Nós e nossa
ingênua relativização da contemporaneidade
Por Alessandra
Leles Rocha
Ao contrário do que pensa uma
gigantesca parcela da população, a chamada Sociedade de Consumo, não é uma
estratégia restrita a fazer a acumulação de capitais, por parte de alguns, e a
aquisição de bens, produtos e serviços, por outros. Na verdade, ela vai além,
como uma ferramenta de controle e manipulação social.
Por mais que a realidade
contemporânea brade, aos quatro cantos do planeta, o seu desejo de liberdade
total e irrestrita, isso não é verdade. Por trás de todas as escolhas e
decisões tomadas diariamente pelos indivíduos há uma sombra que as direciona,
no sentido de destoar, o mínimo possível, do protocolo social estabelecido pelas
forças que detêm o poder.
A construção de uma sociedade homogeneizada
é um facilitador para a garantia do controle absoluto sobre os indivíduos. E
uma das estratégias mais comuns para se atingir esse padrão comum, na
contemporaneidade, é o Efeito Manada. Ignorando a própria base identitária, com
todas as suas crenças, valores, princípios, sentimentos e emoções, milhões de
pessoas são levadas a seguirem o comportamento e as opiniões preestabelecidas
para a maioria.
Desse modo se consolida uma tendência
homogeneizante, na medida em que não há questionamento, ou crítica, ou
discussão, a respeito. Valendo-se do próprio argumento da ausência de tempo, do
frenesi contemporâneo, cria-se o convencimento de que tal práxis é ideal; posto
que, o indivíduo não precisa pensar por si mesmo, ele pode delegar essa função
aos outros. Mas, ao deixar de analisar crítica e reflexivamente a sua própria
vida, o mundo em que está inserido, há uma perda da sua dignidade identitária.
O que significa milhões de
pessoas induzidas a abdicar da sua autonomia, do seu protagonismo, da sua
liberdade. Trata-se de um processo de escravização, submissão, sujeição ou
subordinação, no mais profundo das subjetividades humanas. Afinal, isso afeta
diretamente a forma de perceber e lidar com os acontecimentos cotidianos, os
quais podem estar em franco desalinho às demandas de cada indivíduo.
De repente, as pessoas parecem
adestradas a concordar e a aceitar passivamente, quase que de maneira indolor,
as circunstâncias. Porém, as aparências enganam. Na verdade, há um sofrimento
colossal, que passa a causar um adoecimento sistêmico na sociedade. Em sua
maioria, o que se vê é a ocorrência de diversos tipos de manifestação do
comprometimento da saúde mental. Depressão. Agressividade. Violência. Compulsão alimentar.
... Porque se vive em constante conflito com a natureza identitária.
Ora, dentro desses moldes sociais,
a subversão da ordem imposta significa o banimento, o isolamento, o
cancelamento, a destruição de reputações, ... E as pessoas tendem a temer o não
pertencimento social, uma vez que isso implica na possibilidade de não poder
desfrutar normalmente da sua vida. Sobretudo, no campo de trabalho. A
construção de rótulos e de estereótipos é altamente nociva para o equilíbrio
existencial humano, especialmente, porque costuma não ofertar a possibilidade da
sua desconstrução pelo próprio indivíduo.
Daí o silenciamento estar
presente na historicidade humana, desde sempre. A sociedade não costuma lidar
muito bem com seus representantes mais questionadores, buscando um modo de
silenciá-los de alguma forma. É assim na
família. Na escola. Nos espaços religiosos. No trabalho. No lazer. ... Basta
uma pergunta, para que a tensão paire sobre o ambiente. Aliás, a curiosidade
sempre foi uma pecha ruim, para muitos. Uma pena, pois não sei o que seria do
mundo se a curiosidade não tivesse impulsionado o ser humano a evoluir!
Por essas e por outras, que se
torna imprescindível entender a ameaça da banalização, da trivialização, na dinâmica
do mundo. De um modo ou de outro, as forças detentoras de poder sempre
estiveram imbuídas na elaboração de mecanismos de escravização, submissão,
sujeição ou subordinação social, em relação às camadas mais frágeis e vulneráveis.
Embora, muitas dessas práxis surjam travestidas por acenos de liberdade e de
individualismo.
No entanto, elas só rendem êxito,
porque o ser humano não se permite exercitar a alteridade e a empatia. Se colocando
sempre em uma posição de pseudossuperioridade, a qual lhe impede de ver a vida
exatamente como ela é. Esse olhar equivocado e desvirtuado da realidade, não
passa de uma tentativa de se proteger, sem se dar conta de que esse temor
advém, muitas vezes, da sua própria negligência coletiva.
Quando silenciamos, aceitamos,
referendamos e/ou legitimamos, de alguma maneira, os abusos e violências cometidos
contra os direitos humanos, abrimos precedentes perversos e cruéis para que
esses nos alcancem também. Martin Luther King Jr. já dizia, “A injustiça em
qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”.
No fim das contas, então, cada um
de nós é uma vítima em potencial. O que nos obriga a uma revisão profunda do
nosso senso humanitário, fraterno. Não é à toa que Hannah Arendt escreveu, “Em
nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem
abusos e sorriem para quem desprezam. Abdicar de pensar também é crime”.