sexta-feira, 27 de setembro de 2024

A roda da vida ...

A roda da vida ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não é impossível para ninguém perceber que as decisões do mundo sempre orbitaram os interesses econômicos, de uma ínfima parcela da população. Quase sempre a escala de prioridades ou as demandas coletivas foram desconsideradas da sua maneira apropriada. Na verdade, tudo feito de maneira atabalhoada para garantir a lucratividade capital.

Acontece que esse estranho movimento, não passa alheio aos poderes Executivos e Legislativos nacionais. Especialmente, por conta de um fisiologismo político histórico, no país. A atenção necessária que caberia aos trâmites dos projetos não acontece. Tudo feito a toque caixa, baseando-se principalmente na rentabilidade que possam trazer aos grupos dominantes.

Mas, como diz o provérbio, “A pressa é inimiga da perfeição”! Em algum momento a roda da vida tinha que mudar o seu curso e mudou! O escândalo das casas de apostas, Bets, foi a gota d’água, para que os poderes Executivos e Legislativos se dessem conta do tamanho do problema que haviam criado, na sua pressa de agir em favor dos interesses de uns e outros.

Aliás, impossível não pensar nas palavras de José Saramago, “...se antes de cada ato nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar” (Ensaio sobre a Cegueira, 1995). 

Aliás, depois das Bets já surgiu um outro escândalo. Referente a presença de anúncios de “site de acompanhante”, em placas publicitárias de estádios de futebol e ginásios desportivos, contrariando o sistema de classificação indicativa desses eventos, que no caso é livre, ou seja, inclui crianças e adolescentes.  De modo que a negligência e a inação diante desse fato, pelas autoridades brasileiras, representa uma afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – lei n.º 8.069 / 1990). 

É uma pena que, na prática cotidiana, o poder capital consiga inebriar tão avassaladoramente! O montante que rende certos empreendimentos é tão grande que faz desaparecer a capacidade de análise, de reflexão, de criticidade, sobre os projetos. No caso das Bets, o assunto se transformou em caso de epidemia para saúde mental, de endividamento social das camadas mais vulneráveis, de cooptação de menores para prática de jogos ilícitos, enfim...  Fazendo com que as autoridades nacionais se mobilizem para conter os danos e traçar uma outra realidade para a crise instalada.

Bom, que esse seja um começo de transformação promissor! Digo isso, porque apesar da tragédia no Rio Grande do Sul, no início desse ano, e, recentemente, o fato de estarmos convivendo com os desdobramentos dos incêndios criminosos em todo o país, não podemos nos esquecer a contribuição inequívoca do Congresso Nacional, por pressão da bancada ruralista, para o desmonte da legislação ambiental brasileira 1. Algo tão nocivo e ameaçador à sociedade quanto os casos citados anteriormente. 

Apesar dos pesares, os recentes acontecimentos lançam luz sobre a necessidade urgente da desconstrução do imediatismo, da imprevidência, do descaso e da negligência que pairam sobre as decisões dos poderes Executivos e Legislativos nacionais.  Ações têm reações. Nada passa impune às consequências e desdobramentos, nessa vida. E os agentes públicos sabem, melhor do que ninguém, sobre isso.

Assim, uma nova construção de paradigmas para a tomada de decisões no serviço público, não deixa de ser uma atitude de resgate humano do decoro, da decência, da dignidade, da moralidade, da cidadania. Afinal, “O fato de milhões de criaturas compartilharem os mesmos vícios não os transformam em virtudes; o fato delas praticarem os mesmos erros não os transformam em verdades e o fato de milhões de criaturas compartilharem a mesma forma de patologia mental (moral, social e comportamental) não torna estas criaturas mentalmente sadias (Erich Fromm)”.



1 O Projeto de Lei (PL) 364/2019, que trata da eliminação a proteção de todos os campos nativos e outras formações não florestais. O PL 3334/2023, que trata da viabilização da redução da reserva legal na Amazônia. O PL 2374/2020, que trata da anistia para desmatadores. O PL 1282 /2019 e o PL 2168/2021, que trata das obras de irrigação em áreas de preservação permanente. O PL 686/2022, que trata da supressão do controle sobre a vegetação secundária em área de uso alternativo do solo. O PL 2159/2021, que trata da Lei Geral do Licenciamento Ambiental. O PL 4994/2023, que trata da BR319. O PL 10273/2018, que trata do esvaziamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental e do poder do Ibama. O PL 6049/2023, que altera as regras do Fundo Amazônia. O PL 2633/2020 e PL 510/2021, que flexibilizam as normas sobre regularização fundiária. O PL 3915/2021, que altera o marco temporal para regularização fundiária de terras da União. O PL 2550/2021, que amplia o uso da Certidão de Reconhecimento de Ocupação (CRO). O PL 5822/2019 e 2623/2022, que admitem exploração mineral em Unidades de Conservação (UCs). O PL 2001/2019, PL 717/2021 e PL 5028/2023, que buscam inviabilizar a criação de UCs. O PL 3087/2022, que reduz o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 59/2023, que delega ao Congresso competência para demarcação de terras indígenas. A PEC 48/2023, que acrescenta o marco temporal no art. 231 da Constituição. O PL 6050/2023, que flexibiliza o desenvolvimento de atividades econômicas nas terras indígenas. O PL 4546/2021, que institui política de infraestrutura hídrica desconectada da Política Nacional de Recursos Hídricos. A PEC 03/2022, que retira a propriedade exclusiva da União sobre os Terrenos da Marinha. O PL 254/2023, que atribui à Marinha o licenciamento ambiental de empreendimentos náuticos. O PL 355/2020, que altera o Código de Mineração. O PL 3587/2023, que cria o Banco Nacional Forense de Perfis Auríferos. (Fonte: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/ambientalistas-denunciam-pacote-da-destruicao-com-28-propostas-no-congresso-veja-a-lista/)