É preciso
ler o mundo!!!
Por
Alessandra Leles Rocha
Impactado pelas experiências humanas
geradas a partir de duas grandes guerras mundiais, o dramaturgo e poeta alemão
do século XX, Bertolt Brecht, escreveu: “Primeiro levaram os negros, mas não
me importei com isso. Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários, mas
não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os
miseráveis, mas não me importei com isso. Porque eu não sou miserável. Depois
agarraram uns desempregados, mas como tenho o meu emprego, também não me
importei. Agora estão me levando, mas já é tarde. Como eu não me importei com
ninguém, ninguém se importa comigo”.
Queiram ou não admitir, infelizmente,
esse é o quadro da história que se repete no momento atual. No entanto, como já
escrevi outras vezes, essa tentativa de reafirmação histórica não é tão absoluta,
como parece. Há inúmeras variáveis que relativizam o processo, começando pela própria
tecitura conjuntural da realidade. O mundo do início do século XX não é o mundo
do primeiro quarto do século XXI. O processo
de transformação ocorrido, sob diferentes vieses sociais, foi demasiadamente
profundo. Nesse sentido, por mais que se tente imprimir os mesmos padrões,
protocolos, ideários, o insucesso tende a ressurgir ainda mais potente e avassalador.
Então, olhando por uma
perspectiva, um tanto quanto desprezada por muitos, buscarei um modo de
explicar a minha visão a respeito. Bem, visando aplacar o ímpeto social
desencadeado pela Revolução Francesa, no século XVIII, a fim de que não tomasse
de assalto à Europa, como um todo, a Revolução Industrial, promovida pela Inglaterra,
na segunda metade do século XVIII, capitalizou o processo de acumulação de riquezas,
que é o ponto de partida para qualquer empreitada de natureza expansionista e
imperialista. Traduzindo em miúdos, as duas primeiras fases da Revolução
Industrial, forneceram não só os recursos financeiros; mas, também, os logísticos,
para a ocorrência das duas grandes guerras mundiais.
Acontece que, o fim da Segunda Guerra
Mundial, marcado pela tragicidade terrível, em que se calcula a perda de 70 a
85 milhões de seres humanos, também repercutiu nos propósitos das fases
subsequentes da Revolução Industrial. O que não significa terem perdido o
interesse sobre a contínua acumulação de riquezas, o expansionismo e o
imperialismo global. No entanto, o olhar voltado para uma Revolução
Tecnocientífica impôs uma transformação radical nas relações sociais,
inclusive, de trabalho. As máquinas desencadearam uma redução das demandas por
mão de obra humana. Por consequência, as parcelas desempregadas foram
submetidas à um processo de precarização do trabalho.
Eis, então, que em plena quarta
fase da Revolução Industrial ou Revolução 4.0, em que estamos diante da
Inteligência Artificial (I.A.), da internet das coisas e da robótica, por
exemplo, a transformação social não só será diferente de qualquer coisa já experimentada,
como afetará diretamente a sobrevivência de milhões de seres humanos, a partir
da extinção de inúmeras oportunidades de trabalho. Esse é o grande ponto de
reflexão. Afinal, as Revoluções Industriais chegaram até aqui sem priorizarem os
indivíduos; sobretudo, aqueles pertencentes às camadas mais frágeis e
vulneráveis da população.
Por quê? Bem, primeiro, porque as
elites burguesas que figuram nos centros de poder responsáveis pela dinâmica das
Revoluções Industriais, são simpatizantes e defensoras do ideário
ultradireitista, o qual se expressa, na maioria das vezes, pela defesa da
consolidação de um projeto social fascista. De modo que o fascismo se sustenta
por uma política ultranacionalista e autoritária, de poder ditatorial e
repressor às oposições, e que utiliza da força, de diferentes maneiras, para
arregimentação socioeconômica. De modo que a grande massa da população tende a
ser explorada ao máximo ou é descartada pela força da tecnologização. Ora, mas
o mundo tem, hoje, mais de 8 bilhões de pessoas! De modo que equacionar essa
situação é algo bastante desafiador.
Por essas e por outras, disseminadores
e simpatizantes do fascismo, ao redor do planeta, tentam buscar nas velhas práxis
uma solução, mesmo que, apenas, mitigadora. Daí a razão de vermos a
disseminação da xenofobia, do racismo, da intolerância religiosa, das políticas
de banimento, cancelamento e/ou depreciação através das mídias sociais, da
segregação nos espaços geográficos, e, agora, mais recentemente, da
possibilidade do aprisionamento em áreas preestabelecidas, de indivíduos rotulados
ou estereotipados à revelia da sua realidade cidadã.
Aliás, as práxis de
aprisionamento sempre estiveram presentes na historicidade humana. A falta de
interesse ou a indisposição em lidar com as diferenças ou com as divergências ideológico-comportamentais
sempre foram um estopim para que seres humanos fosses segregados e aviltados na
sua dignidade e identidade humana. Masmorras, prisões, instituições psiquiátricas,
campos de concentração, foram estruturas produzidas nos espaços geográficos
para obstaculizar uma memória social sobre questões, de algum modo, desconfortáveis
e afrontosas aos direitos humanos 1.
Oposição político-partidária.
Questões étnico-religiosas. Contestações de natureza psico-comportamental.
Insurreição social. O que significa que as decisões quanto ao banimento, à
segregação, à invisibilização, de certos indivíduos torna-se determinada pela
perspectiva daqueles que detêm o poder. A história se torna de mão única. Há,
portanto, um silenciamento dos fatos em si, ou seja, é justamente isso o que pretendem
as forças do neofascismo contemporâneo. Deter o controle e o poder sobre os
fatos, sobre a verdade histórica, permitindo apenas a visão do opressor sobre
os oprimidos.
Feita essa breve reflexão, entenda
que “Onde livros são queimados, no fim, as pessoas também serão queimadas” (Heinrich
Heine – escritor e crítico literário alemão). Afinal, o “Fascismo é um
vírus mutante. Ele nunca morreu. Nós nunca o matamos. E agora está de volta,
mudado” (Andrea Camilleri – escritor italiano). Portanto, não se esqueça: “A
única maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça, aparar-lhe as unhas
não serve de nada” (José Saramago – Prêmio Nobel de Literatura, em 1988).
1 https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/o-que-e-a-bastilha-na-revolucao-francesa/
Documentário “Juquery – Lugar fora do mundo” (2022).
Documentário “Holocausto
Brasileiro” (2016). Adaptação do livro homônimo escrito por Daniela Arbex, este
é um retrato aprofundado e contundente sobre os eventos que ficaram conhecidos
como Holocausto Brasileiro; o grande genocídio cometido contra os pacientes
psiquiátricos do hospício de Barbacena, em Minas Gerais.