Hora
de rever seus conceitos e convicções
Por
Alessandra Leles Rocha
Assistindo aos shows do Jota
Quest, da Iza, do Emicida (e convidados) e de Gilberto Gil e família, no Rock in Rio 2022, na noite de domingo, tive
a nítida impressão de que a chuva que caiu sobre a cidade do Rock não foi de
água; mas, do mais genuíno amor. Algo que anda tão em falta por aí, e naquele
lugar transbordou como nunca!
Daí fiquei pensando na
inutilidade do ódio, da violência, das intolerâncias e dos preconceitos. Tudo
fica pequeno, se esvai, desaparece na força conjuntural do bem! Uma reflexão
que foi acrescida, também, pela despedida da maior atleta do planeta, Serena
Williams 1, cuja predestinação sublime
desconstruiu todos os obstáculos para alçá-la ao lugar mais alto do panteão
desportivo.
Pois é, a desqualificação do ser
humano, seja porque motivo for, é inútil. Como escreveu Roberto Drummond, “O que Deus risca, ninguém rabisca” (Hilda
Furacão). Aliás, algumas vezes, o excesso de desafios, de contratempos, de
pedras no caminho, torna todo o processo de glória ainda mais extraordinário,
ressaltando com mais destaque aquela figura humana a quem uns e outros
gostariam de invisibilizar e de menosprezar.
Lamento, mas não adianta lutar
contra as conjunturas! Não é o seu querer, ou o seu pseudopoder, que muda o
curso da história. E não é porque estamos falando de celebridades. É porque
ninguém tem o poder de impedir que a vida se desenrole e aconteça como está
programado. Ninguém sabe o que vai acontecer consigo ou com o outro daqui a
alguns segundos.
E voltando a questão do amor, ele
é sim, uma força poderosíssima! Uma força que arrasta, que agrega, que sublima
o que há de mais abjeto nesse mundo. A prova cabal estava ali, naqueles dois
recortes da vida, no Centro Nacional de Tênis USTA Billie Jean King, em Nova Iorque,
e no Parque Olímpico (cidade do Rock), no Rio de Janeiro. Milhares de seres
humanos emanados pelos melhores sentimentos e emoções, torcendo juntos, cantando
juntos, celebrando juntos. Ali não tinha tempo para mais nada além de alegria,
de contentamento, de amor.
O que significa mais um exemplo
claro, franco e objetivo, da inutilidade do ódio, da violência, das
intolerâncias e dos preconceitos. Eles existem, eles acontecem; mas, eles são
totalmente incapazes de ofuscar, de esconder, de impedir que seus antagonistas
disputem palmo a palmo o espaço da vida.
Como dizem, “Os poderosos podem
matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira”
2.
Tentar impedir que o mundo conviva
e coexista harmonicamente é, portanto, uma luta inglória. Por mais que as
forças apocalípticas tentem fazer do planeta uma terra arrasada, árida, triste,
infeliz, os bons continuam sendo maioria. O bem continua prevalecendo e
hasteando sua bandeira por onde passa.
Todas as tentativas de destruição
acabam se convertendo, de uma maneira ou de outra, em mais sementes do bem. Não
há antídoto mais eficaz contra o mal do que o amor. E o sofrimento, a dor, a
angústia, o desespero, ... sem se dar conta, muitas vezes, conduz as pessoas
para os oásis do amor, a fim de que se recuperem, que se reergam, que se
reconstruam pela perspectiva pacificadora do bem. E aí essa legião aumenta!
Simples assim.
Vejam, por exemplo, o que
aconteceu na Argentina depois do atentado contra a vice-presidente Cristina
Kirchner. O país estava dividido em relação a ela; mas, bastou uma ameaça tão
explícita ao coletivo social, que as diferenças, as ideologias, os
revanchismos, foram postos de lado em favor de um senso comum pelo bem
humanitário, pelo bem da Democracia. Ou seja, o tiro falhou!
Diante de tudo isso, qualquer ser
humano em sã consciência se constrangeria em permanecer insistindo nesse
absurdo caótico do ódio, da violência, das intolerâncias e dos preconceitos,
que não leva nada, ou ninguém, a lugar algum. O bem não se apaga. O bem não se
esquece. O bem não morre. O bem não se silencia. O bem reverbera à revelia de
quem quer que seja.
Independentemente da sua forma,
do seu conteúdo, da sua personificação. O bem está na arte. Na cultura. No
esporte. Na educação. Na ciência. Em mim. Em você. No outro. Sem se importar
com raça, com credo, com status, com nada. Afinal, ele não precisa de
justificativas, de argumentos, de pretextos. Ele apenas existe. Inteiro ou em
partes, dependendo da ocasião.
Bem do amor. Bem da fraternidade.
Bem da empatia. Bem da solidariedade. Bem do afeto. Bem da comunhão. Bem da
alteridade. Bem ... é disso que o mundo precisa! Quando as forças nos faltam,
quando o cansaço nos abate, quando tudo parece sem saída, é porque o bem nos
falta como alimento diário. Então, é preciso olhar. É preciso lhe buscar.
Não se preocupe, o bem não custa
caro! O bem não custa nada. Está acessível a qualquer um. Nos exemplos humanos,
na natureza, no lúdico, na fé. Um pão que se multiplica sem fermento. Que se
fornece quentinho a qualquer momento. Que está em mim, em você, em todo ser
humano, cujo coração não se empederniu, cuja alma ainda consegue levitar.
Por isso, não perca mais tempo
com inutilidades, com beligerâncias, com conflitos, com morticínios materiais e
imateriais. Sua insistência em promovê-los não resultou no efeito esperado. Não
deixou o mundo melhor, nem mais produtivo, nem mais habitável, nem mais perfeito
dentro da sua idealização. Os seres humanos, de um jeito ou de outro, ainda choram,
lamentam, lamuriam, sofrem e morrem um pouco a cada dia. Todos sem distinção,
incluindo eu e você!
Não precisamos de um mundo
idealizado sob esse ou qualquer outro viés. Precisamos de um mundo bom,
amoroso, verdadeiramente humano. Um mundo em que seres humanos se reconheçam
humanos e não precisem de distinções, de definições, de honrarias. Que seu
valor esteja em sua essência mais genuína, no seu potencial, nas suas
habilidades, nas suas competências.
Um mundo em que as diferenças
possam ser discutidas e resolvidas com civilidade, no campo do justo, do bom e
do belo. Que as diferenças não nos afastem, não nos desagreguem, não nos
impeçam de sermos maiores coletivamente. Um mundo que nos permita amar sem fronteiras,
cantar sem fronteiras, existir sem fronteiras.
1 https://ge.globo.com/tenis/noticia/2022/09/02/serena-williams-perde-no-us-open-e-se-despede-do-tenis.ghtml
2 Citação atribuída a Che Guevara e a Pablo Neruda.