Paris. A
festa. A reflexão.
Por Alessandra
Leles Rocha
Durante pouco mais de 40 dias,
Paris foi uma festa! Entre emoções e sentimentos diversos desencadeados pelo
Jogos Olímpicos e Paralímpicos, a Cidade Luz e o mundo desfrutaram de momentos
incríveis do esporte.
Mas, não é nesse viés que venho
propor uma reflexão. Quero transcender as fronteiras das piscinas, dos ginásios,
das arenas, das pistas, e focar naquilo que é de interesse de todo e qualquer
ser humano, seja ele desportista ou não. Quero falar de acessibilidade e de
inclusão.
Ao contrário dos jogos que se
estabelecem em momentos distintos, dada a realidade de seus participantes, a
vida acontece simultaneamente para todos os indivíduos. De modo que o mundo
precisa estar apto para atender a pluralidade e a diversidade humana.
Houve uma reafirmação histórica
em relação às deficiências, inclusive, com muitos momentos de segregação e
banimento social. O que impediu a sociedade de construir um entendimento em
relação à eficiência ao invés da deficiência. Criando rótulos e estereótipos
incapacitantes, totalmente, infundados.
Cada ser humano é o conjunto das
suas habilidades, competências e talentos. Ninguém é bom em tudo. Ninguém ruim
em tudo. Podemos nos desenvolver, nos aprimorar. Mas, para isso, é preciso que
haja ampla oferta de oportunidades, de investimentos em políticas públicas, dignidade
cidadã em amplo espectro.
É aí que entra a questão da discussão
sobre acessibilidade e inclusão. Enquanto sociedade, precisamos ir além da
discussão sobre a acessibilidade arquitetônica, cuja ausência obstaculiza o ir
e vir das pessoas na geografia das cidades.
Porque acessibilidade também é atitudinal,
ou seja, a construção de um comportamento sem preconceitos, estereótipos,
estigmas e discriminações. É metodológica e instrumental de ensino. É cultural.
É de comunicação. É programática, ou seja, que traz ao conhecimento público todas
as normas, leis e regulamentos que respeitam e atendem as pessoas com
deficiência.
Em suma, ela cabe em qualquer
discurso que venha gerar inclusão ao invés de exclusão. Ela aproxima. Ela agrega.
Ela compreende o indivíduo na sua essência humana.
A festa em Paris, por exemplo, só
foi possível porque a sociedade francesa se permitiu virar essa chave e debater
o assunto. Afinal de contas, 16% da população mundial tem algum tipo de deficiência,
1 e só na capital francesa, vivem cerca
de 185 mil pessoas com deficiência 2.
E se os jogos foram uma
oportunidade de lançar luz sobre as camadas que compõem o tema, ficam claros,
também, os desafios globais que se apresentam para se alcançar um êxito efetivo
a respeito. Aspectos que esbarram não só em vultosos orçamentos; mas, em uma
desconstrução narrativa profunda nas sociedades.
No entanto, é preciso agir. Especialmente,
quando o mundo está em franco envelhecimento e impondo, de muitas formas, demandas
já comuns aos indivíduos com deficiência. Teremos idosos que, por uma razão ou
outra, dependerão de cadeiras de rodas, andadores, bengalas. Teremos idosos em
diferentes níveis de surdez. Teremos idosos com redução da acuidade visual.
Teremos idosos com perda cognitiva e intelectual.
Pois é, mais um viés da sociedade
para nos confrontar com o significado da acessibilidade e da inclusão. Queiram ou
não admitir, cada um de nós, independentemente da faixa etária, é uma pessoa
com deficiência em potencial.
E aí, como é que vai ser, se isso,
em algum momento, se concretizar? Como será viver em um mundo despreparado para
as diferenças? Como será viver uma realidade impregnada por preconceitos,
estereótipos, estigmas e discriminações?
Ao invés de nos preocuparmos com
os cancelamentos, banimentos, narcisismos e afins da contemporaneidade, lançados
através das mídias sociais, deveríamos nos atentar para o que é essencial, ou
seja, a nossa fragilidade e vulnerabilidade existencial.
Para sobreviver às
hostilidades e às adversidades cotidianas é fundamental encontrar condições
eficientes e suficientes, segundo as nossas demandas pessoais. Não podemos nos
permitir um pertencimento meramente de fachada.
Então, que o sopro de luz e festa,
em Paris, tenha sido capaz de penetrar além da nossa retina e chegado ao
profundo da nossa consciência, resgatando e nos movendo a empatia, a alteridade,
a nossa humanidade, no melhor e mais verdadeiro que isso representa.