O país do futuro... um futuro que nunca chega!
Por Alessandra
Leles Rocha
Há quem considere minhas reflexões um tanto
quanto realistas demais! Bom, não tem problema! Porque nada do que eu escrevo é
sem uma base de análise, de crítica, de conhecimento sobre o assunto.
Talvez, uma consequência direta do meu bom e
velho hábito de montar quebra-cabeças, durante a infância, que me levou a
entender a vida como um imenso mosaico de fatos que vão se encaixando e gerando
um resultado inusitado.
E qual a razão dessa breve introdução? Acontece
que venho falando há tempos sobre desigualdades e empobrecimento global, assuntos
nada palatáveis para uma grande maioria, e hoje um conjunto de notícias a esse
respeito caiu como uma bomba.
Vejam só, “Pela
primeira vez em três décadas, IDH mundial cai por dois anos seguidos” 1. “Governo ‘tesoura’ Farmácia Popular
para garantir orçamento secreto em 2023” 2.
“Governo muda regras e quer liberar antes da eleição R$5,6 bi em emendas do
orçamento secreto” 3.
Por mais que possam pensar que essas manchetes
não dialogam entre si, elas dialogam sim! Sob a ótica do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), criado em 1990, com o propósito de possibilitar
uma análise através de dados concretos sobre educação, longevidade populacional
e renda, o mundo consegue obter uma melhor perspectiva do grau de
desenvolvimento de cada país.
Qualquer desatenção em relação aos principais
indicadores de desenvolvimento disponíveis – IDH, Produto Interno Bruto (PIB),
Produto Nacional Bruto (PNB), Coeficiente de Gini, Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA), Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB),
Censo Demográfico e outros – representa, em escala global, não só um
descompromisso com as atuais e as futuras gerações; mas, com a dinâmica das
relações internacionais.
Ora, preste atenção ao que trazem os veículos de
comunicação e informação sobre deslocamentos populacionais, conflitos e
guerras, perseguições religiosas, eventos climáticos extremos, ... Tudo isso é
atravessado pelas informações obtidas a partir dos indicadores de desenvolvimento.
Quanto menos o desenvolvimento humano se faz presente
em um país, mais afetado pelas tensões, turbulências e desarranjos sociais ele
é. O que significa que o seu desequilíbrio tenderá a reverberar por outras regiões,
em um verdadeiro efeito dominó.
Daí a importância do que trouxe o recente
Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), quando aponta uma urgente
necessidade de mudança no comportamento dos 189 países analisados, considerando
que “o desenvolvimento humano voltou aos níveis
de 2016, revertendo parte expressiva do progresso rumo aos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS). A reversão é quase universal, pois mais de
90% dos países registraram declínio na pontuação do IDH em 2020 ou 2021, e mais
de 40% caíram nos dois anos, sinalizando que a crise ainda está se aprofundando
em muitos deles” 4. Como é o caso do
Brasil.
Acontece que esse cenário culmina inevitavelmente
num quadro de incertezas e desesperança entre a população. Segundo o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), “embora alguns países estejam começando a se levantar, a recuperação é
desigual e parcial, aumentando ainda mais as desigualdades no desenvolvimento
humano. América Latina, Caribe, África Subsaariana e sul da Ásia foram
duramente atingidos” 5.
Em linhas gerais isso significa que “a mudança necessária não está acontecendo e
indica haver muitas razões, incluindo como a insegurança e a polarização
alimentam-se uma da outra, atualmente, para impedir a solidariedade e a ação
coletiva necessária para enfrentar as crises em todos os níveis” (PNUD, 2022).
O que no caso do Brasil, não deixa dúvidas quando
se analisa a proposta de governança que vem sendo executada pela direita e seus
matizes; sobretudo, os mais extremistas.
Portanto, ao nos depararmos com as outras duas
notícias, a respeito de cortes no orçamento público para atender a interesses
nada republicanos, conseguimos perceber possíveis razões que contribuem para o
fato de o Brasil perder posições no ranking do IDH, nos últimos anos.
Não há interesse da atual gestão para um
desenvolvimento humano equilibrado e voltado para combater e mitigar as
desigualdades. Não é à toa que dentre os países sul-americanos o Brasil ficou atrás
do Chile, da Argentina, do Uruguai, do Peru e da Colômbia.
Além de o governo brasileiro ter passado os
quatro anos de sua gestão tentando criar mecanismos para garantir uma
reeleição, as políticas econômicas propostas foram idealizadas para atender
prioritariamente aos interesses da elite nacional. Haja vista o retorno do país
ao Mapa da Fome, ou seja, “quando mais de
2,5% da população enfrentam falta crônica de alimentos” 6.
Mas, a fome é só um item no que diz respeito
ao desmantelamento das políticas públicas nacionais. Todos os segmentos da
administração foram impactados com cortes e/ou contingenciamentos de recursos,
projetos foram abandonados e/ou negligenciados, o caos tomou conta para justificar
a inação governamental.
Então, quando o governo se predispôs a
realizar algo a esse respeito, o fez sem planejamento, sem critério, sem nada. De
modo que os resultados demonstraram-se insuficientes e ineficientes diante das
demandas sociais e o país retrocedeu visivelmente no seu desenvolvimento
humano.
Se nada for feito, a tendência é que o declínio
do IDH brasileiro se aprofunde. E ao que tudo indica, sendo o sucesso eleitoral
a prioridade do governo, as perspectivas de melhora se tornam cada vez mais escassas.
A má distribuição e aplicação de recursos públicos que se tem notícia acena com o acirramento de um gigantesco gargalo de demandas sociais sem solução em um curto espaço de tempo. Desse modo, o Brasil parece ser cada vez mais o país do futuro ... um futuro que nunca chega para se transformar em realidade.
1 https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/09/08/pela-primeira-vez-em-tres-decadas-idh-mundial-cai-por-dois-anos-seguidos.ghtml
2 https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/09/5035211-governo-tesoura-farmacia-popular-para-garantir-orcamento-secreto-em-2023.html
3 https://g1.globo.com/google/amp/economia/noticia/2022/09/08/orcamento-secreto-governo-muda-regras-e-quer-liberar-r-56-bi-em-emendas-antes-das-eleicoes.ghtml
4 Idem 1.
5 Idem 1.