terça-feira, 6 de setembro de 2022

Não basta olhar para a pirâmide. É preciso olhar para o salário!


Não basta olhar para a pirâmide. É preciso olhar para o salário!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Caro (a) leitor (a), não é a pirâmide social estratificada que nos dá a verdadeira dimensão das desigualdades no país! É algo imerso nas suas entrelinhas chamada de remuneração. Sim, são nossos salários que dizem como são tratados os cidadãos brasileiros e o quanto estão próximos ou distantes da sua dignidade humana.

Entra governo sai governo e as políticas econômicas não se permitem fazer justiça aos trabalhadores. Na pirâmide do emprego, as vagas da base justificam os baixos salários pelo impacto numérico do contingente de trabalhadores sobre a carga tributária imposta ao empregador.  Quanto mais funcionários para uma dada função, então, menor são seus salários.

O que significa que em momento algum dessa história o salário é pensado em relação a sua capacidade de satisfazer à sobrevivência do trabalhador. Não importa se é pouco, se é suficiente ou não, o que importa é que ele não pode promover impactos que corroam a margem de lucros do empregador e a sustentabilidade do seu negócio ou meio de produção.

De modo que chegamos, no Brasil, a um ponto em que os salários não representam a remuneração adequada à carga horária cumprida, a função realizada, a qualificação do empregado e a garantia prevista na Constituição Federal de 1988, ou seja, um mínimo remuneratório que seja “capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim” (art. 7º, inciso IV).

Aliás, não é raro, diante do desemprego nacional, se deparar com a narrativa de que ter um emprego já é um privilégio. Uma tentativa desumana e cruel de justificar que qualquer remuneração possa ser aceitável dada a quantidade de pessoas sem uma ocupação formal no país. O que faz criar não só uma rotatividade de trabalhadores no mercado, para mitigar o gargalo formado pelo desajuste entre a oferta de vagas e o número de trabalhadores disponíveis; como, também, legitima a manutenção de atividades análogas à escravidão no país. 

O que muita gente, por aí, não entende é que esse movimento não favorece o desenvolvimento ou o progresso brasileiro. A retenção da renda produzida nas mãos de uma minoria é ruim para o próprio sistema econômico, porque ao criar obstáculos para a aquisição de bens, produtos e serviços, em razão dos baixíssimos salários oferecidos, os meios de produção trabalham abaixo da sua própria expectativa.

E não adianta pensar que somente a produção voltada para a exportação supre as demandas, porque não é bem assim. Considerando que o modelo econômico e de produção brasileiro encontra-se aquém dos níveis de competitividade internacional, o país não consegue somente pela via de exportação alcançar seus objetivos. Então, é fundamental que ele encontre respaldo de consumo interno. Daí a necessidade de um equilíbrio salarial.

Indivíduos mal remunerados consomem menos e apenas dentro de um contexto prioritário de demandas. Os supérfluos, as grandes vedetes da sociedade de consumo, passam, então, a serem lembrados esporadicamente, o que não impulsiona o circuito de novidades. Afinal, o novo no mundo contemporâneo é para ser consumido rapidamente. A demora o transforma em velho, dentro de um piscar de olhos, e não é isso que os meios de produção almejam!

O que estamos assistindo, portanto, em relação à suspensão temporária da lei que estabelece o piso salarial para a enfermagem 1, é um alerta importantíssimo quanto ao modo como as desigualdades operam no Brasil. É o ranço colonial histórico que não se envergonha de bradar, em alto e bom tom, a pujança nacional, desconsiderando e invisibilizando a força e o suor das camadas inferiores do estrato social brasileiro. Como se os resultados estivessem a cargo, única e exclusivamente, dos proprietários dos meios de produção e de seu tino comercial, operacionalizando vultosos recursos no sistema financeiro.

As impossibilidades ou inviabilidades apresentadas por gestores públicos e privados do sistema de saúde nacional para resistir à aplicação da lei, só existem porque eles próprios não se esforçam em atuar no sentido de mudanças que interrompam o ciclo de precarização e subvalorização do trabalho de enfermagem. Algo comum, no Brasil, para inúmeras categorias profissionais, tendo em vista de que essa política econômica vigente não se constrange de beneficiar alguns em detrimento de outros, como sempre aconteceu no país desde seus tempos coloniais.

Assim, é muito bom e oportuno que esse fato traga luz a uma discussão que vem sendo postergada e encarada como um tabu nacional para favorecer a continuidade dos interesses da elite minoritária nacional. Gente impregnada pela ideologia da direita e de seus matizes, que se coloca sempre na posição de definir e influenciar os rumos do país sob a alegação de que detém em suas mãos os poderes nacionais. Gente que faz jus ao que tão bem escreveu Darcy Ribeiro, ou seja, “O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a classe dominante enferma de desigualdade, de descaso”.