No
fundo, o que importa não são eles, são elas...
Por
Alessandra Leles Rocha
Na falta de um discurso
efetivamente produtivo, eis que os homens brasileiros decidiram apelar para o repertório
misógino para esconder sua fragilidade comunicativa e intelectual em uma
cortina de fumaça... cor de rosa. Pois é. Quem diria, não é mesmo?! Algo que só
comprova como tais comportamentos deploráveis são estrategicamente pensados 1.
Afinal, tendo em vista de que o
mundo não orbita mais a consciência em torno de uma mulher coadjuvante da
sociedade, quaisquer derrapagens discursivas e comportamentais conduzem
imediatamente a um palavrório sem fim. E é justamente isso o que eles querem,
ou seja, entreter a população para não terem que se explicar ou discutir o que
é realmente relevante no momento.
Feio? Abjeto? Non sense? Sim. Mas, talvez, tenha sido
o que lhes restou como repertório de dissimulação para a sua sua completa falta
de habilidades e competências em lidar com o mundo, o qual eles foram
convencidos de que lhes pertencia. A responsabilidade, na maioria das vezes,
soa sim, muito desconfortável e acaba os induzindo a certos espetáculos dantescos
na tentativa de mitigar a situação.
E aí se chega na seguinte
constatação: “Ruim com elas. Pior sem
elas”. À revelia de sua vontade, um bando de machos alfa admite que precisa
das mulheres. Isso não é pouca coisa não! Em plena sociedade patriarcal,
qualquer gesto que alce as mulheres ao centro das atenções, desconstrói as
narrativas em torno da sua invisibilidade, da sua desimportância no mundo.
Concordo que é de uma maneira
torta, equivocada, constrangedora; mas, temos que admitir que é muito difícil para
os homens assumir as suas vulnerabilidades, as suas incapacidades. Então, ao
buscar nas mulheres o suporte, ainda que subjetivo, é como se a situação fosse
duplicada no seu dissabor. Ele não quer, e talvez não possa perder, o seu
status de mandatário, de dominador, de poderoso, o qual arrasta desde sempre. Daí
a falta de modos, o mau humor, a brutalidade, a exacerbação misógina.
Acontece que todo esse movimento,
no fundo, é inútil. Nada do que fazem ou falam encobre a sua incompletude. As entrelinhas
são lidas e entendidas por quem está ao redor. Sem contar que há uma
reafirmação da violência contra a mulher, deixando cada vez mais visível o
quanto são vítimas do contexto histórico patriarcal. Na tentativa de se
agigantar, de se mostrar maior, mais forte e mais poderoso, eles se apequenam
em todos os sentidos.
Vejam, por exemplo, que uma
mulher ao ser vítima de quaisquer manifestações misóginas acaba reverberando
seu protagonismo nos meios de comunicação e informação, enquanto que o homem responsável
pelo absurdo se dilui rapidamente na história. De modo que a cortina de fumaça que
ele tentou construir tornou-se rala e efêmera, ou seja, insuficiente para
atender aos seus objetivos e para assegurar a sua posição de destaque no
cenário social.
No entanto, é olhando atentamente
para esse movimento, cada vez mais recorrente no país, que se percebe a
formação de um ciclo vicioso. Não me parece mais que a misoginia, enquanto cortina
de fumaça, caiba como justificativa para todas as situações. O crescimento vertiginoso
da participação e do protagonismo feminino na sociedade ultrapassou as
fronteiras de quaisquer eventuais consentimentos masculinos. Elas não precisam
mais se sujeitar a uma visibilidade condicionada as vontades e quereres dos
homens, nessa ou naquela situação.
E como já ficou clara a
dificuldade masculina em lidar e resolver certas situações do cotidiano, a
misoginia passou a figurar como um instrumento de controle feminino,
independentemente da situação. Não é preciso lançar mão dela apenas para
cortinas de fumaça. A fim de não verem ameaçados os seus espaços, os seus
pseudopoderes, os homens se reafirmam socialmente através das práxis misóginas,
as quais podem, muitas vezes, atingir o ápice da violência física, mental e
emocional.
Infelizmente, a domesticação intelectual
e cognitiva que se pensava ter ocorrido com o homem primitivo não foi tão bem-sucedida
assim. No seu inconsciente ele permanece o mesmo bárbaro de sempre. Dizendo e
fazendo coisas totalmente inapropriadas, movido pelos instintos remanescentes
do seu primitivismo. Como se o mundo, no seu processo evolutivo, tivesse criado
certas arestas que lhes impossibilita se ajustar a sua existência dominadora, tirana,
opressora, autoritária.
Cientes disso, então, as mulheres
precisam se apropriar cada vez mais da consciência de que não podem ter sua
vida reduzida, nem se curvar ao capricho ou à ignorância de outra pessoa 2; pois, “a possibilidade não é um luxo. Ela é tão crucial quanto o pão” (Judith
Butler). E é essa consciência que se expande e faz com que todo ser humano
compreenda que isso não é aceitar as coisas que não podemos mudar; mas, mudar
as coisas que não se pode aceitar 3. Desse modo,
“Que nada nos defina, que nada nos
sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser
livre” (Simone de Beauvoir).
1 https://www.istoedinheiro.com.br/presidente-celebra-brasil-machista-homofobico-e-elitista/
https://www.uol.com.br/splash/noticias/2022/09/07/vera-magalhaes-manifestacao-bolsonarista.htm
2 “Eu não terei a minha vida reduzida. Eu não
vou me curvar ao capricho ou à ignorância de outra pessoa” (Bell Hooks).
3 “Eu não estou aceitando as coisas que eu não posso mudar, estou mudando as coisas que eu não posso aceitar” (Angela Davis).