sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Autoridade Climática – reflexões

Autoridade Climática – reflexões

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nem sempre a iniciativa do fazer representa algo positivo. A recente notícia de que o governo federal pretende criar uma Autoridade Climática me parece um bom exemplo, nesse sentido.

Recapitulando maio de 2023, o Congresso Nacional promoveu um verdadeiro esvaziamento nas pastas de Meio Ambiente e Mudança do Clima e dos Povos Indígenas, a partir da interferência flagrante na Medida Provisória que propunha a reestruturação ministerial.

Naquele momento, ambas as ministras iniciavam seus desafiadores trabalhos, com sua autoridade, de certo modo, comprometida e fragilizada pela força dessa ruptura dos limites constitucionais, no que diz respeito à Teoria de Freios e Contrapesos que atua sobre os três Poderes da República. Simplesmente, o Poder legislativo decidiu interferir sobre um assunto de competência privativa do Poder Executivo, contrariando o que estabelece o artigo 84 da Constituição Federal de 1988.

Penso eu, então, que diante da gravíssima crise gerada pelos incêndios criminosos, em larga escala, no país, a iniciativa de propor a existência de uma Autoridade Climática sugere, de saída, uma reafirmação de ausência de autoridade por parte do próprio Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Mais um mecanismo de fragilização do trabalho institucional em curso.

A composição de um corpo de especialistas, ainda que valiosa, não é uma necessidade, considerando a qualidade e excelência do coletivo técnico que já atua no Ministério. Sem contar que a realidade tecnológica contemporânea nos permite, quase que em tempo real, obter as informações científicas necessárias para a construção das políticas socioambientais sustentáveis para o país.

Além disso, não se pode analisar o extremismo nas mudanças climáticas sob a perspectiva limitada aos fenômenos naturais. A radicalização dos episódios está alicerçada na dinâmica dos processos antrópicos. A ação humana é o grande catalisador dos desdobramentos e repercussões negativas das mudanças climáticas globais. Não bastam estudos e pesquisas se a consciência humana não for reformulada e reumanizada.

Como escreveu Paulo Freire, em Educação e mudança, a “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Mas, para ver esse processo florescer é preciso empenho, vontade, estratégia. De modo que, “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática” (Paulo Freire - Pedagogia da autonomia).

Portanto, o ponto nevrálgico dessa discussão está nas contradições que vêm se apresentando. As pautas de meio ambiente e sustentabilidade que foram destaques desde o início da campanha eleitoral de 2022, gradual e lentamente, se desconfiguraram em ações práticas, pelo governo eleito, o que têm trazido dúvidas quanto à sua verdadeira prioridade.

Embora sabido que o Brasil do século XXI arraste sua herança colonial, a realidade contemporânea impõe posicionamentos firmes fundamentados pelas informações trazidas pelas ciências ambientais. O tempo do discurso pelo discurso, não cabe mais! A consciência de um mundo globalizado, no sentido de que os acontecimentos em um lugar repercutem sobre os demais, não pode ser desconsiderada.

De modo que a responsabilidade socioambiental e sustentável recai sobre todos os habitantes do planeta indubitavelmente. Como dizia Mahatma Gandhi, “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”.

Sendo assim, não há espaços para interpretações a fim de satisfazer interesses contrários às demandas socioambientais e sustentáveis vigentes. Ou estamos de um lado. Ou estamos do outro. Não dá para ficar em cima do muro. A história da humanidade já está pronta para fazer as cobranças devidas sobre todos os atos e todas as omissões, nesse contexto.

É preciso admitir que tentar se justificar pela existência do negacionismo científico não muda os fatos em si. A negação não cria uma realidade diferente. Negar não melhora o ar. Não despolui os rios. Não promove o equilíbrio das chuvas. Não recupera os solos. Não mantém as florestas de pé. Não protege a fauna. Não evita as epidemias. ...

Antes de pensarmos em um confronto entre seres humanos e natureza, ou entre negar ou não negar as ciências, estamos diante de um outro, bem mais desafiador, que se estabelece entre o senso libertário absoluto e o instinto de sobrevivência.

Por isso, cada minuto a mais é um minuto a menos nessa corrida antiapocalíptica. Não temos tempo a perder! Não temos vida a perder! Não sei se mais um elemento de autoridade, por si só, seria, então, capaz de reverter o histórico avassaladoramente destrutivo que impera sobre a contemporaneidade.