Mariana...
Brumadinho... Brasil...
Por
Alessandra Leles Rocha
Há dois anos o Brasil viu repetir
uma tragédia ambiental. Era Brumadinho, MG. Isso porque, quatro anos antes, uma
outra havia ocorrido em Mariana, MG. Fruto do descaso e da omissão
governamental, de grandes empresas e, de algum modo, da própria sociedade que
se absteve e se abstém de exercer o seu papel cidadão consciente e
fiscalizador.
De uma hora para outra o país
passou a se dar conta da dimensão dos impactos negativos que se escondem atrás dos
grandes empreendimentos; sobretudo, os mineradores. Entre acenos e promessas no campo das
melhorias aos municípios e seus Estados, na geração de emprego e renda para a
população, as preocupações parecem se esvair como fumaça e dar lugar a uma
esperança gigantesca por dias melhores. Que durante algum tempo podem até se
configurar realidade; mas, o que está destinado ao risco um dia cobra o seu
preço.
Nesse caso, cobrou duas vezes nas
tragédias; mas, vem cobrando muitas outras mais da própria sociedade local. Cobranças
diretas e indiretas que fazem reviver todos os dias as feridas abertas pelo o
que aconteceu. Ainda há corpos não encontrados. Ainda há pessoas desalojadas. Ainda
há lembranças irrecuperáveis. Ainda há tanto por fazer e tentar restaurar.
E por mais solidários que sejam
os brasileiros, essa dor, desde o primeiro momento, pareceu muito pontual. Difícil
de projetar em significância, em profundidade, para se apropriar e realmente
entender. Aquelas eram vidas que existiam sob uma realidade muito particular,
muito específica daquele lugar; dentro de uma mineiridade meio urbana meio
rural, permeada de simplicidade e delicadeza, como se presa a um recorte de um
tempo bom.
Mas, como a vida tem lá a sua dinâmica,
eis que, de repente, o mundo foi arrebatado por um vírus desconhecido num
piscar de olhos, também. Dessa vez, seriam bilhões de seres humanos
surpreendidos por uma nova realidade que os desalojaria das suas zonas de conforto
e lhes imporia um novo modo de viver.
As centenas de milhares iriam
morrer dessa vez. Em comum, com aquelas tragédias mineiras, a dor de uma
despedida à distância, silenciosa, sem afagos, sem afeto. Um rito esvaziado
pela impossibilidade repentina de um simples adeus. Corpos em valas comuns,
abertas em esforços diários para dar vazão ao morticínio da doença.
E na medida dos dias, do isolamento,
das incertezas, de uma vida virada de cabeça para baixo estávamos mais próximos
de Brumadinho e Mariana, do que poderíamos algum dia supor. Ainda que a
realidade das barragens continuasse não nos pertencendo, as fronteiras do mundo
haviam sido implodidas para que experenciássemos o significado mais difícil do
inesperado.
Dessa vez, não era obra do homem;
mas, permanecia totalmente dependente do seu protagonismo, da sua inciativa, da
sua humanidade para resolver. Afinal de contas, a fila do desalento ficou muito
maior. Todos perderam. De um jeito ou de outro, a corrente de impacto
confrontou a todos.
Se havia alguém que não tivesse
entendido muito bem a situação em Brumadinho e Mariana, dispensando comentários
infelizes e/ou inoportunos, o COVID-19 chegou para deixar tudo em pratos
limpos. Inclusive, de uma maneira melhor do que qualquer lição de moral, ou seja,
pela vivência pessoal. E aprender na escola da vida pode ser muito mais desafiador e
significativo do que se possa imaginar.
Hoje, podemos verdadeiramente
compartilhar as lágrimas, a dor, a angústia, o sofrimento e tudo mais que esses
brasileiros começaram a sentir bem antes de nós. Agora sim, temos lastro para
tecer essa empatia, porque vimos pela luz de nossos olhos o espelho da alma de
cada um deles. Nossas demandas são deles e as deles são nossas também. Quaisquer
que sejam as circunstâncias desafiadoras para quaisquer entes dessa federação, elas
são de todos, porque o país é um todo indivisível. Que não nos esqueçamos disso
jamais: as tragédias não escolhem geografia.