quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Sobre o passado, o presente e o futuro


Sobre o passado, o presente e o futuro

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O passado é o que passou? Sim. Mas, é também o ponto de reflexão sobre o qual devemos, enquanto sociedade, nos debruçar para depurar seu conjunto de erros e acertos. Admitam ou não, a verdade é que a história cobra. Mais dia menos dia, ela apresenta a fatura. Nada passa incólume, despercebido, sem que as consequências e desdobramentos terríveis e funestos apontem o seu altíssimo custo. Mas, hoje, em pleno 7 de setembro, vejo que o Brasil ainda não entendeu essas questões.

Um olhar, ainda que superficial, sobre os eventos do dia, é suficiente para descobrir que em pouco mais de 500 anos de existência, o país não adquiriu certos hábitos. Não sabe reconhecer os erros. Não sabe se desculpar. Não sabe se colocar na vanguarda do mundo. Não sabe estabelecer laços e parcerias. Não sabe cultivar princípios e protocolos diplomáticos. Não sabe destacar crenças e valores humanos. Não, não sabe. Ou, talvez, não queira.

Fato é, que nada parece dialogar com coisa alguma. O feriado nacional foi engolido pelas manifestações político-partidárias do governo, que tenta a reeleição. De modo que não se permitiu fazer uma reflexão histórica sobre a data; mas, se apropriou indevidamente dela para construir uma narrativa de cunho eleitoreiro. Inclusive, tomando para si as cores símbolos nacionais, o verde e o amarelo, como propriedade da direita política e seus matizes.

É certo que a praxe de acompanhar os desfiles cívico-militares, na ocasião do 7 de setembro, faz parte do país, e que muitos dos presentes estão ali por conta de familiares e amigos que participam da programação do evento. No entanto, não deixa de ser um prato cheio para que alguns peguem carona nas imagens do aglomerado de pessoas para tecer narrativas enviesadas a seu benefício próprio. Afinal, nem tudo o que parece é.

No entanto, todo esse desvirtuamento cidadão não tem como causar outro sentimento a não ser pesar! Olhar para o país e se deparar com ele tão confortável na sua herança colonial dá a dimensão exata da resistência que existe e insiste em não permitir que ele se lance nos braços do desenvolvimento, do progresso e da evolução. Porque ele quer permanecer inebriado no seu mítico conto de fadas, entre reis e imperadores, príncipes e princesas, corte e bajuladores.

Talvez isso explique as razões que tornaram tão fácil não falar de independência. Ora, independência pressupõe assumir as rédeas da vida nas próprias mãos. É ter autonomia. É ter autoralidade. É saber o que fazer diante da liberdade. Mas, o Brasil não aprendeu a caminhar sozinho, a tomar suas próprias decisões, a se tornar grande na sua inteireza. Ele gosta de ser tutorado. Enquanto alguém pensa, fala, escolhe, decide e age por ele, estar apenas na posição máxima de poder lhe parece o bastante, o suficiente para os seus delírios.

Não é à toa que por aqui tudo se resuma ao poder capital. Todo e qualquer tipo de descompromisso, no Brasil, emerge do fato de que o inconsciente coletivo trabalha na premissa de que ter o dinheiro isenta o cidadão de quaisquer responsabilidades, obrigações, deveres, punições. De modo que a representatividade político-partidária acabou sendo contaminada por esse pensamento. Depois de depositado o voto, nesse ou naquele candidato, o cidadão crê que não precisa mais participar do processo político porque ele já elegeu o seu representante.    

Acontece que é esse movimento que legitima, e perpetua, a inação do país em relação à sua própria história. Nossas formas de governo, nossos sistemas políticos, tudo isso tem como síntese o fato de terem sido constituídos sob os mesmos pilares sociais, os quais vieram se mantendo de geração em geração, garantindo a sobrevivência de poderes, regalias e privilégios a um determinado estrato populacional.

Portanto, não deveria causar estranheza o fato de essas pessoas se apropriarem do país, segundo suas próprias vontades e interesses. Afinal de contas, o curso histórico lhes forneceu elementos suficientes para legitimar essa crença. O que explica, embora não justifique, o fato da total ausência de constrangimento ou de desconforto diante de situações em que flagrantemente elas se colocam acima dos parâmetros jurídicos, éticos e morais estabelecidos no país.

Como Luis XIV, o Rei Sol francês, o Brasil vive, então, à luz de um céu iluminado de estrelas! Não apenas uma, mas uma constelação delas. Cada uma se julgando mais importante e superior do que as outras. Mas, todas revestidas pelos mesmos propósitos, consideradas as devidas proporções dentro do espaço social em que ocupam. O que importa é que, no fim das contas, cada um desses sóis participa diretamente da consolidação de um Estado contemporaneamente absolutista, cujos poderes estarão centralizados direta ou indiretamente em suas mãos, a partir de decisões tomadas, muitas vezes, em desacordo com os demais órgãos da soberania.  

E assim, pode-se entender que não sabemos nada de semântica. Que o significado da independência nos diz pouco ou quase nada, em pleno século XXI. Perdeu-se nas idas e vindas de uma tortuosa e equivocada história, até se chegar ao sumo de seu antônimo, a dependência. No frigir dos ovos, dispensando lentes de aumento, nos deparamos com uma dependência ampla, profunda e plural, cujo peso sempre representou um obstáculo importante para que chegássemos à independência.

Independência, como tantas outras coisas nessa vida, requer vontade, coragem, disciplina, ousadia. Exemplos para inspirar não faltam! A questão, portanto, é saber se algum dia o Brasil vai se dar a oportunidade de se lançar, de peito aberto, nesse mar de incertezas que uma verdadeira independência impõe. Se a história vai ganhar novos capítulos. Por enquanto, como diz aquela velha canção, “Ainda somos os mesmos...” 1.   



1 Como nossos pais (Antonio Belchior) - https://www.youtube.com/watch?v=2qqN4cEpPCw