A realidade
entre linhas
Por Alessandra
Leles Rocha
A incomum nota emitida pela
Embaixada dos EUA sobre a suspensão de uma mídia social estadunidense, no
Brasil, me parece um lamentável erro.
Ao tomar partido de seu
proprietário, um multimilionário naturalizado estadunidense, o país escancara
a reflexão sobre a imigração, apontando que há sim, diversos pesos e medidas
para o assunto.
Ora, estamos falando de um tema
que tem sido pauta central nas eleições à Presidência dos EUA. Embora, outros
países também estejam às voltas com a mesma situação.
Mas, o que está em jogo não é a
imigração por si só; mas, a existência de um perfil profundamente desigual
socioeconomicamente, para analisar o processo migratório.
Lamentavelmente a imigração está
sim, condicionada ao “vale quanto pesa”. Indivíduos estabilizados economicamente
são recebidos de braços abertos em todo lugar. Mas, aqueles cujas condições são
totalmente desfavoráveis para sobrevivência em seus países de origem, esses são
rechaçados.
Cada vez mais, o mundo tenta
ampliar sua bolha de regalias e privilégios, enquanto milhões de seres humanos
são mantidos sob condições de extrema perversidade e crueldade social.
Majoritariamente, a imigração contemporânea
é fruto dos deslocamentos forçados fomentados por diversas conjunturas, tais
como, guerras, conflitos políticos, pobreza, situações climáticas extremas.
De modo que assuntos privados aos
interesses econômicos de um cidadão naturalizado estadunidense são
capazes de mover as instituições daquele país, com muito mais veemência, do que
a construção de políticas humanitárias internacionais, visando contribuir para diminuição
do fluxo migratório global.
Como se a triste realidade da
imigração fosse incapaz de fazer frente aos interesses do poder capital. Como se
vidas humanas estivessem fadadas a serem categorizadas em importantes e
desimportantes. Segundo Adela Cortina, “Não rejeitamos realmente os
estrangeiros se são turistas, cantores ou atletas famosos, rejeitamos se eles
são pobres, imigrantes, mendigos, sem-teto, mesmo que sejam da própria família”.
É preciso entender que a questão
migratória é diretamente proporcional à lógica do imperialismo dos países desenvolvidos.
Portanto, quanto mais eles atuam nesse sentido, acirrando as desigualdades
dentro dos mais diversos aspectos, mais a migração de pessoas oriundas dos países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento aumenta.
Aliás, o próprio desenvolvimento
científico e tecnológico estimulado pelos países desenvolvidos já acena com um
futuro de desemprego e/ou precarização do trabalho, que levará a um empobrecimento
global sistematizado. O que tende a ser mais um estopim para a intensificação
migratória.
Durante décadas os EUA vendeu no
cenário internacional o seu “American way of life”, como um símbolo de
prosperidade e sucesso; mas, não contou com as reviravoltas do mundo e as consequências
e desdobramentos que esse modelo lhe trariam. Agora, eles não sabem o que fazer com milhares
de pessoas cruzando suas fronteiras em busca de um oásis de esperança e sobrevivência.
Em pleno século XVIII, Adam Smith
já dizia “Onde há grande propriedade, há grande desigualdade. Para um muito
rico, há no mínimo quinhentos pobres, e a riqueza de poucos presume da indigência
de muitos”. É sobre isso o que tratam as entrelinhas da nota da Embaixada
dos EUA.
Entretanto, não sei se por sorte ou azar deles, elas nos fazem pensar, inclusive, abrindo espaço para o que escreveu Robert Lee Frost, “Antes de construir um muro pergunto sempre quem estou murando e quem estou deixando de fora”. Porque isso diz muito a respeito dos valores e dos princípios que atravessam uma nação.