sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Indignados, e???


Indignados, e???

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Em meio aos avanços do Sars-Cov-2 surgiu, também, o vírus da indignação. Razões para nos sentirmos indignados não faltam. Teria sido melhor evitá-lo, usando mais o bom senso, a razão, a consciência; mas, “antes tarde do que nunca”. O péssimo hábito de deixar rolar, de pagar para ver, nunca deveria ser opção porque a conta vem sempre muita alta.

Só que agora estamos indignados, e??? Por si só esse sentimento não vai colocar a casa em ordem e nem transformar tudo em um piscar de olhos. A indignação acelera a circulação, as batidas do coração, mas não acelera o tempo; pois, o ritmo da vida obedece ao desenho que foi pensado dentro de uma conjuntura. Certo ou errado é assim que funciona.

Quantas outras vezes já vi gente indignada arrancando os cabelos da cabeça e depois se repetindo nos mesmos erros. A indignação lhes foi insuficiente para reverem os conceitos, quebrarem os paradigmas obsoletos, desconstruírem as narrativas esfarrapadas. Porque ela incendeia num dado momento; mas, depois... depois suas cinzas caem no poço profundo do esquecimento, soterradas por outras pilhas de indignações variadas que vão surgindo dia a dia.

Aprendi com os anos que as perspectivas acompanham o olhar pessoal de cada um. Por isso não é possível afirmar, nesse dado instante, que na sua coletividade mais inteira possível emana os mesmos sentimentos de indignação. Ensimesmados em suas bolhas de individualismo, muitos não estão nem aí para o que acontece além de seu próprio mundinho. Suas “indignações” não passam de azedume queixoso de quem não sabe a extensão da complexidade da (com) vivência humana. O que torna inútil a espera de que haja mesmo um consenso.

Talvez seja isso o que esteja exaurindo, além da conta, a nossa energia enquanto coletividade. Porque a indignação quando rompe o casulo significa um estado limítrofe do caos. São situações graves, urgentes, sérias o bastante para romper com a alienação, com a espera. Tratam-se de constelações de problemas, cuja estrela central é orbitada por inúmeras outras, que desencadeiam desequilíbrios em direções, sentidos e velocidades devastadoras. No momento, a pandemia é o centro; mas, diversas outras questões no país influenciam nos níveis de tensão e, por consequência, de indignação.

Entre escombros de uma realidade que somatiza centenas de milhares de mortos e infectados por um vírus, a sociedade caminha sobre trilhas de desalento, de miséria, de desemprego, de violência, de corrupção, ... um panorama que, inevitavelmente, compromete a resiliência, a perseverança, a capacidade de acreditar no amanhã; mas, inflama a chama indignada, ou pelo menos deveria.

De modo que esse “processo” enfraquece o ânimo, o espírito humano, porque mexe nas raízes mais profundas da mente, o centro de controle absoluto das emoções e dos sentimentos. Como se ligássemos um motor a explosão e ele consumisse de uma só vez todo o combustível. O que faz com que a indignação, nesses moldes, se resuma a mero ato simbólico de dignidade, ou seja, o que resta depois que a consciência entorpecida pela displicência se abdicou de pensar e agir no tempo certo, causando dramas, prejuízos e falências. Uma gota de fino perfume no fundo do frasco.

Pouco? Talvez sim. Talvez não. Vai depender de como redescobrir, a partir dessa indignação, os caminhos que levem as soluções necessárias. Coco Chanel dizia, “Já que tudo está na nossa cabeça, é melhor a gente não perdê-la”; por isso, a indignação deve ferver em fogo baixo para não comprometer os sentidos, incluindo a coragem. Porque “Perigos e dificuldade não nos travaram no passado e não nos assustarão agora, mas devemos preparar-nos para eles, como homens determinados quanto ao que pretendem e que não perdem tempo com conversas vãs e inação” (Nelson Mandela).


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