sábado, 6 de fevereiro de 2021

Atrás da fumaça...


Atrás da fumaça...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Uma das mais importantes lições que a Pandemia ensinou é a de que o “de repente” é algo incontrolável e plenamente perturbável. Controles existem só até a página dois da história, porque a força das conjunturas, de tudo aquilo que está além dos nossos desejos e percepções, é avassaladora.

Lendo e relendo vários pensadores e grandes jornalistas, desde as eleições de 2018, há elementos suficientes em suas narrativas que se repetem continuamente. Um deles, que inclusive causava estranheza por trazer a impressão do fim para o começo, era a eleição de 2022 antes mesmo do curso de governo do pleito de 2018.

Aliás, quer se enganar quem pensa que tudo o que parece fora de ordem e de lógica, um verdadeiro absurdo nas falas do atual presidente, não seja proposital. Algo tão significativo que me faz lembrar as palavras de Chaplin, “Se tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando. Falei como um palhaço, mas jamais duvidei da sinceridade da plateia que sorria”.  

Exceto pela Pandemia, o restante já estava em maior ou menor escala delineado para ser dito, para acontecer. E a discussão em torno de uma reeleição em 2022 sempre foi uma pauta pétrea para ele.

Enquanto fato aparentemente distante em razão do tempo, no campo discursivo 2022 talvez possa ser considerada a melhor de todas as cortinas de fumaça para esse governo. Preocupados em combater os diversos focos de problemas graves que explodem no país a todo instante, seus oponentes políticos; bem como, toda a mídia, ao se debruçarem sobre a dinâmica da futura eleição abrem um flanco imenso para que as “boiadas” do atual governo possam passar sem resistência.

É como se transformassem a discussão sobre 2022 em matéria de capa, atraindo olhares e reflexões de todos, tornando menos perceptíveis à atenção ao restante do que acontece no país. Estão secundarizando questões fundamentais, cujos prejuízos já se fazem sentidos por grande parte da população. E isso é muito grave, porque o movimento dessas forças de desconstrução e remodelação impositiva podem lançar o país a um abismo que tornará a própria eleição de 2022 um assunto menor.

Caro (a) leitor (a), como se vê não é a Pandemia que faz fumaça! Fomentar, retroalimentar esse falatório é muito providencial ao governo. Faz parte do projeto de poder que ele idealizou. Basta observar as escolhas políticas que ele tem feito desde o início e a forma com a qual ele move as peças no tabuleiro. A própria ruptura entre o discurso de campanha e a prática governista é um exemplo disso. Foi tudo rápido. Os laços foram desatados num piscar de olhos e as principais promessas abandonadas no meio do caminho.

Me admira muito, então, ver como as pessoas estão se deixando conduzir por esse viés, dessa forma. Dando corda e atenção para essa fumaça, quando, na verdade, o que arde em chamas e se transforma em cinzas são “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais” 1.

Portanto não sejamos aquilo que escreveu Salvador Dalí, “O palhaço não sou eu, mas sim esta sociedade cínica e tão ingenuamente inconsciente que joga ao jogo da seriedade para melhor esconder a loucura”. Sem o presente não há o futuro. A continuar como estamos, a discussão restará em torno de escombros de um país esfacelado, em meio as sombras de uma Democracia que um dia tentou florescer. Haverá poder; mas, não haverá país. Como também, não haverá ordem, ou progresso, ou riqueza. Só um espelho para se enxergar a vulnerabilidade, a indigência, a insignificância humana em todas as suas formas.

 



1 Art. 3º, CF de 1988. 

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