Em
eterno flerte com os fisiologismos e seus afins
Por
Alessandra Leles Rocha
Depois de séculos apanhando das
mazelas decorrentes, em grande parte, da corrupção, é claro que a percepção a
respeito se acentuaria entre os cidadãos.
Paira uma indigesta indignação fermentada a doses generosas de
insatisfação diária, em relação a tais comportamentos; mas, ainda lhes carece a
clareza holística sobre todos os vieses em que se desdobram a corrupção
nacional. Particularmente quanto ao fisiologismo político.
Não sei se por ignorância ou por
mera seletividade de raciocínio, o fato é que grande parte da população
acredita que a corrupção se restrinja a si mesma, ou seja, que não tenha um
mecanismo suporte que a sustente. De modo que entram e saem legislaturas e o
mal permanece ora mais visível ora mais obscuro; mas, sempre lá, cumprindo os
ritos dilapidadores a que se propõe.
Porque embora não encontrem
amparo na legalidade, há tempos já se institucionalizaram na legitimidade
discursiva de que não exista outros caminhos para governar que não estes.
Então, acenam para a eleitor seu pseudorrepúdio à corrupção; mas, desconversam
ou silenciam em relação ao fisiologismo. O que significa que, batendo com vigor
a bateia, o problema não está nesse ou naquele cidadão e/ou partido, ou seja,
já está amplamente disseminado pelos escalões do poder.
Talvez seja preciso, então, com
certa urgência, que uma nova estirpe de eleitores emerja para promover uma
ruptura com esses paradigmas. Gente mais atenta e mais consciente sobre o seu
papel na manutenção de desvios tão graves. Sim, porque a conquista do direito
ao voto, também, não resume em si mesma. Direitos implicam em deveres, em
obrigações. Não basta saber de cor o número do candidato e digitá-lo na urna
eletrônica.
Aliás, verdade seja dita, muitos
eleitores passados poucos meses do pleito eleitoral nem se lembram para quem
destinaram voto. E se não lembram, certamente não cobrarão os compromissos
assumidos na plataforma de campanha. Dentro desse “modus operandi” de profunda imprevidência, o eleitor vai
retroalimentando os descaminhos da política, engordando o fisiologismo a fim de
perpetuar a corrupção.
É, caro (a) leitor (a), a
sociedade reclama; mas, se esquece de que tem culpa sobre seu próprio
infortúnio. Fazendo vista-grossa para os
registros da sua história, sem se preocupar em interromper o fluxo desastroso
das más práticas, os problemas foram se cronificando e acentuando as
consequências. Cada vez mais difíceis de solucionar.
A inação e o silêncio, ao
contrário do que muita gente acredita, não é solução de nada. Em curto prazo
eles mascaram o que vai fugir ao controle mais cedo ou mais tarde, atingindo a todos
em maior ou menor escala. No Brasil, talvez, isso se explique melhor pelo fato
de uma relação muito frágil das pessoas com a sua cidadania. O que é ser
cidadão não parece muito claro e bem compreendido por elas.
Já dizia Coco Chanel, “Não importa o lugar de onde você vem. O que
importa é quem você é! E quem você é? Você sabe? ”. Portanto, não sei se os
brasileiros sabem o que são, se compreendem o significado da sua identidade
nacional, da sua essência cidadã.
Digo isso, porque em pleno século
XXI observo vivo um espírito colonial pulsante, como nos idos séculos em que vivíamos
sob a batuta da metrópole portuguesa. É só revisitar brevemente as páginas da
história para se surpreender com um “antes" e “depois” de extrema similaridade;
sobretudo, nos campos da política e sociais. Uma República com extrema afeição
monarquista; já pensou?!
Tudo isso pode ser engraçado;
mas, não é e nem deveria. Essa resistência à transformação, à evolução dos
tempos, é profundamente nociva; especialmente, quando se trata de abolir com
hábitos e comportamentos prejudiciais à própria sobrevivência social,
constituindo camadas de desigualdade e indignidade sem fim. Está nas mãos da
sociedade se reposicionar diante dos fatos, harmonizando discursos e ações,
desconstruindo tamanhos malefícios e contradições.
Mas, enquanto houver quem se
sinta justificado por esse cenário para promover as suas “pequenas corrupções”
no seio de sua própria teia fisiológica, tudo permanecerá como está.
Choramingos e aplausos disputando o mesmo espaço na sinfonia dos desafinados; em
eterno flerte com os fisiologismos e seus afins.