Poder
e cobiça ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Quando penso que nada mais vai me
surpreender nesse mundo, eis que o novo Ministro do Turismo manifesta à
imprensa que “O Centrão está virando uma
coisa positiva” 1. Vamos e
convenhamos que, infelizmente, o famigerado Orçamento Secreto foi derrubado
pelo Supremo Tribunal Federal (STF); mas, não impedido de expressar sua sanha
de outras maneiras como se viu nesses primeiros seis meses de governo.
Portanto, não há nada de positivo nesse coletivo político-partidário. Continuam
imersos nas suas bolhas de regalias e privilégios nutridos pelo fisiologismo de
sempre.
Mas, foi pensando a respeito
dessa fala um tanto quanto esdrúxula que resolvi tecer uma reflexão sobre esse tipo
de alienação que toma de assalto a classe política nacional e a impede de
estabelecer um contato mais imediato com a realidade. Enquanto suas vidas
orbitam em torno das cifras milionárias do dinheiro público, como seria se no
andar da carruagem das conjunturas a fonte secasse de repente, hein? Por mais
que isso pareça uma possibilidade remotíssima, aos olhos de muita gente por aí,
creio que os sinais começam a mostrar que o cenário caminha para mudanças.
As elevadíssimas temperaturas no
hemisfério norte são só um viés do que pode acontecer ao setor agropecuário
global, por exemplo, que depende de um ambiente equilibrado para fazer valer o
seu potencial em bater recordes para os Produtos Internos Brutos (PIBs). Eles
dependem diretamente do clima, do solo, da água, dos ventos, e se não há como
controlar essas variáveis, tendo em vista os constantes eventos extremos, não
há ciência ou tecnologia que vai lhes possibilitar evitar os reveses de ordem
econômica. Sem contar que não há país, no mundo, que seja capaz de suprir
sozinho as demandas alimentícias do planeta.
Mas, vejam só que coisa
interessante! Justamente o agronegócio que carrega consigo a simbologia
histórica de força motriz da economia nacional, que interfere diretamente no
campo das decisões nacionais, que exige mundos e fundos do governo para manter
seus privilégios produtivos, colocou-se, pelo menos uma parcela importante de
seus membros, contra as políticas sustentáveis e economicamente verdes, que
vigoram no cenário mundial. Sobretudo, nos últimos quatro anos, esse foi o
setor que mais afrontou as políticas socioambientais brasileiras, contando com
o esforço hercúleo de seus representantes no Congresso Nacional para votações
que desmantelassem a rede de proteção ambiental existente.
Aliás, aproveitando o ensejo, a
imprensa trouxe a público a notícia de que “Mais
de 100 milhões de abelhas são mortas em MT devido aplicação errada de
agrotóxico” 2. Abelhas que estão
em risco de extinção. Abelhas produtoras de mel e seus derivados que impactam
diretamente a indústria farmacêutica e cosmética. Abelhas polinizadoras de
frutas e flores que impulsionam cadeias produtivas importantes. Enfim... Frutos
amargos da utilização de agrotóxicos que foram liberados em profusão, no último
governo, à revelia dos alertas científicos, das análises de demanda, dos riscos
de contaminação e para a saúde pública. Um dos exemplos clássicos, se assim
podemos dizer, do que significou a política de arraso sobre o meio ambiente que
contou com o apoio irrestrito de uma gigantesca parcela de cidadãos do
agronegócio.
Foi a partir desse cenário é que
fiquei relembrando as inúmeras vezes em que o setor precisou recorrer ao
auxílio do governo para ampará-lo em situações de crise, as quais a produção
não repercutiu o esperado. Às vezes por frio. Às vezes por chuva. Às vezes por
seca. Às vezes por ação de pragas. Mas, eles nunca estiveram nem aí para a
discussão socioambiental. Muito pelo contrário. Depositaram todas as suas
certezas no capital para mover as suas grandes plantations, como se fosse o bastante como garantia para o sucesso.
Mesmo porque, se algo desse errado, a ajudinha do governo sempre fora fava
contada.
Só que, agora, meus caros, o jogo
virou! Não há agronegócio 5G, sementes de última geração, equipamentos de
milhões de reais, que façam frente aos eventos extremos do clima. E se o
governo começar a querer bancar os prejuízos do setor não vai conseguir!
Primeiro, porque a sucessão de imprevistos é incomensurável. Não dá para saber
a extensão do calor, ou das enchentes, ou dos ciclones, ou das geadas, ... e
nem em que locais elas vão passar a assolar, em razão dos próprios efeitos
antrópicos. Segundo, porque os impactos nas cadeias produtivas do agro, a nível
global, vão impor desafios de ordem socioeconômica que tendem a intensificar a
fome e o empobrecimento, o que irá demandar políticas públicas cada vez mais
robustas para atender as camadas mais frágeis e vulneráveis.
Assim, é por essas e por outras,
que estou convencida de que o atual Ministro do Turismo deveria ter prescindido
da declaração em defesa do Centrão. Enquanto eles se mantêm absortos na sua
bolha, alheios a realidade, num piscar de olhos o seu mundinho de regalias e
privilégios pode ser engolido por uma fúria apocalíptica. Os eventos extremos
do clima associados às mais diversas formas de impactos antrópicos podem
produzir perdas tanto quantitativas quanto qualitativas sobre a mesa de mais de
203 milhões de brasileiros. Algo que
dinheiro nenhum pode ser capaz de evitar, ou de transmitir alguma segurança,
alguma garantia. E a classe política não vive em outro país, ou em outro mundo.
Portanto, ela não está isenta do
seu quinhão de responsabilidades nesse processo, o qual não oferece a
possibilidade de aguardar pelo momento ideal, ou pelo tempo mais oportuno. “Temporada
de incêndios florestais no Canadá é a pior já registrada na história” 3
ou “Onda de calor extremo na
Europa, EUA e Japão pode chegar a quase 50° C” 4,
por exemplo, significa que o tempo dos alertas, dos comunicados, dos fóruns
ambientais, já ficou para trás. Aliás, nem precisamos sair do território
nacional para termos a dimensão do que acontece. Recentemente, “Ciclone destrói plantações, danifica
máquinas e machuca animais no Sul do Brasil” 5.
A ciência fez tudo o que estava
ao seu alcance para evitar o colapso, na medida do convencimento respaldado
pelas pesquisas; mas, o ser humano optou pelas orientações do capital, da
ostentação do poder. E o preço foi dado! Acontece que ele não será cobrado de
uma única vez. Será aos poucos, cada vez abocanhando mais, dilapidando mais.
Até que não reste mais nada para ninguém. Até que tudo seja resumido a um
conjunto de pseudopoderes, sem sentido algum. Até que todas as certezas se
transformem em um retrato desolado da desilusão. Talvez, antevendo a tudo isso,
foi que Mahatma Gandhi disse, “Há o
suficiente no mundo para todas as necessidades humanas, não há o suficiente
para a cobiça humana”.
1 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/07/centrao-esta-virando-uma-coisa-positiva-diz-novo-ministro-do-turismo.shtml
2 https://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2023/07/19/cerca-de-600-colmeias-sao-intoxicadas-em-mt-apos-aplicacao-errada-de-agrotoxico.ghtml
3 https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/07/18/temporada-de-incendios-florestais-no-canada-e-a-pior-ja-registrada-na-historia.ghtml