Sobre
o passado, o presente e o futuro
Por
Alessandra Leles Rocha
O passado é o que passou? Sim. Mas,
é também o ponto de reflexão sobre o qual devemos, enquanto sociedade, nos
debruçar para depurar seu conjunto de erros e acertos. Admitam ou não, a
verdade é que a história cobra. Mais dia menos dia, ela apresenta a fatura. Nada
passa incólume, despercebido, sem que as consequências e desdobramentos terríveis
e funestos apontem o seu altíssimo custo. Mas, hoje, em pleno 7 de setembro,
vejo que o Brasil ainda não entendeu essas questões.
Um olhar, ainda que superficial,
sobre os eventos do dia, é suficiente para descobrir que em pouco mais de 500
anos de existência, o país não adquiriu certos hábitos. Não sabe reconhecer os
erros. Não sabe se desculpar. Não sabe se colocar na vanguarda do mundo. Não sabe
estabelecer laços e parcerias. Não sabe cultivar princípios e protocolos diplomáticos.
Não sabe destacar crenças e valores humanos. Não, não sabe. Ou, talvez, não
queira.
Fato é, que nada parece dialogar
com coisa alguma. O feriado nacional foi engolido pelas manifestações político-partidárias
do governo, que tenta a reeleição. De modo que não se permitiu fazer uma
reflexão histórica sobre a data; mas, se apropriou indevidamente dela para
construir uma narrativa de cunho eleitoreiro. Inclusive, tomando para si as
cores símbolos nacionais, o verde e o amarelo, como propriedade da direita política
e seus matizes.
É certo que a praxe de acompanhar
os desfiles cívico-militares, na ocasião do 7 de setembro, faz parte do país, e
que muitos dos presentes estão ali por conta de familiares e amigos que
participam da programação do evento. No entanto, não deixa de ser um prato
cheio para que alguns peguem carona nas imagens do aglomerado de pessoas para
tecer narrativas enviesadas a seu benefício próprio. Afinal, nem tudo o que
parece é.
No entanto, todo esse
desvirtuamento cidadão não tem como causar outro sentimento a não ser pesar! Olhar
para o país e se deparar com ele tão confortável na sua herança colonial dá a
dimensão exata da resistência que existe e insiste em não permitir que ele se
lance nos braços do desenvolvimento, do progresso e da evolução. Porque ele
quer permanecer inebriado no seu mítico conto de fadas, entre reis e
imperadores, príncipes e princesas, corte e bajuladores.
Talvez isso explique as razões
que tornaram tão fácil não falar de independência. Ora, independência pressupõe
assumir as rédeas da vida nas próprias mãos. É ter autonomia. É ter
autoralidade. É saber o que fazer diante da liberdade. Mas, o Brasil não aprendeu
a caminhar sozinho, a tomar suas próprias decisões, a se tornar grande na sua
inteireza. Ele gosta de ser tutorado. Enquanto alguém pensa, fala, escolhe,
decide e age por ele, estar apenas na posição máxima de poder lhe parece o
bastante, o suficiente para os seus delírios.
Não é à toa que por aqui tudo se
resuma ao poder capital. Todo e qualquer tipo de descompromisso, no Brasil, emerge
do fato de que o inconsciente coletivo trabalha na premissa de que ter o
dinheiro isenta o cidadão de quaisquer responsabilidades, obrigações, deveres,
punições. De modo que a representatividade político-partidária acabou sendo
contaminada por esse pensamento. Depois de depositado o voto, nesse ou naquele
candidato, o cidadão crê que não precisa mais participar do processo político
porque ele já elegeu o seu representante.
Acontece que é esse movimento que
legitima, e perpetua, a inação do país em relação à sua própria história. Nossas
formas de governo, nossos sistemas políticos, tudo isso tem como síntese o fato
de terem sido constituídos sob os mesmos pilares sociais, os quais vieram se
mantendo de geração em geração, garantindo a sobrevivência de poderes, regalias
e privilégios a um determinado estrato populacional.
Portanto, não deveria causar
estranheza o fato de essas pessoas se apropriarem do país, segundo suas próprias
vontades e interesses. Afinal de contas, o curso histórico lhes forneceu
elementos suficientes para legitimar essa crença. O que explica, embora não
justifique, o fato da total ausência de constrangimento ou de desconforto
diante de situações em que flagrantemente elas se colocam acima dos parâmetros jurídicos,
éticos e morais estabelecidos no país.
Como Luis XIV, o Rei Sol francês,
o Brasil vive, então, à luz de um céu iluminado de estrelas! Não apenas uma,
mas uma constelação delas. Cada uma se julgando mais importante e superior do que
as outras. Mas, todas revestidas pelos mesmos propósitos, consideradas as
devidas proporções dentro do espaço social em que ocupam. O que importa é que,
no fim das contas, cada um desses sóis participa diretamente da consolidação de
um Estado contemporaneamente absolutista, cujos poderes estarão centralizados
direta ou indiretamente em suas mãos, a partir de decisões tomadas, muitas
vezes, em desacordo com os demais órgãos da soberania.
E assim, pode-se entender que não
sabemos nada de semântica. Que o significado da independência nos diz pouco ou quase
nada, em pleno século XXI. Perdeu-se nas idas e vindas de uma tortuosa e
equivocada história, até se chegar ao sumo de seu antônimo, a dependência. No frigir
dos ovos, dispensando lentes de aumento, nos deparamos com uma dependência ampla,
profunda e plural, cujo peso sempre representou um obstáculo importante para
que chegássemos à independência.
Independência, como tantas outras
coisas nessa vida, requer vontade, coragem, disciplina, ousadia. Exemplos para
inspirar não faltam! A questão, portanto, é saber se algum dia o Brasil vai se
dar a oportunidade de se lançar, de peito aberto, nesse mar de incertezas que
uma verdadeira independência impõe. Se a história vai ganhar novos capítulos. Por
enquanto, como diz aquela velha canção, “Ainda
somos os mesmos...” 1.