Que
não restem mais dúvidas, reis e rainhas também morrem!
Por
Alessandra Leles Rocha
Que não restem mais dúvidas, reis
e rainhas também morrem! Parece absurdo dizer isso; mas, na verdade, não é! A contemporaneidade
que fluidifica e torna, ainda mais, fugaz a vida criou uma legião de seres
humanos tão narcisistas que eles se consideram imortais, infalíveis, indestrutíveis,
quando não são. Entretanto, não importa quem somos, o que fazemos, o que temos,
onde moramos... a morte sabe muito bem onde nos encontrar.
E se ela é uma certeza, a
longevidade é uma dádiva misteriosa. Ninguém sabe onde é o ponto final da
história! Em qualquer de repente a vida desaparece. Afinal de contas, somos
seres de carne e osso, susceptíveis e vulneráveis a milhares de circunstâncias
que escapam ao nosso controle. Não, não ficaremos para semente!
E mergulhando nessa reflexão, um
tanto quanto filosófica, encontrei muito menos sentido na realidade que nos
cerca. Ontem mesmo, o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) apresentado
pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) tecia considerações em
torno de um quadro de incertezas, de desesperanças, de extremismos e de
polarizações, obstaculizando o desenvolvimento humano global. E por que tudo
isso?
A efervescência caótica do
cotidiano contemporâneo, que coloca milhões de pessoas se digladiando por
cobiça, ganância, poder, influência, dominação ou qualquer outra intenção, é o
que cria e fomenta esse excesso de incertezas, de desesperanças, de extremismos
e de polarizações. Acontece que nada disso não cabe diante da obviedade maior
da existência humana que é a morte.
Esse tipo de comportamento e/ou
de ideologia é de uma inutilidade completa, na medida em que não muda o curso
da história de ninguém. Acumulamos bens, riquezas, propriedades; porém, todas
essas coisas não nos impedem de sermos alvejados, atingidos, pelas forças incontroláveis
das conjunturas cotidianas. Briga-se tanto, desgasta-se tanto, consome-se
tanto, e nem por isso, nos blindamos contra as dores, os sofrimentos, as angústias,
os desesperos, as inquietações do mundo.
E não é tudo isso contraditório às
aspirações de paz que se ouve amiúde por aí? Então. Posições, títulos, condecorações, prêmios,
fama, sucesso, notoriedade, fazem parte do mundo; mas, não subtraem ou extinguem
a humanidade que reside em todos nós. Quando o indivíduo morre, termina a saga
de um sujeito e tudo o que ele (a) conseguiu amealhar ao longo de sua existência
em termos materiais não segue consigo. Ele (a) vai só. Corpo e alma. Nada mais.
Talvez, por isso, o excesso de
incertezas, de desesperanças, de extremismos e de polarizações, apontado no RDH,
esteja alicerçado em algo bem mais profundo do que os próprios indicadores de
desenvolvimento humano. Pode ser que a repetição contínua de certos padrões comportamentais
e ideológicos, presentes na contemporaneidade, possam ter despertado a consciência
humana sobre a sua própria falta de sentido e de significância. Um verdadeiro
choque de realidade! Daí as pessoas se sentirem perdidas, desnorteadas,
infelizes.
Afinal de contas, a inversão de
crenças, valores e princípios a qual a humanidade foi submetida retirou de cena
o que era realmente prioritário e vital para sua sobrevivência. O Ter subtraiu
o equilíbrio da convivência e da coexistência e mergulhou as pessoas nas
profundezas do individualismo, tornando as relações e as identidades um bem
descartável e de pouca importância. De modo que toda a afetividade e a
sensibilidade foram transferidas para o campo da materialidade. Novidades. Lançamentos.
Um mundo material em intensa expansão para tentar aplacar as frustrações, as
decepções, os vazios existenciais a se proliferar dentro da alma.
Mas, como já é possível perceber,
não adiantou. Já ouviu a canção “Perdendo
Dentes” 1 , da banda mineira Pato Fu? Se não,
ouça. Ela é perfeita, no sentido de trazer luz a essas reflexões e nos devolver
a consciência sobre nossos caminhos e descaminhos no mundo. A ideia é promover
uma ruptura com excesso de idealizações, de projeções, de conjecturas
infundadas, distanciadas do que é, de fato, a realidade humana. Nus ou vestidos
de ouro, não importa. Não existe vida perfeita! Somos incompletos. Somos seres
em construção. Erramos. Acertamos. Caímos. Levantamos.
Até que um dia as cortinas se
fechem. Não haja mais aplausos ou reverências. E silêncios preencherão os
espaços. Os nossos e os dos outros. Tempo de fazer um balanço da vida. Perdas e
ganhos. Lucros e dividendos imateriais de uma existência. Fomos felizes? Fomos amados?
Fomos respeitados? Fomos percebidos? Fomos doidos? Fomos santos? Fomos quem?
Perguntas a serem respondidas com
o máximo da calma possibilitada a quem não precisa mais se perder nos
desatinos, na aflição, na ansiedade. E nesse momento, certamente, entenderemos que
o que sempre esteve em jogo, nessa história, foi existir. Existir é o que vale
a pena! Existir do jeito que somos, na nossa inteireza incompleta. É pelo
existir que nos mantemos vivos, inclusive, na eternidade!
1 Perdendo Dentes (Fernanda Takai / Joao Daniel Ulhoa) - https://www.youtube.com/watch?v=NLFUUiFAmew