Colocando
os pingos nos is
Por Alessandra
Leles Rocha
Para início de conversa, os
eventos extremos do clima não são fruto de mero destempero ambiental. Essa mudança
radical na dinâmica socioambiental do planeta decorre das inúmeras ações antrópicas,
desenvolvidas a partir do avanço das Revoluções Industriais. De modo que eles
são, portanto, uma resposta adaptativa às rupturas do equilíbrio ecossistêmico global.
Sem esse entendimento torna-se,
realmente, muito difícil lidar com as situações críticas que vêm se
proliferando, cada vez mais, amiúde. A persistente insistência em não rever
conceitos, valores e comportamentos, só faz aprofundar o extremismo das
respostas. Em especial, a configuração dos espaços geográficos sob diferentes
aspectos.
E tudo isso, caro (a) leitor (a),
não é pouca coisa! A população global deveria se dispor a abrir os olhos e as
mentes para entender o que está bem diante do nariz. Enquanto as autoridades se
reúnem para debater certas crises, é lamentável que as análises permaneçam tão superficiais,
frágeis e inconsistentes.
Todas as nossas piores mazelas sociais
partem de um mesmo ponto comum, ou seja, a antropização. As guerras, a crise
dos refugiados, a crise dos alimentos, as epidemias, ... são consequências e
desdobramentos do modo como o ser humano pensa e se comporta.
Quando os espaços geográficos
habitáveis, no planeta, tornam-se reduzidos ou limitados, por exemplo,
começamos a ver os deslocamentos forçados, a emergência da insegurança
alimentar e das doenças, a ausência da dignidade habitacional, o empobrecimento
generalizado, ... enfim.
É, não adianta jogar a culpa nos
ombros da natureza! Apesar da estreita convivência com esses assuntos, diariamente,
todos os esforços para banalizá-los, trivializá-los ou normalizá-los, é inútil.
A negação ou a invisibilização não muda o curso da história! E nisso está a
grande pergunta a se fazer: por que não há transformação?
Bem, mesmo sabendo que o topo da pirâmide
social é minimamente menor do que sua base, o fato de ele deter os poderes;
sobretudo, o poder capital, dificulta a dinâmica das mudanças. Não é à toa que,
mesmo diante de tantas crises desafiadoras, a distribuição de renda, no planeta,
permaneça, cada vez mais, desigual e perversa. E essa é a chave para esclarecer
os fatos.
Pois é, a antropização gira em
torno da acumulação de capital. Conseguir mais e mais riqueza é o único
objetivo dessa ínfima parcela humana sobre a Terra. Eles depositam suas
crenças, valores, princípios, expectativas e perspectivas, até com excessiva
certeza, na dinâmica do capital.
Como se a vida, em todos os seus
vieses, pudesse ser monetizada, mercantilizada. Nesse sentido, qualquer
situação que venha se colocar em oposição aos seus interesses capitais é desconsiderado,
negligenciado e/ou sumariamente destruído.
Acontece que o recrudescimento
dos episódios socioambientais extremos colocou em xeque-mate esse dogma. A realidade
se sobrepôs ao ideário. As próprias limitações geográficas entraram em um confronto,
inevitável, com a antropização. Como já é possível perceber, não há hipótese que
sustente a ideia de priorizar os interesses antrópicos em detrimento da sobrevivência
de bilhões de seres.
Continuar essa dinâmica processual
é o caminho para o fim. Não, em relação ao planeta. Como em outros episódios apocalípticos
da sua história, a Terra permanece e se refaz sob novas ordens e processos. O
fim é sempre para as espécies. Extintas para ceder lugar àquelas que possam,
dentro de um novo cenário, se ajustar e se adaptar. Novos seres para um novo
planeta.
Assim, antes que seja tarde
demais, espero que os 8 bilhões de seres humanos experimentem a terrível sensação
de entender “Como doem as perdas para sempre perdidas, e portanto
irremediáveis, transformadas em memórias iguais pequenos paraísos-perdidos” (Caio
Fernando Abreu). Afinal de contas, “As memórias não são apenas sobre o
passado, elas determinam o nosso futuro” (Lois Lowry 1).
1 LOWRY, L. O Doador de Memórias (The Giver). Tradução de Maria Luiza Newlands. São Paulo: Arqueiro, 2014.