quinta-feira, 8 de setembro de 2022

O país do futuro... um futuro que nunca chega!


O país do futuro... um futuro que nunca chega!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Há quem considere minhas reflexões um tanto quanto realistas demais! Bom, não tem problema! Porque nada do que eu escrevo é sem uma base de análise, de crítica, de conhecimento sobre o assunto.

Talvez, uma consequência direta do meu bom e velho hábito de montar quebra-cabeças, durante a infância, que me levou a entender a vida como um imenso mosaico de fatos que vão se encaixando e gerando um resultado inusitado.

E qual a razão dessa breve introdução? Acontece que venho falando há tempos sobre desigualdades e empobrecimento global, assuntos nada palatáveis para uma grande maioria, e hoje um conjunto de notícias a esse respeito caiu como uma bomba.

Vejam só, “Pela primeira vez em três décadas, IDH mundial cai por dois anos seguidos” 1. “Governo ‘tesoura’ Farmácia Popular para garantir orçamento secreto em 2023” 2. “Governo muda regras e quer liberar antes da eleição R$5,6 bi em emendas do orçamento secreto” 3.

Por mais que possam pensar que essas manchetes não dialogam entre si, elas dialogam sim! Sob a ótica do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado em 1990, com o propósito de possibilitar uma análise através de dados concretos sobre educação, longevidade populacional e renda, o mundo consegue obter uma melhor perspectiva do grau de desenvolvimento de cada país.

Qualquer desatenção em relação aos principais indicadores de desenvolvimento disponíveis – IDH, Produto Interno Bruto (PIB), Produto Nacional Bruto (PNB), Coeficiente de Gini, Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), Censo Demográfico e outros – representa, em escala global, não só um descompromisso com as atuais e as futuras gerações; mas, com a dinâmica das relações internacionais.   

Ora, preste atenção ao que trazem os veículos de comunicação e informação sobre deslocamentos populacionais, conflitos e guerras, perseguições religiosas, eventos climáticos extremos, ... Tudo isso é atravessado pelas informações obtidas a partir dos indicadores de desenvolvimento.

Quanto menos o desenvolvimento humano se faz presente em um país, mais afetado pelas tensões, turbulências e desarranjos sociais ele é. O que significa que o seu desequilíbrio tenderá a reverberar por outras regiões, em um verdadeiro efeito dominó.

Daí a importância do que trouxe o recente Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), quando aponta uma urgente necessidade de mudança no comportamento dos 189 países analisados, considerando que “o desenvolvimento humano voltou aos níveis de 2016, revertendo parte expressiva do progresso rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A reversão é quase universal, pois mais de 90% dos países registraram declínio na pontuação do IDH em 2020 ou 2021, e mais de 40% caíram nos dois anos, sinalizando que a crise ainda está se aprofundando em muitos deles” 4. Como é o caso do Brasil.  

Acontece que esse cenário culmina inevitavelmente num quadro de incertezas e desesperança entre a população. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), “embora alguns países estejam começando a se levantar, a recuperação é desigual e parcial, aumentando ainda mais as desigualdades no desenvolvimento humano. América Latina, Caribe, África Subsaariana e sul da Ásia foram duramente atingidos” 5.

Em linhas gerais isso significa que “a mudança necessária não está acontecendo e indica haver muitas razões, incluindo como a insegurança e a polarização alimentam-se uma da outra, atualmente, para impedir a solidariedade e a ação coletiva necessária para enfrentar as crises em todos os níveis” (PNUD, 2022).

O que no caso do Brasil, não deixa dúvidas quando se analisa a proposta de governança que vem sendo executada pela direita e seus matizes; sobretudo, os mais extremistas.

Portanto, ao nos depararmos com as outras duas notícias, a respeito de cortes no orçamento público para atender a interesses nada republicanos, conseguimos perceber possíveis razões que contribuem para o fato de o Brasil perder posições no ranking do IDH, nos últimos anos.

Não há interesse da atual gestão para um desenvolvimento humano equilibrado e voltado para combater e mitigar as desigualdades. Não é à toa que dentre os países sul-americanos o Brasil ficou atrás do Chile, da Argentina, do Uruguai, do Peru e da Colômbia.  

Além de o governo brasileiro ter passado os quatro anos de sua gestão tentando criar mecanismos para garantir uma reeleição, as políticas econômicas propostas foram idealizadas para atender prioritariamente aos interesses da elite nacional. Haja vista o retorno do país ao Mapa da Fome, ou seja, “quando mais de 2,5% da população enfrentam falta crônica de alimentos” 6.

Mas, a fome é só um item no que diz respeito ao desmantelamento das políticas públicas nacionais. Todos os segmentos da administração foram impactados com cortes e/ou contingenciamentos de recursos, projetos foram abandonados e/ou negligenciados, o caos tomou conta para justificar a inação governamental.

Então, quando o governo se predispôs a realizar algo a esse respeito, o fez sem planejamento, sem critério, sem nada. De modo que os resultados demonstraram-se insuficientes e ineficientes diante das demandas sociais e o país retrocedeu visivelmente no seu desenvolvimento humano.

Se nada for feito, a tendência é que o declínio do IDH brasileiro se aprofunde. E ao que tudo indica, sendo o sucesso eleitoral a prioridade do governo, as perspectivas de melhora se tornam cada vez mais escassas.

A má distribuição e aplicação de recursos públicos que se tem notícia acena com o acirramento de um gigantesco gargalo de demandas sociais sem solução em um curto espaço de tempo. Desse modo, o Brasil parece ser cada vez mais o país do futuro ... um futuro que nunca chega para se transformar em realidade.