o
certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida
é um todo indivisível”.
Sendo assim, não há espaços para
interpretações a fim de satisfazer interesses contrários às demandas
socioambientais e sustentáveis vigentes. Ou estamos de um lado. Ou estamos do
outro. Não dá para ficar em cima do muro. A história da humanidade já está
pronta para fazer as cobranças devidas sobre todos os atos e todas as omissões,
nesse contexto.
É preciso admitir que tentar se
justificar pela existência do negacionismo científico não muda os fatos em si. A
negação não cria uma realidade diferente. Negar não melhora o ar. Não despolui
os rios. Não promove o equilíbrio das chuvas. Não recupera os solos. Não mantém
as florestas de pé. Não protege a fauna. Não evita as epidemias. ...
Antes de pensarmos em um
confronto entre seres humanos e natureza, ou entre negar ou não negar as
ciências, estamos diante de um outro, bem mais desafiador, que se estabelece
entre o senso libertário absoluto e o instinto de sobrevivência.
Por isso, cada minuto a mais é um minuto a menos nessa corrida antiapocalíptica. Não temos tempo a perder! Não temos vida a perder! Não sei se mais um elemento de autoridade, por si só, seria, então, capaz de reverter o histórico avassaladoramente destrutivo que impera sobre a contemporaneidade.