domingo, 8 de setembro de 2024

Paris. A festa. A reflexão.

Paris. A festa. A reflexão.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Durante pouco mais de 40 dias, Paris foi uma festa! Entre emoções e sentimentos diversos desencadeados pelo Jogos Olímpicos e Paralímpicos, a Cidade Luz e o mundo desfrutaram de momentos incríveis do esporte.

Mas, não é nesse viés que venho propor uma reflexão. Quero transcender as fronteiras das piscinas, dos ginásios, das arenas, das pistas, e focar naquilo que é de interesse de todo e qualquer ser humano, seja ele desportista ou não. Quero falar de acessibilidade e de inclusão.

Ao contrário dos jogos que se estabelecem em momentos distintos, dada a realidade de seus participantes, a vida acontece simultaneamente para todos os indivíduos. De modo que o mundo precisa estar apto para atender a pluralidade e a diversidade humana.

Houve uma reafirmação histórica em relação às deficiências, inclusive, com muitos momentos de segregação e banimento social. O que impediu a sociedade de construir um entendimento em relação à eficiência ao invés da deficiência. Criando rótulos e estereótipos incapacitantes, totalmente, infundados.

Cada ser humano é o conjunto das suas habilidades, competências e talentos. Ninguém é bom em tudo. Ninguém ruim em tudo. Podemos nos desenvolver, nos aprimorar. Mas, para isso, é preciso que haja ampla oferta de oportunidades, de investimentos em políticas públicas, dignidade cidadã em amplo espectro.

É aí que entra a questão da discussão sobre acessibilidade e inclusão. Enquanto sociedade, precisamos ir além da discussão sobre a acessibilidade arquitetônica, cuja ausência obstaculiza o ir e vir das pessoas na geografia das cidades.

Porque acessibilidade também é atitudinal, ou seja, a construção de um comportamento sem preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações. É metodológica e instrumental de ensino. É cultural. É de comunicação. É programática, ou seja, que traz ao conhecimento público todas as normas, leis e regulamentos que respeitam e atendem as pessoas com deficiência.

Em suma, ela cabe em qualquer discurso que venha gerar inclusão ao invés de exclusão. Ela aproxima. Ela agrega. Ela compreende o indivíduo na sua essência humana.

A festa em Paris, por exemplo, só foi possível porque a sociedade francesa se permitiu virar essa chave e debater o assunto. Afinal de contas, 16% da população mundial tem algum tipo de deficiência, 1 e só na capital francesa, vivem cerca de 185 mil pessoas com deficiência 2.

E se os jogos foram uma oportunidade de lançar luz sobre as camadas que compõem o tema, ficam claros, também, os desafios globais que se apresentam para se alcançar um êxito efetivo a respeito. Aspectos que esbarram não só em vultosos orçamentos; mas, em uma desconstrução narrativa profunda nas sociedades.

No entanto, é preciso agir. Especialmente, quando o mundo está em franco envelhecimento e impondo, de muitas formas, demandas já comuns aos indivíduos com deficiência. Teremos idosos que, por uma razão ou outra, dependerão de cadeiras de rodas, andadores, bengalas. Teremos idosos em diferentes níveis de surdez. Teremos idosos com redução da acuidade visual. Teremos idosos com perda cognitiva e intelectual.

Pois é, mais um viés da sociedade para nos confrontar com o significado da acessibilidade e da inclusão. Queiram ou não admitir, cada um de nós, independentemente da faixa etária, é uma pessoa com deficiência em potencial.

E aí, como é que vai ser, se isso, em algum momento, se concretizar? Como será viver em um mundo despreparado para as diferenças? Como será viver uma realidade impregnada por preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações?

Ao invés de nos preocuparmos com os cancelamentos, banimentos, narcisismos e afins da contemporaneidade, lançados através das mídias sociais, deveríamos nos atentar para o que é essencial, ou seja, a nossa fragilidade e vulnerabilidade existencial.

Para sobreviver às hostilidades e às adversidades cotidianas é fundamental encontrar condições eficientes e suficientes, segundo as nossas demandas pessoais. Não podemos nos permitir um pertencimento meramente de fachada. 

Então, que o sopro de luz e festa, em Paris, tenha sido capaz de penetrar além da nossa retina e chegado ao profundo da nossa consciência, resgatando e nos movendo a empatia, a alteridade, a nossa humanidade, no melhor e mais verdadeiro que isso representa.