Quisera
ter a vida do joão-de-barro!
Por Alessandra
Leles Rocha
Sempre que o mundo se depara com
um obstáculo ou desafio nas relações sociais, logo aparece alguém para atribuir
a culpa à ausência ou ineficiência das leis. Chega a ser interessante;
sobretudo, quando a realidade contemporânea defende tão arduamente uma
liberdade, total e irrestrita, algo bem distante das regras, das etiquetas, dos
protocolos e afins.
Embora considere que sempre há
espaço para melhorias e aprimoramentos, olhando especificamente para o Brasil,
penso que dispomos sim, de uma legislação, sob muitos aspectos, satisfatória. No
entanto, está no fato de retirá-la do papel para a prática a grande questão. Afinal,
isso depende de uma disposição social, de um espírito coletivo cidadão, o qual
carecemos historicamente.
Nos últimos anos, um dos exemplos
mais reveladores, nesse sentido, advém da explosão da verticalização urbana,
com o surgimento de grandes empreendimentos condominiais, país afora. A realidade
limitante dos espaços geográficos levou a humanidade a ser obrigada a repartir o
ambiente de maneiras que pudessem melhor alocar os indivíduos.
Contudo, construir uma harmonia
espacial não é o mesmo para uma harmonia social. Identidades, histórias, crenças, valores, ...
formatam uma diversidade e uma pluralidade extremamente complexa para
equacionar. É aí que entra a tal disposição em se alinhar ao que estabelecem as
normas internas condominiais e a própria legislação nacional que trata do assunto.
Tudo no intuito de zelar por uma convivência e coexistência equilibrada, saudável
e respeitosa, distante das eventuais beligerâncias egóicas e sem qualquer propósito
lógico.
Acontece que vivemos tempos judicializantes.
O esgarçamento dialógico-comportamental tem demandado, cada vez mais, a
intervenção arbitral da justiça, nos mais diferentes aspectos. E não bastasse toda
a carga de desgastes embutidos nessas situações, o pior é constatar um
distanciamento analítico das realidades condominiais, por parte do judiciário. Não,
condomínios não são receitas de bolo. Cada um tem suas especificidades. Tem suas
demandas próprias.
Há 15 anos, por exemplo, moro em
um condomínio composto por 6 (seis) blocos, todos com 4 (quatro) pavimentos,
totalizando 92 (noventa e duas) unidades autônomas. Localizado próximo a uma
universidade, a maioria dos seus moradores são locatários (estudantes). Diante
dessa realidade, raríssimas foram as vezes em que se conseguiu 1/3 de
quórum, ou seja, aproximadamente 30 condôminos presentes às assembleias.
Considerando o fato de que,
alguns condôminos, aproveitam para se valerem da possibilidade de outorgar uma
procuração para não comparecer presencialmente, outros preferem apenas arcar
com eventuais despesas aprovadas para não terem que participar diretamente das
decisões. Como dizem, por aí, “pagam pela sua tranquilidade”! Bom, em
algum momento, eles acabam descobrindo, da pior forma, que essa prática foi em
vão.
Nessa toada, o que mais se vê é o
flagrante desrespeito em relação ao que estabelece os parâmetros para quórum
mínimo em assembleias condominiais, especialmente, no caso das obras
voluptuárias, em que o artigo 1.341 do Código Civil determina 2/3 dos
condôminos. Além disso, o artigo 1.352 estabelece que “Salvo quando
exigido quórum especial, as deliberações da assembleia serão tomadas, em
primeira convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes que
representem pelo menos metade das frações ideais” e o artigo 1.353, “Em
segunda convocação, a assembleia poderá deliberar por maioria dos votos dos
presentes, salvo quando exigido quórum especial”.
Mas, não para por aí. Observando
as pautas convocatórias, a realização das Assembleias e a redação das atas é
possível verificar uma linguagem pouco detalhada dos assuntos, o que demonstra
que eles são tratados com uma certa superficialidade, de modo que isso acaba
por afetar uma tomada de decisão mais consciente, por parte dos
condôminos. Por essas e por outras é que
muitas administrações se transformam em verdadeiras bolas de neve de problemas,
alguns deles gravíssimos.
Questões como inadimplência, ausência de prestação
de contas e apresentação de projetos deliberados em assembleia, aumentos
recorrentes do valor da taxa ordinária e/ou a utilização do fundo de reserva
para satisfazer eventuais insuficiências orçamentárias, desobedecendo critérios
de prioridade, são comuns para consolidar uma escalada vertiginosa
de custo para os condôminos e um caminho curto para a desvalorização
imobiliária.
Pois é, condomínios são
apenas um recorte da sociedade. No entanto, o mesmo senso de cidadania que cada
brasileiro tem que exercitar no seu cotidiano, é preciso ter, também, no seu ambiente
habitacional. O péssimo hábito de outorgar a terceiros as suas próprias responsabilidades,
obrigações e deveres pode ter um gosto amargo, que ultrapassa os prejuízos financeiros.
Aqueles que já experimentaram o dissabor de perder a sua moradia por negligência,
irresponsabilidade, desconhecimento técnico e/ou despreparo de gestão, entendem
bem o que isso significa.
Portanto, além de
conhecer bem a Convenção e o Regulamento (Regimento) Interno do condomínio onde
você mora, pode ajudar na sua tarefa de acompanhar o trabalho da administração,
cartilhas como o MANUAL DO SÍNDICO – Orientações para Reformas e Manutenções de
Condomínios 1, elaborada pelo Conselho
Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CREA-MG), ou o Manual das
principais atividades das Empresas Administradoras de Condomínios 2, elaborada pelo Conselho Regional de
Administração de São Paulo (CRA-SP).