E
no frigir dos ovos...
Por
Alessandra Leles Rocha
Segura! O furacão da insanidade
anda solto pelo Brasil e tenta convencer a todos de que nada tem a ver com a
nada na história recente do país. Acontece que não é bem assim! Basta um
bocadinho de reparo para perceber como os fios da meada se cruzam afinadinhos. Nada
de acaso. Ou de coincidência. A lógica está ali, presente, pulsando
realisticamente diante da reflexão. Assim, o texto de hoje será eclético.
Comecemos, então, pelo PIX
milionário 1. Que deve ser motivo de
apuração das autoridades competentes, não resta a menor dúvida. Que causa
estranheza, nem tanto. Mas, colocando todas as teorias e conjecturas à parte,
finalmente, se desvenda a razão da eufórica implantação desse sistema de transferência
monetária e de pagamento eletrônico instantâneo, pelo ex-governo.
Não, não era para facilitar a
vida do cidadão comum, ou do vendedor ambulante, ou de quem quer que seja. A
sanha dos banqueiros e das políticas econômicas nunca trabalharam ajustadas aos
interesses da grande massa; mas, deles próprios e das elites. Foi a luz de suas
perspectivas e expectativas que as ideias foram, portanto, gestadas e colocadas
em prática.
Bem, no fim das contas, o PIX não
só fez a vez de um bom estratagema para burlar os limites e os protocolos das
doações de campanha, ainda que fora de campanha e por um político recentemente
tornado inelegível; mas, escancarou de vez, como a Direita e seus matizes mais
radicais apostam no poder econômico para não sair da cena política nacional 2.
Dito isso, vamos para a próxima
pauta, ou seja, a violência policial. São Paulo 3.
Bahia 4. Não importa o ente da federação. Resquício
histórico do Brasil colonial, quando o capitão do mato fazia a vigilância e a
captura dos escravos fugidos dos grandes latifúndios, a violência policial contemporânea
se dá praticamente nos mesmos moldes, na medida em que prioritariamente as ações
acontecem contra indivíduos pertencentes às camadas mais desassistidas e
vulnerabilizadas da sociedade.
A polícia contemporânea exorciza
suas próprias fragilidades e desamparos institucionais, reproduzindo a fúria
contida no seu inconsciente coletivo. Como se o policial que, quase sempre é
natural das periferias, dos bairros mais humildes, se despisse de qualquer vestígio
de alteridade e assumisse o papel de algoz de si mesmo, na figura do outro. Mata
em nome do medo de morrer, que lhe queima como uma febre intermitente.
Entretanto, a escalada recente da
violência policial se cruza com a notícia do novo mutirão carcerário proposto
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 5.
É de conhecimento público a falência do modelo carcerário nacional e como isso
se traduz em um mecanismo de invisibilização e de exclusão aporofóbica, dada a
representatividade majoritária de um perfil de cidadãos que dá entrada
diariamente nas prisões e presídios nacionais. Muitos deles, inclusive, vítimas
inocentes do próprio sistema policial e judiciário.
De modo que a ideia do mutirão é
mitigar o abandono a que milhões de presos estão submetidos, no que diz
respeito ao curso dos trâmites legais. Porém, não entra nesse contexto a
discussão ética e social em relação às desigualdades que são, de fato, as
grandes responsáveis pela construção da violência e da criminalidade nas suas
mais diversas formas e conteúdos. É nesse viés que, de repente, você se dá
conta da distorção ética e social presente nesse assunto.
Sim, porque se o sistema
carcerário brasileiro é, de certa forma, um depósito de seres humanos abandonados
e rejeitados, tanto por uma parcela significativa da população quanto pelo
próprio Estado, que sentem por eles uma repulsa genuína e independente do
delito ou infração que tenham cometido, dentro desse espaço geográfico ainda há
uma esperança de sobrevivência para esses indivíduos. Porque nas ruas, eles
podem não ter a mesma oportunidade em razão do modus operandi que ressalta a violência policial.
E para não me alongar muito mais,
o último ponto trata da obscura aliança ultradireitista entre o ex-governo
brasileiro e os representantes argentinos 6,
e o relatório das Forças Armadas sobre os atentados na capital federal em 08 de
janeiro 7. Dá para juntar os assuntos, porque o resumo da
ópera é um só, golpe de estado. É curioso como a Direita e todos os seus
matizes, especialmente os mais radicais e extremistas, são dados a contar
vantagem, a fazer e a acontecer, a exibições explícitas de valentia; mas, na
hora de honrar as convicções, as crenças, os princípios, eles simplesmente se
desresponsabilizam. É um tal de “não foi
bem assim”, que chega a ser vexatório!
Mas, dá para entender. Faz parte
do método deles. Sobretudo, quando se trata dos membros da ultradireita que
tenta se reafirmar novamente no cenário geopolítico global. Enquanto, eles
entretêm as autoridades e os veículos de informação e de comunicação com suas
desculpas esfarrapadas, seus silêncios desconcertantes, eles arrecadam recursos
milionários, entre seus seguidores e simpatizantes, para disseminar o medo e o
terror, com ideias do tipo “a volta do
comunismo”.
Portanto, de ponta a ponta, essa
breve reflexão não traz nenhuma novidade. Tudo aqui é uma miscelânea de
discussões históricas, cujo protagonismo está enraizado na Direita e seus
matizes. Desigualdade social. Tradição e conservadorismo. Individualismo.
Racismo. Aporofobia. Necropolítica. ... O pulo do gato está, então, no fato de
que é um erro crasso pensar que o fim das eleições, em outubro de 2022, tenha
arrefecido o ímpeto desse espectro político-partidário; bem como, reduzido a sua
repercussão midiática. Não, eles estão aí. Todos os dias. Nas linhas e nas
entrelinhas. O que significa que esse deve ser o ponto de partida para toda e
qualquer análise de agora em diante.
1 https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-investiu-r-17-milhoes-em-renda-fixa-enquanto-recebia-transacoes-via-pix-aponta-coaf/
2 https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/post/2023/07/apos-polemica-com-pix-deputados-voltam-a-pedir-doacoes-para-bolsonaro-meta-e-r-22-milhoes.ghtml
3 https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/07/oito-mortos-governo-de-sp-diz-que-acao-policial-no-guaruja-e-proporcional-as-agressoes.shtml
4 https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/07/acao-policial-deixa-oito-mortos-em-zona-rural-de-cidade-da-bahia.shtml
5 https://www.cnj.jus.br/em-sp-presidente-do-stf-e-do-cnj-conclui-lancamento-de-mutiroes-carcerarios-e-anuncia-parceria-para-mural-de-kobra-em-presidio/