Não
basta olhar para a pirâmide. É preciso olhar para o salário!
Por
Alessandra Leles Rocha
Caro (a) leitor (a), não é a
pirâmide social estratificada que nos dá a verdadeira dimensão das
desigualdades no país! É algo imerso nas suas entrelinhas chamada de
remuneração. Sim, são nossos salários que dizem como são tratados os cidadãos
brasileiros e o quanto estão próximos ou distantes da sua dignidade humana.
Entra governo sai governo e as
políticas econômicas não se permitem fazer justiça aos trabalhadores. Na
pirâmide do emprego, as vagas da base justificam os baixos salários pelo
impacto numérico do contingente de trabalhadores sobre a carga tributária
imposta ao empregador. Quanto mais
funcionários para uma dada função, então, menor são seus salários.
O que significa que em momento
algum dessa história o salário é pensado em relação a sua capacidade de
satisfazer à sobrevivência do trabalhador. Não importa se é pouco, se é
suficiente ou não, o que importa é que ele não pode promover impactos que
corroam a margem de lucros do empregador e a sustentabilidade do seu negócio ou
meio de produção.
De modo que chegamos, no Brasil,
a um ponto em que os salários não representam a remuneração adequada à carga
horária cumprida, a função realizada, a qualificação do empregado e a garantia
prevista na Constituição Federal de 1988, ou seja, um mínimo remuneratório que
seja “capaz de atender às suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social,
com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim” (art. 7º, inciso IV).
Aliás, não é raro, diante do
desemprego nacional, se deparar com a narrativa de que ter um emprego já é um
privilégio. Uma tentativa desumana e cruel de justificar que qualquer
remuneração possa ser aceitável dada a quantidade de pessoas sem uma ocupação
formal no país. O que faz criar não só uma rotatividade de trabalhadores no
mercado, para mitigar o gargalo formado pelo desajuste entre a oferta de vagas
e o número de trabalhadores disponíveis; como, também, legitima a manutenção de
atividades análogas à escravidão no país.
O que muita gente, por aí, não
entende é que esse movimento não favorece o desenvolvimento ou o progresso
brasileiro. A retenção da renda produzida nas mãos de uma minoria é ruim para o
próprio sistema econômico, porque ao criar obstáculos para a aquisição de bens,
produtos e serviços, em razão dos baixíssimos salários oferecidos, os meios de
produção trabalham abaixo da sua própria expectativa.
E não adianta pensar que somente
a produção voltada para a exportação supre as demandas, porque não é bem assim.
Considerando que o modelo econômico e de produção brasileiro encontra-se aquém
dos níveis de competitividade internacional, o país não consegue somente pela
via de exportação alcançar seus objetivos. Então, é fundamental que ele
encontre respaldo de consumo interno. Daí a necessidade de um equilíbrio
salarial.
Indivíduos mal remunerados
consomem menos e apenas dentro de um contexto prioritário de demandas. Os
supérfluos, as grandes vedetes da sociedade de consumo, passam, então, a serem
lembrados esporadicamente, o que não impulsiona o circuito de novidades.
Afinal, o novo no mundo contemporâneo é para ser consumido rapidamente. A
demora o transforma em velho, dentro de um piscar de olhos, e não é isso que os
meios de produção almejam!
O que estamos assistindo,
portanto, em relação à suspensão temporária da lei que estabelece o piso
salarial para a enfermagem 1, é um
alerta importantíssimo quanto ao modo como as desigualdades operam no Brasil. É
o ranço colonial histórico que não se envergonha de bradar, em alto e bom tom,
a pujança nacional, desconsiderando e invisibilizando a força e o suor das
camadas inferiores do estrato social brasileiro. Como se os resultados
estivessem a cargo, única e exclusivamente, dos proprietários dos meios de
produção e de seu tino comercial, operacionalizando vultosos recursos no
sistema financeiro.
As impossibilidades ou
inviabilidades apresentadas por gestores públicos e privados do sistema de
saúde nacional para resistir à aplicação da lei, só existem porque eles
próprios não se esforçam em atuar no sentido de mudanças que interrompam o
ciclo de precarização e subvalorização do trabalho de enfermagem. Algo comum,
no Brasil, para inúmeras categorias profissionais, tendo em vista de que essa
política econômica vigente não se constrange de beneficiar alguns em detrimento
de outros, como sempre aconteceu no país desde seus tempos coloniais.
Assim, é muito bom e oportuno que esse fato traga luz a uma discussão que vem sendo postergada e encarada como um tabu nacional para favorecer a continuidade dos interesses da elite minoritária nacional. Gente impregnada pela ideologia da direita e de seus matizes, que se coloca sempre na posição de definir e influenciar os rumos do país sob a alegação de que detém em suas mãos os poderes nacionais. Gente que faz jus ao que tão bem escreveu Darcy Ribeiro, ou seja, “O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a classe dominante enferma de desigualdade, de descaso”.