Indignados,
e???
Por
Alessandra Leles Rocha
Em meio aos avanços do Sars-Cov-2
surgiu, também, o vírus da indignação. Razões para nos sentirmos indignados não
faltam. Teria sido melhor evitá-lo, usando mais o bom senso, a razão, a consciência;
mas, “antes tarde do que nunca”. O
péssimo hábito de deixar rolar, de pagar para ver, nunca deveria ser opção
porque a conta vem sempre muita alta.
Só que agora estamos indignados,
e??? Por si só esse sentimento não vai colocar a casa em ordem e nem
transformar tudo em um piscar de olhos. A indignação acelera a circulação, as
batidas do coração, mas não acelera o tempo; pois, o ritmo da vida obedece ao desenho
que foi pensado dentro de uma conjuntura. Certo ou errado é assim que funciona.
Quantas outras vezes já vi gente
indignada arrancando os cabelos da cabeça e depois se repetindo nos mesmos
erros. A indignação lhes foi insuficiente para reverem os conceitos, quebrarem
os paradigmas obsoletos, desconstruírem as narrativas esfarrapadas. Porque ela
incendeia num dado momento; mas, depois... depois suas cinzas caem no poço
profundo do esquecimento, soterradas por outras pilhas de indignações variadas que
vão surgindo dia a dia.
Aprendi com os anos que as
perspectivas acompanham o olhar pessoal de cada um. Por isso não é possível
afirmar, nesse dado instante, que na sua coletividade mais inteira possível
emana os mesmos sentimentos de indignação. Ensimesmados em suas bolhas de
individualismo, muitos não estão nem aí para o que acontece além de seu próprio
mundinho. Suas “indignações” não passam de azedume queixoso de quem não sabe a extensão
da complexidade da (com) vivência humana. O que torna inútil a espera de que haja
mesmo um consenso.
Talvez seja isso o que esteja
exaurindo, além da conta, a nossa energia enquanto coletividade. Porque a
indignação quando rompe o casulo significa um estado limítrofe do caos. São situações
graves, urgentes, sérias o bastante para romper com a alienação, com a espera. Tratam-se
de constelações de problemas, cuja estrela central é orbitada por inúmeras outras,
que desencadeiam desequilíbrios em direções, sentidos e velocidades devastadoras.
No momento, a pandemia é o centro; mas, diversas outras questões no país
influenciam nos níveis de tensão e, por consequência, de indignação.
Entre escombros de uma realidade
que somatiza centenas de milhares de mortos e infectados por um vírus, a
sociedade caminha sobre trilhas de desalento, de miséria, de desemprego, de violência,
de corrupção, ... um panorama que, inevitavelmente, compromete a resiliência, a
perseverança, a capacidade de acreditar no amanhã; mas, inflama a chama
indignada, ou pelo menos deveria.
De modo que esse “processo” enfraquece
o ânimo, o espírito humano, porque mexe nas raízes mais profundas da mente, o
centro de controle absoluto das emoções e dos sentimentos. Como se ligássemos
um motor a explosão e ele consumisse de uma só vez todo o combustível. O que
faz com que a indignação, nesses moldes, se resuma a mero ato simbólico de
dignidade, ou seja, o que resta depois que a consciência entorpecida pela displicência
se abdicou de pensar e agir no tempo certo, causando dramas, prejuízos e falências.
Uma gota de fino perfume no fundo do frasco.
Pouco? Talvez sim. Talvez não. Vai
depender de como redescobrir, a partir dessa indignação, os caminhos que levem
as soluções necessárias. Coco Chanel dizia, “Já
que tudo está na nossa cabeça, é melhor a gente não perdê-la”; por isso, a
indignação deve ferver em fogo baixo para não comprometer os sentidos,
incluindo a coragem. Porque “Perigos e
dificuldade não nos travaram no passado e não nos assustarão agora, mas devemos
preparar-nos para eles, como homens determinados quanto ao que pretendem e que
não perdem tempo com conversas vãs e inação” (Nelson Mandela).