quinta-feira, 20 de julho de 2023

Poder e cobiça ...


Poder e cobiça ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quando penso que nada mais vai me surpreender nesse mundo, eis que o novo Ministro do Turismo manifesta à imprensa que “O Centrão está virando uma coisa positiva” 1. Vamos e convenhamos que, infelizmente, o famigerado Orçamento Secreto foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF); mas, não impedido de expressar sua sanha de outras maneiras como se viu nesses primeiros seis meses de governo. Portanto, não há nada de positivo nesse coletivo político-partidário. Continuam imersos nas suas bolhas de regalias e privilégios nutridos pelo fisiologismo de sempre.

Mas, foi pensando a respeito dessa fala um tanto quanto esdrúxula que resolvi tecer uma reflexão sobre esse tipo de alienação que toma de assalto a classe política nacional e a impede de estabelecer um contato mais imediato com a realidade. Enquanto suas vidas orbitam em torno das cifras milionárias do dinheiro público, como seria se no andar da carruagem das conjunturas a fonte secasse de repente, hein? Por mais que isso pareça uma possibilidade remotíssima, aos olhos de muita gente por aí, creio que os sinais começam a mostrar que o cenário caminha para mudanças.

As elevadíssimas temperaturas no hemisfério norte são só um viés do que pode acontecer ao setor agropecuário global, por exemplo, que depende de um ambiente equilibrado para fazer valer o seu potencial em bater recordes para os Produtos Internos Brutos (PIBs). Eles dependem diretamente do clima, do solo, da água, dos ventos, e se não há como controlar essas variáveis, tendo em vista os constantes eventos extremos, não há ciência ou tecnologia que vai lhes possibilitar evitar os reveses de ordem econômica. Sem contar que não há país, no mundo, que seja capaz de suprir sozinho as demandas alimentícias do planeta.

Mas, vejam só que coisa interessante! Justamente o agronegócio que carrega consigo a simbologia histórica de força motriz da economia nacional, que interfere diretamente no campo das decisões nacionais, que exige mundos e fundos do governo para manter seus privilégios produtivos, colocou-se, pelo menos uma parcela importante de seus membros, contra as políticas sustentáveis e economicamente verdes, que vigoram no cenário mundial. Sobretudo, nos últimos quatro anos, esse foi o setor que mais afrontou as políticas socioambientais brasileiras, contando com o esforço hercúleo de seus representantes no Congresso Nacional para votações que desmantelassem a rede de proteção ambiental existente.

Aliás, aproveitando o ensejo, a imprensa trouxe a público a notícia de que “Mais de 100 milhões de abelhas são mortas em MT devido aplicação errada de agrotóxico” 2. Abelhas que estão em risco de extinção. Abelhas produtoras de mel e seus derivados que impactam diretamente a indústria farmacêutica e cosmética. Abelhas polinizadoras de frutas e flores que impulsionam cadeias produtivas importantes. Enfim... Frutos amargos da utilização de agrotóxicos que foram liberados em profusão, no último governo, à revelia dos alertas científicos, das análises de demanda, dos riscos de contaminação e para a saúde pública. Um dos exemplos clássicos, se assim podemos dizer, do que significou a política de arraso sobre o meio ambiente que contou com o apoio irrestrito de uma gigantesca parcela de cidadãos do agronegócio.

Foi a partir desse cenário é que fiquei relembrando as inúmeras vezes em que o setor precisou recorrer ao auxílio do governo para ampará-lo em situações de crise, as quais a produção não repercutiu o esperado. Às vezes por frio. Às vezes por chuva. Às vezes por seca. Às vezes por ação de pragas. Mas, eles nunca estiveram nem aí para a discussão socioambiental. Muito pelo contrário. Depositaram todas as suas certezas no capital para mover as suas grandes plantations, como se fosse o bastante como garantia para o sucesso. Mesmo porque, se algo desse errado, a ajudinha do governo sempre fora fava contada.

Só que, agora, meus caros, o jogo virou! Não há agronegócio 5G, sementes de última geração, equipamentos de milhões de reais, que façam frente aos eventos extremos do clima. E se o governo começar a querer bancar os prejuízos do setor não vai conseguir! Primeiro, porque a sucessão de imprevistos é incomensurável. Não dá para saber a extensão do calor, ou das enchentes, ou dos ciclones, ou das geadas, ... e nem em que locais elas vão passar a assolar, em razão dos próprios efeitos antrópicos. Segundo, porque os impactos nas cadeias produtivas do agro, a nível global, vão impor desafios de ordem socioeconômica que tendem a intensificar a fome e o empobrecimento, o que irá demandar políticas públicas cada vez mais robustas para atender as camadas mais frágeis e vulneráveis.

Assim, é por essas e por outras, que estou convencida de que o atual Ministro do Turismo deveria ter prescindido da declaração em defesa do Centrão. Enquanto eles se mantêm absortos na sua bolha, alheios a realidade, num piscar de olhos o seu mundinho de regalias e privilégios pode ser engolido por uma fúria apocalíptica. Os eventos extremos do clima associados às mais diversas formas de impactos antrópicos podem produzir perdas tanto quantitativas quanto qualitativas sobre a mesa de mais de 203 milhões de brasileiros.  Algo que dinheiro nenhum pode ser capaz de evitar, ou de transmitir alguma segurança, alguma garantia. E a classe política não vive em outro país, ou em outro mundo.

Portanto, ela não está isenta do seu quinhão de responsabilidades nesse processo, o qual não oferece a possibilidade de aguardar pelo momento ideal, ou pelo tempo mais oportuno.  “Temporada de incêndios florestais no Canadá é a pior já registrada na história” 3  ou “Onda de calor extremo na Europa, EUA e Japão pode chegar a quase 50° C” 4, por exemplo, significa que o tempo dos alertas, dos comunicados, dos fóruns ambientais, já ficou para trás. Aliás, nem precisamos sair do território nacional para termos a dimensão do que acontece. Recentemente, “Ciclone destrói plantações, danifica máquinas e machuca animais no Sul do Brasil” 5.

A ciência fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar o colapso, na medida do convencimento respaldado pelas pesquisas; mas, o ser humano optou pelas orientações do capital, da ostentação do poder. E o preço foi dado! Acontece que ele não será cobrado de uma única vez. Será aos poucos, cada vez abocanhando mais, dilapidando mais. Até que não reste mais nada para ninguém. Até que tudo seja resumido a um conjunto de pseudopoderes, sem sentido algum. Até que todas as certezas se transformem em um retrato desolado da desilusão. Talvez, antevendo a tudo isso, foi que Mahatma Gandhi disse, “Há o suficiente no mundo para todas as necessidades humanas, não há o suficiente para a cobiça humana”.