Qual
é a régua da “normalidade”?
Por
Alessandra Leles Rocha
A reflexão de hoje é sobre Saúde
Mental. Ao contrário de lançar todo o peso da responsabilidade dessa questão
sobre a Pandemia, o mais prudente e correto é admitir que o assunto já andava
de mal a pior há tempos. Seres humanos e suas relações sociais vêm promovendo
estragos e deteriorando a Saúde Mental a olhos vistos, a partir do momento em
que tecem entre si uma trama de tensões, controles e punições que beiram as
raias do intolerável.
E ao contrário de perceber a
gravidade de tudo isso e rever tais práticas, a sociedade segue cada vez mais
altiva no seu jogo de força e poder, em busca de uma “pseudosseleção natural” que
fizesse com que, supostamente, indivíduos mais “fortes” sobrevivessem a esse
mar de investidas competitivamente perversas e cruéis.
Porém, seres humanos são
biologicamente limitados. E no que tange à Saúde Mental, esses limites são
ainda mais difíceis de precisar, pois estão fundamentados na essência e nos
valores particulares de cada indivíduo. De modo que esse movimento de “esticar a corda” para ver no que vai
acontecer é uma temeridade.
Em 2019, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) já alertava sobre o aumento dos casos de suicídio entre jovens de
15 a 29 anos no mundo, como a segunda causa de mortes no planeta. “A cada 40
segundos uma pessoa se suicida, sendo que 79% dos casos se concentram em países
de baixa e média renda”1.
O que desconstrói várias
impressões sociais. Parece que os jovens não são tão felizes, alegres, entusiásticos
como se acredita. O mundo das incertezas, da carência de respostas rápidas e precisas,
a fluidez das relações humanas, a fragilidade das perspectivas econômicas,
enfim... um misto de fatores que vão contribuindo para a exacerbação do desalento
entre as pessoas; sobretudo, aquelas que estão iniciando a sua jornada
existencial.
Enquanto os olhos da sociedade se
fecham sobre cada um desses aspectos individualmente, sem conseguir de fato
resolvê-los ou mitiga-los de maneira mais satisfatória, os processos vão se
retroalimentando e cronificando as dificuldades a tal ponto que não apenas
vidas são perdidas; mas, grandes contingentes de mão de obra, de mercado consumidor,
de talentos em diversas áreas do conhecimento etc.
E quando não chegam ao extremo do
suicídio, não significa que estão menos doentes no campo dos aspectos mentais. Cada
passo que a Revolução Industrial deu, desde a segunda metade do século XVIII
até este momento, impactou diretamente na forma com a qual os seres humanos
reagem as exigências, aos desafios, as mudanças no estilo de vida; mas,
particularmente, ao seu modo de se relacionar com as próprias ideias e emoções.
Como se tivessem surgido novas
arenas e tribunais de inquisição, o cotidiano tem se transformado em uma moenda
de almas, cujo extrato exala toda a dor e o sofrimento humano. Depressão,
Angústia, Ansiedade, Vícios e Compulsões, ... são exemplos do que padece a
humanidade. Que a fazem lotar os consultórios e enriquecer a indústria farmacêutica,
ou abrir espaço para as terapias holísticas e naturais, como praticam os
orientais.
A existência, portanto, dessa “insalubridade
mental” tem feito a vida escorrer entre os dedos, o que significa o apogeu do desequilíbrio,
a destruição do balizamento harmonioso da consciência humana. O stress, as
brigas e discussões, os atrasos, as advertências, as doenças, as incapacidades
e limitações, os isolamentos sociais, ... todos esses elementos passaram a
orbitar o cotidiano e construir uma atmosfera tóxica e asfixiante.
Isso me faz lembrar um texto de
Rubem Alves intitulado “Saúde Mental” 2,
que em linhas gerais nos faz entender que toda essa insalubridade permeando
nossas mentes é consequência das simbioses ingerentes entre pessoas doentes, ou
seja, todo o excesso de rigor e pragmatismo imposto a controlar a sociedade e a
moldá-la dentro de padrões pré-determinados resulta no adoecimento das suas
liberdades, da sua identidade, da sua criatividade, da sua vontade de viver, em
decorrência do bombardeamento da lucidez.
Quando a vida parecer pesada
demais, difícil demais, cansativa demais... lembre-se de que o (a) protagonista
da história é você. Rir ou chorar, calar ou gritar, obedecer ou sonhar,... só
cabe a você a decisão sobre o roteiro a executar. O relógio da vida não espera
e, talvez, as correntes que mais aprisionem e adoeçam sejam aquelas construídas
pelos arrependimentos em não ter seguido o próprio instinto. Na sutileza esses
arrependimentos adoecem as pessoas e, se não matam, petrificam a alma. E o
mundo que te levou a ficar assim, talvez, nem se lembrará que você algum dia
existiu e teve a sua importância.
Descubra, então, por você mesmo
(a) qual é a régua da “normalidade”, da sua Saúde Mental, porque “Do rio que tudo arrasta se diz que é
violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem” (Bertolt
Brecht – dramaturgo e poeta alemão do século XX).