Leitura.
Literatura... O fantástico mundo das palavras.
Por
Alessandra Leles Rocha
Vez por outra, discussões
literárias emergem furiosas na sociedade, o que de certo modo é muito bom. No
entanto, há de se permitir uma análise que seja a mais ampla e plural possível
para não cair no raso das ideias.
Partindo do ponto de que a
leitura será sempre a melhor ferramenta de compreensão do ser humano e da vida,
ela representa o eixo de sustentação para a aquisição, reformulação e
construção de todo o conhecimento. Por isso, de bulas de medicamentos a manuais
técnicos as pessoas estão sempre exercitando a tarefa de ler.
Concordo que nem sempre se trata
de uma leitura espontânea, correta, aprofundada, como deveria ser; mas, leem. O
corre-corre do mundo contemporâneo tem prejudicado a leitura e a conduzido para
um nível de superficialidade preocupante. Absorvidos por uma pressa borbulhante,
os seres humanos têm se tornado exímios leitores de títulos e manchetes; bem
como, alvos fáceis para a desinformação por meio de Fake News.
De modo que as leituras ao invés
de rechaçarem esse movimento, por meio de uma argumentação consistente,
passaram a tentar se enquadrar a nova realidade. O que significa que abdicaram
de muitos de seus parâmetros constitutivos para tornarem-se mais palatáveis ao público
leitor, ou seja, textos cuja compreensão ficou cada vez menos exigente. Não diria
uma leitura descartável; mas, com um teor de qualidade visivelmente aquém para
contribuir com a formação intelectual do indivíduo.
O que poderia interferir nessa dinâmica
são os profissionais do campo das línguas e literaturas. No entanto, eles foram
traídos pelas conjunturas burocráticas, que lhes tolheram em muito as
possibilidades; sobretudo, nas escolas públicas. Nem sempre os alunos são
presenteados com professores diferentes, cada um voltado a trabalhar uma área específica
da Língua Portuguesa – Gramática, Literatura e Interpretação de Textos,
Redação. E, quase sempre, a gramática ocupa o maior percentual da carga
horária.
De modo que o modelo vigente
limita eventuais possibilidades de desenvolver projetos, inclusive interdisciplinares,
na área de literatura. Falo em projetos, porque vejo neles o melhor caminho de
desenvolvimento de um público leitor assíduo e consciente. Além disso, o
compartilhar com outras áreas, como a história, a filosofia, a sociologia, por
exemplo, traz o benefício de dividir as responsabilidades desse ensino e promover
a construção de uma rede de conexões multifocais entre as informações obtidas,
facilitando retenção da aprendizagem dos alunos e repercutindo em um melhor
desempenho destes.
Sem contar o benefício que
trariam no campo do cânone literário. O papel deste é estabelecer um discurso
formador de opinião sobre o que deve ser prioridade na formação intelectual de
uma sociedade. Isso quer dizer que ele tem o poder de controlar as temáticas no
contexto de uma determinada época, de modo que se estabelecem obras
marginalizadas e não marginalizadas dentro da literatura; o que de tempos em
tempos origina um resgate de literaturas de altíssima qualidade, as quais por
diversas razões não receberam na época de sua publicação a valorização e o
reconhecimento adequados.
Dentro desse contexto, os projetos
oportunizam além da leitura de obras clássicas (canônicas) a discussão delas a
partir de outras perspectivas, tais como ideologias, estilos, gêneros,
geografia, sexo, raça, classe social. O que faz do texto algo além de si mesmo
na percepção do aluno. Abre-se, então, um leque de possibilidades de criar
afinidade com aquelas palavras. Sai da obrigação para o prazer e o interesse
natural; porque se estabelece um viés de contextualização.
Entretanto, infelizmente não são
poucos os relatos de professores que, diante das limitações conjunturais, acabam
escolhendo uma obra literária qualquer por bimestre, sem ao menos dispensarem
uma leitura prévia das mesmas, visando apenas cumprir uma obrigação dentro do sistema
e que esteja pautada na facilidade de entendimento pelos alunos e eventuais questões
de custo do material.
Afinal de contas, nem todas as
escolas dispõem de bibliotecas estruturadas e com acervos atualizados e em número
satisfatório para atender as demandas dos alunos. E, lamentavelmente, livros
ainda são considerados artigos de luxo no país, dada a realidade social. Poucos
têm o privilégio de adquirir uma ou várias obras por mês, sem que isso
interfira na dinâmica orçamentária de suas famílias.
No fundo, o que acontece no campo
da literatura/leitura se estende por outros conteúdos e disciplinas; e acaba
por ser absorvido e carregado vida afora pelos indivíduos. Os entraves e as deficiências
no movimento constitutivo de um futuro leitor são decisivos, porque estamos
falando de um processo cujas etapas estão alinhavadas entre si. Se perdemos o
primeiro elo dessa corrente, que é o estímulo da leitura em casa, ainda há uma
chance de recuperação por meio da escola. Mas, quando não acontece na escola aí
as possibilidades se esvaem. É muito difícil, praticamente raro, resgatar a
leitura em um indivíduo já em fase consolidada da vida.
É uma pena que a sociedade na sua
inteireza não compreenda que esses desafios repercutem de maneira global entre
todos os cidadãos. A limitação numérica do público leitor no país, as
fragilidades qualitativas dessas leituras, a escassez de salas de leitura e
bibliotecas públicas, ... tudo isso é parte integrante e integrada da nossa
identidade cultural e nacional. É a visão panorâmica do que somos enquanto
nação, refletida pelo que lemos, não lemos ou deixamos de ler.
Certamente que nem todas as
leituras agradarão a todos. Leitura tem sempre traços de individualidade, de
afinidade, de interesse. Daí a importância fundamental da acessibilidade a essa
leitura, para que cada um possa construir seus próprios filtros e defender com
argumentos próprios e consistentes as suas escolhas. Por isso, a leitura pode e
deve ser considerada como o mais belo exercício de cidadania. Como vi escrito
uma vez, “ler não dá sono; dá sonhos”.