domingo, 31 de janeiro de 2021

Em eterno flerte com os fisiologismos e seus afins


Em eterno flerte com os fisiologismos e seus afins

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Depois de séculos apanhando das mazelas decorrentes, em grande parte, da corrupção, é claro que a percepção a respeito se acentuaria entre os cidadãos.  Paira uma indigesta indignação fermentada a doses generosas de insatisfação diária, em relação a tais comportamentos; mas, ainda lhes carece a clareza holística sobre todos os vieses em que se desdobram a corrupção nacional. Particularmente quanto ao fisiologismo político.

Não sei se por ignorância ou por mera seletividade de raciocínio, o fato é que grande parte da população acredita que a corrupção se restrinja a si mesma, ou seja, que não tenha um mecanismo suporte que a sustente. De modo que entram e saem legislaturas e o mal permanece ora mais visível ora mais obscuro; mas, sempre lá, cumprindo os ritos dilapidadores a que se propõe.

Porque embora não encontrem amparo na legalidade, há tempos já se institucionalizaram na legitimidade discursiva de que não exista outros caminhos para governar que não estes. Então, acenam para a eleitor seu pseudorrepúdio à corrupção; mas, desconversam ou silenciam em relação ao fisiologismo. O que significa que, batendo com vigor a bateia, o problema não está nesse ou naquele cidadão e/ou partido, ou seja, já está amplamente disseminado pelos escalões do poder.

Talvez seja preciso, então, com certa urgência, que uma nova estirpe de eleitores emerja para promover uma ruptura com esses paradigmas. Gente mais atenta e mais consciente sobre o seu papel na manutenção de desvios tão graves. Sim, porque a conquista do direito ao voto, também, não resume em si mesma. Direitos implicam em deveres, em obrigações. Não basta saber de cor o número do candidato e digitá-lo na urna eletrônica.

Aliás, verdade seja dita, muitos eleitores passados poucos meses do pleito eleitoral nem se lembram para quem destinaram voto. E se não lembram, certamente não cobrarão os compromissos assumidos na plataforma de campanha. Dentro desse “modus operandi” de profunda imprevidência, o eleitor vai retroalimentando os descaminhos da política, engordando o fisiologismo a fim de perpetuar a corrupção.

É, caro (a) leitor (a), a sociedade reclama; mas, se esquece de que tem culpa sobre seu próprio infortúnio.  Fazendo vista-grossa para os registros da sua história, sem se preocupar em interromper o fluxo desastroso das más práticas, os problemas foram se cronificando e acentuando as consequências. Cada vez mais difíceis de solucionar.

A inação e o silêncio, ao contrário do que muita gente acredita, não é solução de nada. Em curto prazo eles mascaram o que vai fugir ao controle mais cedo ou mais tarde, atingindo a todos em maior ou menor escala. No Brasil, talvez, isso se explique melhor pelo fato de uma relação muito frágil das pessoas com a sua cidadania. O que é ser cidadão não parece muito claro e bem compreendido por elas.

Já dizia Coco Chanel, “Não importa o lugar de onde você vem. O que importa é quem você é! E quem você é? Você sabe? ”. Portanto, não sei se os brasileiros sabem o que são, se compreendem o significado da sua identidade nacional, da sua essência cidadã. 

Digo isso, porque em pleno século XXI observo vivo um espírito colonial pulsante, como nos idos séculos em que vivíamos sob a batuta da metrópole portuguesa. É só revisitar brevemente as páginas da história para se surpreender com um “antes" e “depois” de extrema similaridade; sobretudo, nos campos da política e sociais. Uma República com extrema afeição monarquista; já pensou?!

Tudo isso pode ser engraçado; mas, não é e nem deveria. Essa resistência à transformação, à evolução dos tempos, é profundamente nociva; especialmente, quando se trata de abolir com hábitos e comportamentos prejudiciais à própria sobrevivência social, constituindo camadas de desigualdade e indignidade sem fim. Está nas mãos da sociedade se reposicionar diante dos fatos, harmonizando discursos e ações, desconstruindo tamanhos malefícios e contradições.

Mas, enquanto houver quem se sinta justificado por esse cenário para promover as suas “pequenas corrupções” no seio de sua própria teia fisiológica, tudo permanecerá como está. Choramingos e aplausos disputando o mesmo espaço na sinfonia dos desafinados; em eterno flerte com os fisiologismos e seus afins.