quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

É preciso ler o mundo!!!


É preciso ler o mundo!!!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Impactado pelas experiências humanas geradas a partir de duas grandes guerras mundiais, o dramaturgo e poeta alemão do século XX, Bertolt Brecht, escreveu: “Primeiro levaram os negros, mas não me importei com isso. Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários, mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis, mas não me importei com isso. Porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados, mas como tenho o meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando, mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo”.

Queiram ou não admitir, infelizmente, esse é o quadro da história que se repete no momento atual. No entanto, como já escrevi outras vezes, essa tentativa de reafirmação histórica não é tão absoluta, como parece. Há inúmeras variáveis que relativizam o processo, começando pela própria tecitura conjuntural da realidade. O mundo do início do século XX não é o mundo do primeiro quarto do século XXI.  O processo de transformação ocorrido, sob diferentes vieses sociais, foi demasiadamente profundo. Nesse sentido, por mais que se tente imprimir os mesmos padrões, protocolos, ideários, o insucesso tende a ressurgir ainda mais potente e avassalador.

Então, olhando por uma perspectiva, um tanto quanto desprezada por muitos, buscarei um modo de explicar a minha visão a respeito. Bem, visando aplacar o ímpeto social desencadeado pela Revolução Francesa, no século XVIII, a fim de que não tomasse de assalto à Europa, como um todo, a Revolução Industrial, promovida pela Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, capitalizou o processo de acumulação de riquezas, que é o ponto de partida para qualquer empreitada de natureza expansionista e imperialista. Traduzindo em miúdos, as duas primeiras fases da Revolução Industrial, forneceram não só os recursos financeiros; mas, também, os logísticos, para a ocorrência das duas grandes guerras mundiais. 

Acontece que, o fim da Segunda Guerra Mundial, marcado pela tragicidade terrível, em que se calcula a perda de 70 a 85 milhões de seres humanos, também repercutiu nos propósitos das fases subsequentes da Revolução Industrial. O que não significa terem perdido o interesse sobre a contínua acumulação de riquezas, o expansionismo e o imperialismo global. No entanto, o olhar voltado para uma Revolução Tecnocientífica impôs uma transformação radical nas relações sociais, inclusive, de trabalho. As máquinas desencadearam uma redução das demandas por mão de obra humana. Por consequência, as parcelas desempregadas foram submetidas à um processo de precarização do trabalho.

Eis, então, que em plena quarta fase da Revolução Industrial ou Revolução 4.0, em que estamos diante da Inteligência Artificial (I.A.), da internet das coisas e da robótica, por exemplo, a transformação social não só será diferente de qualquer coisa já experimentada, como afetará diretamente a sobrevivência de milhões de seres humanos, a partir da extinção de inúmeras oportunidades de trabalho. Esse é o grande ponto de reflexão. Afinal, as Revoluções Industriais chegaram até aqui sem priorizarem os indivíduos; sobretudo, aqueles pertencentes às camadas mais frágeis e vulneráveis da população.

Por quê? Bem, primeiro, porque as elites burguesas que figuram nos centros de poder responsáveis pela dinâmica das Revoluções Industriais, são simpatizantes e defensoras do ideário ultradireitista, o qual se expressa, na maioria das vezes, pela defesa da consolidação de um projeto social fascista. De modo que o fascismo se sustenta por uma política ultranacionalista e autoritária, de poder ditatorial e repressor às oposições, e que utiliza da força, de diferentes maneiras, para arregimentação socioeconômica. De modo que a grande massa da população tende a ser explorada ao máximo ou é descartada pela força da tecnologização. Ora, mas o mundo tem, hoje, mais de 8 bilhões de pessoas! De modo que equacionar essa situação é algo bastante desafiador.

Por essas e por outras, disseminadores e simpatizantes do fascismo, ao redor do planeta, tentam buscar nas velhas práxis uma solução, mesmo que, apenas, mitigadora. Daí a razão de vermos a disseminação da xenofobia, do racismo, da intolerância religiosa, das políticas de banimento, cancelamento e/ou depreciação através das mídias sociais, da segregação nos espaços geográficos, e, agora, mais recentemente, da possibilidade do aprisionamento em áreas preestabelecidas, de indivíduos rotulados ou estereotipados à revelia da sua realidade cidadã.

Aliás, as práxis de aprisionamento sempre estiveram presentes na historicidade humana. A falta de interesse ou a indisposição em lidar com as diferenças ou com as divergências ideológico-comportamentais sempre foram um estopim para que seres humanos fosses segregados e aviltados na sua dignidade e identidade humana. Masmorras, prisões, instituições psiquiátricas, campos de concentração, foram estruturas produzidas nos espaços geográficos para obstaculizar uma memória social sobre questões, de algum modo, desconfortáveis e afrontosas aos direitos humanos 1.

Oposição político-partidária. Questões étnico-religiosas. Contestações de natureza psico-comportamental. Insurreição social. O que significa que as decisões quanto ao banimento, à segregação, à invisibilização, de certos indivíduos torna-se determinada pela perspectiva daqueles que detêm o poder. A história se torna de mão única. Há, portanto, um silenciamento dos fatos em si, ou seja, é justamente isso o que pretendem as forças do neofascismo contemporâneo. Deter o controle e o poder sobre os fatos, sobre a verdade histórica, permitindo apenas a visão do opressor sobre os oprimidos.

Feita essa breve reflexão, entenda que “Onde livros são queimados, no fim, as pessoas também serão queimadas” (Heinrich Heine – escritor e crítico literário alemão). Afinal, o “Fascismo é um vírus mutante. Ele nunca morreu. Nós nunca o matamos. E agora está de volta, mudado” (Andrea Camilleri – escritor italiano). Portanto, não se esqueça: “A única maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça, aparar-lhe as unhas não serve de nada” (José Saramago – Prêmio Nobel de Literatura, em 1988).



1 https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/o-que-e-a-bastilha-na-revolucao-francesa/

Documentário “Juquery – Lugar fora do mundo” (2022).

Documentário “Holocausto Brasileiro” (2016). Adaptação do livro homônimo escrito por Daniela Arbex, este é um retrato aprofundado e contundente sobre os eventos que ficaram conhecidos como Holocausto Brasileiro; o grande genocídio cometido contra os pacientes psiquiátricos do hospício de Barbacena, em Minas Gerais.

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2024/07/30/dissidentes-russos-desaparecem-de-prisoes-em-sinal-de-possibilidade-de-troca-de-prisioneiros-com-o-ocidente.htm

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c8d91zzp1rvo

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cp3wxprq54eo