O Reino
de Areia
Por Alessandra
Leles Rocha
Conta a história da humanidade
que os grandes reinados e impérios construíram seus caminhos de ascensão, a
partir das conquistas geográficas que pudessem lhes render riquezas diversas, e
em abundância, a fim de consolidarem os seus poderes. Almejavam por regiões
ricas em fontes de água, ungidas pela diversidade de fauna e de flora,
beneficiadas por recursos minerais em quantidade, ...
É certo, que a maioria deles,
usurpou demasiadamente desses recursos e levou à extinção muitos deles. Mas,
façamos a ressalva, um tanto quanto óbvia, do completo desconhecimento em
relação às ciências ambientais, no contexto de seus respectivos recortes
temporais de ação. Eram tempos do poder pelo poder, de modo que os excessos,
sob os mais diferentes vieses, ocorreram e marcaram a saga do planeta.
Acontece que, olhando para a
realidade do século XXI, com todo o seu aparato científico e tecnológico, é
impossível não sentir um profundo desalento diante da involução que se observa
no ser humano contemporâneo.
Apesar de dispor dos registros
pregressos, que narram os absurdos e as imprevidências de outros tempos, do
vasto conhecimento acumulado na diversidade de inúmeras áreas, mesmo assim, ele
permanece estático na consciência do poder pelo poder.
Vejam o Brasil, de dimensões continentais,
ardendo em chamas! Seus pseudomonarcas não se importam que essa geografia seja
arrastada para a mais completa aridez. Um Reino de Areia. Um amontoado de
espaços degradados, onde a vida em suas mais diversas formas sucumbiu, não
resistiu a reincidência do fogo criminoso.
Mas, não para por aí. O mais
estarrecedor não é abordar a proximidade da consolidação desse Reino de Areia
ou o silêncio desses pseudomonarcas sobre esse assunto. O mais estarrecedor é
perceber como o poder cega no mais absoluto da consciência humana, nas questões
vitais à sobrevivência. O Reino de Areia é um reino sem água. Sem ar
respirável. Sem temperatura suportável. Sem capacidade de produção de
alimentos. ...
Então, o que significa o poder em
um reino assim? Estamos assistindo à construção de montanhas de areia. Uma paisagem
desértica, árida, em todos os sentidos. Geográfica. Ecossistêmica. Humana.
Sim, o Reino de Areia começa a
ser formado nas bases ideológicas da sociedade. Na aridez da indiferença, do
desrespeito, da violência, da desigualdade, ... E se o indivíduo está deteriorado
na sua essência humana, ele acaba por refletir essa deterioração no seu
entorno.
Quando se fala no individualismo
exacerbado, no egoísmo, no narcisismo, na ausência de empatia e de alteridade,
no mundo contemporâneo, há quem faça pouco disso e considere esse debate
totalmente desimportante.
Só que não. Esse silêncio que traduz
a ausência de interesse nessas discussões, na verdade, é um excelente
catalisador para acelerar a formatação desse Reino de Areia.
Afinal, ele parte da negligência
em relação ao elemento principal das relações, que é o ser humano. Quando não existe
preocupação quanto à qualidade da nossa humanidade, ou seja, dos nossos
valores, crenças, princípios, sentimentos e emoções, o desenrolar da história
se torna temerário.
Fica patenteada uma
permissividade que ultrapassa os limites do nosso próprio instinto de sobrevivência.
Não há preocupação, quanto ao bem-estar, de uns com os outros. O que faz do
adoecimento e da morte, por exemplo, fatos banalizados e de total irrelevância.
Dante Alighieri, em sua Divina
Comédia, no século XIV, escreveu que “No inferno os lugares mais quentes são
reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. Portanto,
lamento informar, mas o Reino de Areia é sim, o nosso futuro comum.
Abstendo-nos pelo silêncio, referendamos esse caos democrático do fogo, essa dor sufocada pela fumaça, essa insuficiência emergente de água, essa desproteção desanimadora. Até o dia em que teremos um país begificado na sua homogeneização arenosa.