terça-feira, 24 de setembro de 2024

Cadê o decoro que estava aqui?

Cadê o decoro que estava aqui?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vamos e convenhamos que a violência política não se resume em si mesma.  A violência política surfa nas ondas da midiatização política. Lives. Entrevistas. Recortes. Fake News. ...  são os instrumentos que consolidam as arenas virtuais e promovem a deterioração do decoro político, enquanto expressão de imagem representativa da população.

Mais um reflexo da liberdade propagada pela contemporaneidade. A perda do decoro político é exatamente isso, não precisar mais se esconder atrás da personagem que age, segundo as leis, os protocolos, as etiquetas, nesse lugar social. O que é extremamente revelador e impactante.

Ora, desse movimento emergiu uma apropriação egóica do poder, como nunca se viu. A classe política se colocou acima do Bem e do Mal, interpretando a seu modo certas prerrogativas e direitos decorrentes do cargo. O que fez da política um trampolim para a manifestação das suas intenções, cujo caráter é estritamente individualista ao invés de representativo.

Nesse ponto, há de se admitir que o inconsciente coletivo histórico da população brasileira não lhe permitiu uma formação cidadã consistente. Daqui e dali, o que trazem as pesquisas de opinião, por exemplo, são pessoas que sequer se lembram das suas últimas escolhas representativas ou se preocupam em acompanhar as atividades políticas do seu candidato. Portanto, uma realidade totalmente dissociada e descompromissada com a política.

Fazendo pouco das lutas e dos desafios para a conquista do sufrágio universal, grande parte dos brasileiros e brasileiras não exercitam a cidadania como deveriam. O que significa que, subliminarmente, essas pessoas legitimam os comportamentos deploráveis, indignos, mesquinhos, constrangedores e escandalosos, de certos representantes da classe política nacional.  Então, por que tanto empenho? Tanta compostura? Tantos rapapés? Rasgaram a fantasia. O decoro se desumanizou para o vale-tudo.

De repente, surgiu, em meio à classe política, ao invés de plataformas e promessas eleitoreiras, os mercadores de ilusões. Pouco importam os palanques, eles se apresentam pelas telas midiáticas, pelos veículos de comunicação e de informação, alardeando os seus exemplos de sucesso, de capacidade, de prosperidade, como o caminho perfeito para a felicidade social. Desse modo, eles transferem a escolha entre o sucesso e o fracasso para as mãos do eleitor. Mas, se o resultado não for o esperado, estejam certos de que eles jamais se responsabilizam pelas decisões alheias.

Absurdo? Sim. Acontece que esse é só mais um efeito colateral da desigualdade histórica brasileira. As carências, as insuficiências, as ineficiências, lamentavelmente, tornam os cidadãos susceptíveis aos encantamentos discursivos, as promessas de ocasião, aos ilusionismos de botequim. Quem não quer uma vida melhor? Quem não quer ter acesso à dignidade, em tudo o que ela representa? Quem não quer desfrutar da paz?  Quem não quer ...?

Por isso, quando alguém da classe política sequer se dá ao trabalho de apresentar uma proposta plausível é porque a política chegou ao fundo do poço da indiferença, da irresponsabilidade, do escárnio, da sordidez. Nas entrelinhas o que está escrito é simplesmente abjeto: dê-me o seu voto e faça você mesmo pela transformação da sua vida, da sua realidade, o problema é seu.

Desse modo, ao aceitar que alguém se apresente dessa forma significa se dar muito pouco valor, não se dar ao respeito. Se você se respeita, se você respeita a sua cidadania, o seu voto, as suas esperanças, os seus sonhos, ... você precisa de um representante político que esteja junto nessa onda de respeito, de dignidade, de empatia. Se ele(a) não quer ser a ponte para um futuro melhor para os eleitores, esses têm o direito e o dever de não serem pontes para ele (a). Simples assim!