quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Qual é a régua da “normalidade”?


Qual é a régua da “normalidade”?

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

A reflexão de hoje é sobre Saúde Mental. Ao contrário de lançar todo o peso da responsabilidade dessa questão sobre a Pandemia, o mais prudente e correto é admitir que o assunto já andava de mal a pior há tempos. Seres humanos e suas relações sociais vêm promovendo estragos e deteriorando a Saúde Mental a olhos vistos, a partir do momento em que tecem entre si uma trama de tensões, controles e punições que beiram as raias do intolerável.

E ao contrário de perceber a gravidade de tudo isso e rever tais práticas, a sociedade segue cada vez mais altiva no seu jogo de força e poder, em busca de uma “pseudosseleção natural” que fizesse com que, supostamente, indivíduos mais “fortes” sobrevivessem a esse mar de investidas competitivamente perversas e cruéis.

Porém, seres humanos são biologicamente limitados. E no que tange à Saúde Mental, esses limites são ainda mais difíceis de precisar, pois estão fundamentados na essência e nos valores particulares de cada indivíduo. De modo que esse movimento de “esticar a corda” para ver no que vai acontecer é uma temeridade.

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertava sobre o aumento dos casos de suicídio entre jovens de 15 a 29 anos no mundo, como a segunda causa de mortes no planeta. “A cada 40 segundos uma pessoa se suicida, sendo que 79% dos casos se concentram em países de baixa e média renda”1.

O que desconstrói várias impressões sociais. Parece que os jovens não são tão felizes, alegres, entusiásticos como se acredita. O mundo das incertezas, da carência de respostas rápidas e precisas, a fluidez das relações humanas, a fragilidade das perspectivas econômicas, enfim... um misto de fatores que vão contribuindo para a exacerbação do desalento entre as pessoas; sobretudo, aquelas que estão iniciando a sua jornada existencial.

Enquanto os olhos da sociedade se fecham sobre cada um desses aspectos individualmente, sem conseguir de fato resolvê-los ou mitiga-los de maneira mais satisfatória, os processos vão se retroalimentando e cronificando as dificuldades a tal ponto que não apenas vidas são perdidas; mas, grandes contingentes de mão de obra, de mercado consumidor, de talentos em diversas áreas do conhecimento etc.

E quando não chegam ao extremo do suicídio, não significa que estão menos doentes no campo dos aspectos mentais. Cada passo que a Revolução Industrial deu, desde a segunda metade do século XVIII até este momento, impactou diretamente na forma com a qual os seres humanos reagem as exigências, aos desafios, as mudanças no estilo de vida; mas, particularmente, ao seu modo de se relacionar com as próprias ideias e emoções.

Como se tivessem surgido novas arenas e tribunais de inquisição, o cotidiano tem se transformado em uma moenda de almas, cujo extrato exala toda a dor e o sofrimento humano. Depressão, Angústia, Ansiedade, Vícios e Compulsões, ... são exemplos do que padece a humanidade. Que a fazem lotar os consultórios e enriquecer a indústria farmacêutica, ou abrir espaço para as terapias holísticas e naturais, como praticam os orientais.  

A existência, portanto, dessa “insalubridade mental” tem feito a vida escorrer entre os dedos, o que significa o apogeu do desequilíbrio, a destruição do balizamento harmonioso da consciência humana. O stress, as brigas e discussões, os atrasos, as advertências, as doenças, as incapacidades e limitações, os isolamentos sociais, ... todos esses elementos passaram a orbitar o cotidiano e construir uma atmosfera tóxica e asfixiante.

Isso me faz lembrar um texto de Rubem Alves intitulado “Saúde Mental” 2, que em linhas gerais nos faz entender que toda essa insalubridade permeando nossas mentes é consequência das simbioses ingerentes entre pessoas doentes, ou seja, todo o excesso de rigor e pragmatismo imposto a controlar a sociedade e a moldá-la dentro de padrões pré-determinados resulta no adoecimento das suas liberdades, da sua identidade, da sua criatividade, da sua vontade de viver, em decorrência do bombardeamento da lucidez.

Quando a vida parecer pesada demais, difícil demais, cansativa demais... lembre-se de que o (a) protagonista da história é você. Rir ou chorar, calar ou gritar, obedecer ou sonhar,... só cabe a você a decisão sobre o roteiro a executar. O relógio da vida não espera e, talvez, as correntes que mais aprisionem e adoeçam sejam aquelas construídas pelos arrependimentos em não ter seguido o próprio instinto. Na sutileza esses arrependimentos adoecem as pessoas e, se não matam, petrificam a alma. E o mundo que te levou a ficar assim, talvez, nem se lembrará que você algum dia existiu e teve a sua importância.

Descubra, então, por você mesmo (a) qual é a régua da “normalidade”, da sua Saúde Mental, porque “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem” (Bertolt Brecht – dramaturgo e poeta alemão do século XX).