Cadê o
decoro que estava aqui?
Por
Alessandra Leles Rocha
Vamos e convenhamos que a violência
política não se resume em si mesma. A violência
política surfa nas ondas da midiatização política. Lives. Entrevistas. Recortes.
Fake News. ... são os instrumentos que
consolidam as arenas virtuais e promovem a deterioração do decoro político, enquanto
expressão de imagem representativa da população.
Mais um reflexo da liberdade
propagada pela contemporaneidade. A perda do decoro político é exatamente isso,
não precisar mais se esconder atrás da personagem que age, segundo as leis, os
protocolos, as etiquetas, nesse lugar social. O que é extremamente revelador e
impactante.
Ora, desse movimento emergiu uma apropriação
egóica do poder, como nunca se viu. A classe política se colocou acima do Bem e
do Mal, interpretando a seu modo certas prerrogativas e direitos decorrentes do
cargo. O que fez da política um trampolim para a manifestação das suas
intenções, cujo caráter é estritamente individualista ao invés de
representativo.
Nesse ponto, há de se admitir que
o inconsciente coletivo histórico da população brasileira não lhe permitiu uma
formação cidadã consistente. Daqui e dali, o que trazem as pesquisas de
opinião, por exemplo, são pessoas que sequer se lembram das suas últimas
escolhas representativas ou se preocupam em acompanhar as atividades políticas do
seu candidato. Portanto, uma realidade totalmente dissociada e descompromissada
com a política.
Fazendo pouco das lutas e dos
desafios para a conquista do sufrágio universal, grande parte dos brasileiros e
brasileiras não exercitam a cidadania como deveriam. O que significa que,
subliminarmente, essas pessoas legitimam os comportamentos deploráveis, indignos,
mesquinhos, constrangedores e escandalosos, de certos representantes da classe
política nacional. Então, por que tanto
empenho? Tanta compostura? Tantos rapapés? Rasgaram a fantasia. O decoro se
desumanizou para o vale-tudo.
De repente, surgiu, em meio à
classe política, ao invés de plataformas e promessas eleitoreiras, os
mercadores de ilusões. Pouco importam os palanques, eles se apresentam pelas
telas midiáticas, pelos veículos de comunicação e de informação, alardeando os
seus exemplos de sucesso, de capacidade, de prosperidade, como o caminho perfeito
para a felicidade social. Desse modo, eles transferem a escolha entre o sucesso
e o fracasso para as mãos do eleitor. Mas, se o resultado não for o esperado, estejam
certos de que eles jamais se responsabilizam pelas decisões alheias.
Absurdo? Sim. Acontece que esse é
só mais um efeito colateral da desigualdade histórica brasileira. As carências,
as insuficiências, as ineficiências, lamentavelmente, tornam os cidadãos susceptíveis
aos encantamentos discursivos, as promessas de ocasião, aos ilusionismos de
botequim. Quem não quer uma vida melhor? Quem não quer ter acesso à dignidade,
em tudo o que ela representa? Quem não quer desfrutar da paz? Quem não quer ...?
Por isso, quando alguém da classe
política sequer se dá ao trabalho de apresentar uma proposta plausível é porque
a política chegou ao fundo do poço da indiferença, da irresponsabilidade, do escárnio,
da sordidez. Nas entrelinhas o que está escrito é simplesmente abjeto: dê-me o
seu voto e faça você mesmo pela transformação da sua vida, da sua realidade, o
problema é seu.
Desse modo, ao aceitar que alguém se apresente dessa forma significa se dar muito pouco valor, não se dar ao respeito. Se você se respeita, se você respeita a sua cidadania, o seu voto, as suas esperanças, os seus sonhos, ... você precisa de um representante político que esteja junto nessa onda de respeito, de dignidade, de empatia. Se ele(a) não quer ser a ponte para um futuro melhor para os eleitores, esses têm o direito e o dever de não serem pontes para ele (a). Simples assim!