O
“know-how” e a Vacina postos em xeque
Por
Alessandra Leles Rocha
O chamado “know-how” é construído
no tempo. Da noite para o dia não há como se atingir a habilidade, a tecnologia,
a capacidade, a competência ou, simplesmente, o saber como fazer. Quando o Sars-COV-2
adentrou ao nosso convívio, como um ilustre desconhecido, fomos tomados por
uma perplexidade inicial para depois nos ingressarmos nas linhas de frente para
decifrá-lo e tomarmos as medidas mais adequadas e eficazes. Portanto, um “know-how”
a ser desenvolvido simultaneamente ao processo pandêmico; o que significa que
lá se foram até aqui 11 meses.
Mas do ponto de vista do Brasil,
contrariando vários bons exemplos de “know-how” em diferentes áreas, o
resultado dessa vez caminha aquém das expectativas mais elementares. A falta de
planejamento, de método, de organização tem sido crucial para fomentar um
panorama caótico. Esquecido de que,
dessa vez, esse não era um problema único e exclusivamente seu, o país não
ponderou sobre uma análise global todos os impactos e demandas, tornando-se
retardatário em questões emergenciais. Abdicou de estabelecer o seu “know-how”.
Equipamentos de proteção
individual e respiradores foram as primeiras insuficiências apontadas durante a
1ª onda da pandemia em território nacional. O país viveu momentos de tensão, no
limite de sua capacidade de atendimento, enquanto tentava driblar tais carências.
Algo inimaginado e que, certamente, não esqueceremos jamais. E sem dispensar um
olhar holístico para uma situação tão grave, os gestores responsáveis focaram
na solução desse ponto emergencial como se estivessem tentando apagar um incêndio
com copos d’água.
Entretanto, na dianteira do “know-how”
os principais centros de pesquisa trabalhavam ininterruptamente na busca por
potenciais vacinas que pudessem conter a disseminação da pandemia o mais rápido
possível. Sem apoio orçamentário do governo federal, os principais institutos
de pesquisa brasileiros, Instituto Butantan e a Fiocruz, buscaram estabelecer
parcerias com alguns desses centros para aquisição de vacinas com potencial transferência
tecnológica para produção nacional das mesmas.
Mas diante da inação do
protagonismo federal na tecitura desses acordos, as conquistas foram pequenas
diante da necessidade do país. Afinal, como diz o provérbio, “quem chega primeiro bebe água limpa”. A
demora na tomada de decisões no campo comercial diante de uma acirrada lei da
oferta e da procura é sempre fatal. Ficamos à mercê das conjunturas
internacionais, a espera no fim de uma longa fila de interessados pelas potenciais
vacinas.
E quando finalmente foi dado o
aval, para os únicos dois acordos firmados pelo país – Instituto Butantan /
Sinovac e Fiocruz / Oxford / AstraZeneca, para uso emergencial das vacinas, a
esperança se ofusca pela realidade da insuficiência de doses disponíveis até o
momento, ou seja, são 6 milhões de doses da CoronaVac, parceria Butantan /
Sinovac. Quanto a vacina da parceria Fiocruz / Oxford / AstraZeneca, que viria de um laboratório indiano, não tem uma previsão exata de chegada em solo
brasileiro. Além disso, tanto o Butantan quanto a Fiocruz ainda aguardam a
liberação de insumos para as respectivas vacinas, os quais são oriundos da China, por conta
de entraves burocráticos que demandam intermediação diplomática pelo Brasil.
O que significa que não
conseguiremos cumprir a totalidade do 1º grupo prioritário estabelecido para
receber a 1ª dose da CoronaVac. O que instala uma nova tensão, na medida em que
se permanece com a maior parte da população sem receber a 1ª dose e sem
perspectiva de conseguir cumprir a 2ª dose em tempo hábil aos poucos que já
foram vacinados. Portanto, o país não saiu do lugar e o vírus permanece ativo,
mutante e, altamente, circulante por aí.
Esse panorama só faz apontar por
uma solução cada vez mais distante no que diz respeito a uma retomada segura do
cotidiano. Distante da imunização que visa prevenir os quadros mais graves, os
quais demandam internações longas em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a
população não tem outro caminho a não ser evitar as aglomerações, utilizar
corretamente a máscara, higienizar frequentemente as mãos por meio de lavagem
com água e sabão ou álcool em gel, se não quiser se expor a roleta russa do
vírus.
Aliás, o colapso que atinge
algumas cidades da região norte do país, por conta da falta de oxigênio para os
pacientes internados, não resume em si a história; mas, de certa forma, é a
materialização do momento para quem ainda tiver alguma dúvida sobre a gravidade
da pandemia. A insuficiência acontece quando se cria um gargalo de sobrecarga
no sistema de saúde, seja ele público ou privado.
Assim, se a demanda por esse
produto aumentou exponencialmente em pouco tempo foi porque mais pessoas
passaram a necessitar desse recurso. Muitas delas, inclusive, em atendimento
domiciliar dada a impossibilidade de internação pelo esgotamento do número de
leitos e equipes de saúde para atendimento hospitalar. São casos graves. Muito
graves.
Por isso, a Pandemia expõe a necessidade de um comportamento coletivo no que diz respeito à prevenção. Cada indivíduo que decide romper essa “corrente do bem” só fará fortalecer a disseminação viral e a velocidade de ocorrência de mutações do agente infeccioso. Porque o vírus depende obrigatoriamente de um organismo vivo para se reproduzir. Então, sem a vacinação completa, conforme os protocolos previstos, cada um de nós permanece como potencial “bola da vez” para o Sars-Cov-2, até que a história encontre o desfecho ideal.