terça-feira, 6 de setembro de 2022

Hora de rever seus conceitos e convicções


Hora de rever seus conceitos e convicções

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Assistindo aos shows do Jota Quest, da Iza, do Emicida (e convidados) e de Gilberto Gil e família, no Rock in Rio 2022, na noite de domingo, tive a nítida impressão de que a chuva que caiu sobre a cidade do Rock não foi de água; mas, do mais genuíno amor. Algo que anda tão em falta por aí, e naquele lugar transbordou como nunca!

Daí fiquei pensando na inutilidade do ódio, da violência, das intolerâncias e dos preconceitos. Tudo fica pequeno, se esvai, desaparece na força conjuntural do bem! Uma reflexão que foi acrescida, também, pela despedida da maior atleta do planeta, Serena Williams 1, cuja predestinação sublime desconstruiu todos os obstáculos para alçá-la ao lugar mais alto do panteão desportivo.

Pois é, a desqualificação do ser humano, seja porque motivo for, é inútil. Como escreveu Roberto Drummond, “O que Deus risca, ninguém rabisca” (Hilda Furacão). Aliás, algumas vezes, o excesso de desafios, de contratempos, de pedras no caminho, torna todo o processo de glória ainda mais extraordinário, ressaltando com mais destaque aquela figura humana a quem uns e outros gostariam de invisibilizar e de menosprezar.

Lamento, mas não adianta lutar contra as conjunturas! Não é o seu querer, ou o seu pseudopoder, que muda o curso da história. E não é porque estamos falando de celebridades. É porque ninguém tem o poder de impedir que a vida se desenrole e aconteça como está programado. Ninguém sabe o que vai acontecer consigo ou com o outro daqui a alguns segundos.

E voltando a questão do amor, ele é sim, uma força poderosíssima! Uma força que arrasta, que agrega, que sublima o que há de mais abjeto nesse mundo. A prova cabal estava ali, naqueles dois recortes da vida, no Centro Nacional de Tênis USTA Billie Jean King, em Nova Iorque, e no Parque Olímpico (cidade do Rock), no Rio de Janeiro. Milhares de seres humanos emanados pelos melhores sentimentos e emoções, torcendo juntos, cantando juntos, celebrando juntos. Ali não tinha tempo para mais nada além de alegria, de contentamento, de amor.

O que significa mais um exemplo claro, franco e objetivo, da inutilidade do ódio, da violência, das intolerâncias e dos preconceitos. Eles existem, eles acontecem; mas, eles são totalmente incapazes de ofuscar, de esconder, de impedir que seus antagonistas disputem palmo a palmo o espaço da vida.  Como dizem, “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira” 2.

Tentar impedir que o mundo conviva e coexista harmonicamente é, portanto, uma luta inglória. Por mais que as forças apocalípticas tentem fazer do planeta uma terra arrasada, árida, triste, infeliz, os bons continuam sendo maioria. O bem continua prevalecendo e hasteando sua bandeira por onde passa.

Todas as tentativas de destruição acabam se convertendo, de uma maneira ou de outra, em mais sementes do bem. Não há antídoto mais eficaz contra o mal do que o amor. E o sofrimento, a dor, a angústia, o desespero, ... sem se dar conta, muitas vezes, conduz as pessoas para os oásis do amor, a fim de que se recuperem, que se reergam, que se reconstruam pela perspectiva pacificadora do bem. E aí essa legião aumenta! Simples assim. 

Vejam, por exemplo, o que aconteceu na Argentina depois do atentado contra a vice-presidente Cristina Kirchner. O país estava dividido em relação a ela; mas, bastou uma ameaça tão explícita ao coletivo social, que as diferenças, as ideologias, os revanchismos, foram postos de lado em favor de um senso comum pelo bem humanitário, pelo bem da Democracia. Ou seja, o tiro falhou!

Diante de tudo isso, qualquer ser humano em sã consciência se constrangeria em permanecer insistindo nesse absurdo caótico do ódio, da violência, das intolerâncias e dos preconceitos, que não leva nada, ou ninguém, a lugar algum. O bem não se apaga. O bem não se esquece. O bem não morre. O bem não se silencia. O bem reverbera à revelia de quem quer que seja.

Independentemente da sua forma, do seu conteúdo, da sua personificação. O bem está na arte. Na cultura. No esporte. Na educação. Na ciência. Em mim. Em você. No outro. Sem se importar com raça, com credo, com status, com nada. Afinal, ele não precisa de justificativas, de argumentos, de pretextos. Ele apenas existe. Inteiro ou em partes, dependendo da ocasião.

Bem do amor. Bem da fraternidade. Bem da empatia. Bem da solidariedade. Bem do afeto. Bem da comunhão. Bem da alteridade. Bem ... é disso que o mundo precisa! Quando as forças nos faltam, quando o cansaço nos abate, quando tudo parece sem saída, é porque o bem nos falta como alimento diário. Então, é preciso olhar. É preciso lhe buscar.

Não se preocupe, o bem não custa caro! O bem não custa nada. Está acessível a qualquer um. Nos exemplos humanos, na natureza, no lúdico, na fé. Um pão que se multiplica sem fermento. Que se fornece quentinho a qualquer momento. Que está em mim, em você, em todo ser humano, cujo coração não se empederniu, cuja alma ainda consegue levitar.

Por isso, não perca mais tempo com inutilidades, com beligerâncias, com conflitos, com morticínios materiais e imateriais. Sua insistência em promovê-los não resultou no efeito esperado. Não deixou o mundo melhor, nem mais produtivo, nem mais habitável, nem mais perfeito dentro da sua idealização. Os seres humanos, de um jeito ou de outro, ainda choram, lamentam, lamuriam, sofrem e morrem um pouco a cada dia. Todos sem distinção, incluindo eu e você!

Não precisamos de um mundo idealizado sob esse ou qualquer outro viés. Precisamos de um mundo bom, amoroso, verdadeiramente humano. Um mundo em que seres humanos se reconheçam humanos e não precisem de distinções, de definições, de honrarias. Que seu valor esteja em sua essência mais genuína, no seu potencial, nas suas habilidades, nas suas competências.

Um mundo em que as diferenças possam ser discutidas e resolvidas com civilidade, no campo do justo, do bom e do belo. Que as diferenças não nos afastem, não nos desagreguem, não nos impeçam de sermos maiores coletivamente. Um mundo que nos permita amar sem fronteiras, cantar sem fronteiras, existir sem fronteiras.