A roda da
vida ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Não é impossível para ninguém
perceber que as decisões do mundo sempre orbitaram os interesses econômicos, de
uma ínfima parcela da população. Quase sempre a escala de prioridades ou as
demandas coletivas foram desconsideradas da sua maneira apropriada. Na verdade,
tudo feito de maneira atabalhoada para garantir a lucratividade capital.
Acontece que esse estranho
movimento, não passa alheio aos poderes Executivos e Legislativos nacionais.
Especialmente, por conta de um fisiologismo político histórico, no país. A
atenção necessária que caberia aos trâmites dos projetos não acontece. Tudo
feito a toque caixa, baseando-se principalmente na rentabilidade que possam
trazer aos grupos dominantes.
Mas, como diz o provérbio, “A
pressa é inimiga da perfeição”! Em algum momento a roda da vida tinha que
mudar o seu curso e mudou! O escândalo das casas de apostas, Bets, foi a gota
d’água, para que os poderes Executivos e Legislativos se dessem conta do
tamanho do problema que haviam criado, na sua pressa de agir em favor dos
interesses de uns e outros.
Aliás, impossível não pensar nas
palavras de José Saramago, “...se antes de cada ato nosso nos puséssemos a
prever todas as consequências dele a pensar nelas a sério, primeiro as
imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não
chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito
parar” (Ensaio sobre a Cegueira, 1995).
Aliás, depois das Bets já surgiu
um outro escândalo. Referente a presença de anúncios de “site de
acompanhante”, em placas publicitárias de estádios de futebol e ginásios
desportivos, contrariando o sistema de classificação indicativa desses eventos,
que no caso é livre, ou seja, inclui crianças e adolescentes. De modo que a negligência e a inação diante
desse fato, pelas autoridades brasileiras, representa uma afronta ao Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA – lei n.º 8.069 / 1990).
É uma pena que, na prática
cotidiana, o poder capital consiga inebriar tão avassaladoramente! O montante
que rende certos empreendimentos é tão grande que faz desaparecer a capacidade
de análise, de reflexão, de criticidade, sobre os projetos. No caso das Bets, o
assunto se transformou em caso de epidemia para saúde mental, de endividamento
social das camadas mais vulneráveis, de cooptação de menores para prática de
jogos ilícitos, enfim... Fazendo com que
as autoridades nacionais se mobilizem para conter os danos e traçar uma outra
realidade para a crise instalada.
Bom, que esse seja um começo de
transformação promissor! Digo isso, porque apesar da tragédia no Rio Grande do
Sul, no início desse ano, e, recentemente, o fato de estarmos convivendo com os
desdobramentos dos incêndios criminosos em todo o país, não podemos nos
esquecer a contribuição inequívoca do Congresso Nacional, por pressão da
bancada ruralista, para o desmonte da legislação ambiental brasileira 1. Algo tão nocivo e ameaçador à
sociedade quanto os casos citados anteriormente.
Apesar dos pesares, os recentes
acontecimentos lançam luz sobre a necessidade urgente da desconstrução do
imediatismo, da imprevidência, do descaso e da negligência que pairam sobre as
decisões dos poderes Executivos e Legislativos nacionais. Ações têm reações. Nada passa impune às
consequências e desdobramentos, nessa vida. E os agentes públicos sabem, melhor
do que ninguém, sobre isso.
Assim, uma nova construção de
paradigmas para a tomada de decisões no serviço público, não deixa de ser uma
atitude de resgate humano do decoro, da decência, da dignidade, da moralidade,
da cidadania. Afinal, “O fato de milhões de criaturas compartilharem os
mesmos vícios não os transformam em virtudes; o fato delas praticarem os mesmos
erros não os transformam em verdades e o fato de milhões de criaturas
compartilharem a mesma forma de patologia mental (moral, social e
comportamental) não torna estas criaturas mentalmente sadias (Erich Fromm)”.
1 O Projeto de Lei (PL) 364/2019, que trata da eliminação a proteção de todos os campos nativos e outras formações não florestais. O PL 3334/2023, que trata da viabilização da redução da reserva legal na Amazônia. O PL 2374/2020, que trata da anistia para desmatadores. O PL 1282 /2019 e o PL 2168/2021, que trata das obras de irrigação em áreas de preservação permanente. O PL 686/2022, que trata da supressão do controle sobre a vegetação secundária em área de uso alternativo do solo. O PL 2159/2021, que trata da Lei Geral do Licenciamento Ambiental. O PL 4994/2023, que trata da BR319. O PL 10273/2018, que trata do esvaziamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental e do poder do Ibama. O PL 6049/2023, que altera as regras do Fundo Amazônia. O PL 2633/2020 e PL 510/2021, que flexibilizam as normas sobre regularização fundiária. O PL 3915/2021, que altera o marco temporal para regularização fundiária de terras da União. O PL 2550/2021, que amplia o uso da Certidão de Reconhecimento de Ocupação (CRO). O PL 5822/2019 e 2623/2022, que admitem exploração mineral em Unidades de Conservação (UCs). O PL 2001/2019, PL 717/2021 e PL 5028/2023, que buscam inviabilizar a criação de UCs. O PL 3087/2022, que reduz o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 59/2023, que delega ao Congresso competência para demarcação de terras indígenas. A PEC 48/2023, que acrescenta o marco temporal no art. 231 da Constituição. O PL 6050/2023, que flexibiliza o desenvolvimento de atividades econômicas nas terras indígenas. O PL 4546/2021, que institui política de infraestrutura hídrica desconectada da Política Nacional de Recursos Hídricos. A PEC 03/2022, que retira a propriedade exclusiva da União sobre os Terrenos da Marinha. O PL 254/2023, que atribui à Marinha o licenciamento ambiental de empreendimentos náuticos. O PL 355/2020, que altera o Código de Mineração. O PL 3587/2023, que cria o Banco Nacional Forense de Perfis Auríferos. (Fonte: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/ambientalistas-denunciam-pacote-da-destruicao-com-28-propostas-no-congresso-veja-a-lista/)