Uma
histórica sombra nefasta sobre o Brasil
Por
Alessandra Leles Rocha
Assim pensa a direita e sua
trupe. Sem constrangimentos. Sem pudores. Sem meias palavras. Essa gente faz
questão de ostentar a sua incivilidade como instrumento de poder. Foi assim,
durante a Segunda Guerra Mundial. É assim, agora. E se nada for feito para
conter tamanha fúria, será assim, no futuro.
Entretanto, tal comportamento
abjeto deixa claro, bem claro, que o rol de pessoas ligadas ao massacre e
dizimação dos povos yanomamis, em Roraima, é bem maior do que parece e se
associa a figuras dos diferentes entes da federação, ou seja, Municípios,
Estado e União. Cada um com o seu quinhão de responsabilidades, diretas e
indiretas, nessa monstruosidade social.
A fala do governador do estado de
Roraima a um veículo de comunicação e informação nacional, por exemplo, é como
um portal do tempo, em que se é lançado abruptamente aos idos de 1500, tamanho o
negacionismo e o espírito depredatório presentes em suas palavras. Ele lança o
povo Yanomami ao mais baixo nível de objetificação, em uma tentativa repugnante
de justificar a desimportância social dessas pessoas para o país 1.
O que fez vir à tona a lembrança
de uma descrição feita por Anne Frank, em seu diário nos tempos do nazismo, “Criticam tudo, e quero dizer mesmo tudo,
sobre mim: o meu comportamento, a minha personalidade, as minhas maneiras; cada
centímetro de mim, da cabeça aos pés, dos pés à cabeça, é objeto de mexericos e
debates. São-me constantemente lançadas palavras duras e gritos, embora eu não
esteja habituada com isso. Segundo as autoridades, eu deveria sorrir e
aguentar”. Talvez, seja a mesma impressão e percepção dos Yanomamis. Como
se tivessem nascido para não existir, ficando à disposição de serem propriedades
dos poderosos, servindo-lhes e satisfazendo seus interesses, inclusive, os mais
inomináveis.
Essa guinada saudosista imposta
pela direita e sua trupe é estarrecedora! Ao invés do mundo buscar a
reafirmação do que fez de melhor, de mais produtivo, de mais criativo, até
aqui, ele revira os baús para trazer de volta o seu pior, o seu lado mais
sombrio e desumano, a sua face mais odiosa e desprezível. E esse comportamento
adquire ares ainda mais pesados e insuportáveis, porque ele teve que se ajustar
e tentar fazer caber no contexto de uma realidade totalmente diferente; mas,
não menos tóxica.
Pois é, infelizmente, ao juntar
passado e presente o resultado se potencializou negativamente. O mundo
comandado pelas forças cientificas e tecnológicas; sobretudo, no campo dos
meios de informação e comunicação, não só acirraram o individualismo, o
narcisismo e o egoísmo humano, como, também, possibilitaram a disseminação em
larga escala dessas expressões e manifestações. De modo que ficou muito mais
fácil espalhar essas ideias destrutivas e beligerantes, por aí.
Com a roda do tempo girando
freneticamente, o ser humano foi consumido por uma fatídica e crônica falta de
tempo para dar vazão a sua existência integral. Portanto, não se trata
necessariamente de culpabilizar a fragilidade educacional quanto ao
recrudescimento da estupidez, da ignorância. O fiel dessa balança é o tempo.
Cada vez mais escasso pelo excesso de atividades e compromissos que se
digladiam entre si na captura da atenção humana.
O que em termos cognitivos e
intelectuais coloca os indivíduos cada vez mais distantes das análises críticas
e reflexivas, para alinhá-los ao efeito manada contemporâneo. Eles leem as
manchetes, mas não os conteúdos e formam suas opiniões a partir da fragilidade
de linhas que nem sempre dizem o essencial. Sob a máxima de não perderem o seu
tempo, eles deixam de opinar, de escolher, de decidir, para se sujeitarem às
opiniões, escolhas e decisões alheias já preestabelecidas.
Considerando que aqueles que
controlam os meios tecnológicos são os mesmos que controlam toda a sociedade,
eles conseguem manter o comportamento humano sob rédeas curtas, sem maiores
tensões, agitações e rebeldias. Gota a gota, eles disseminam as suas ideologias
através das ferramentas tecnológicas e virtuais, de modo que facilmente elas se
incorporam no inconsciente coletivo, sem transpirar quaisquer preocupações
sobre eventuais desdobramentos e consequências que possam emergir desse
movimento.
É com base nesse cenário que a
direita brasileira e sua trupe acreditam que podem fazer e acontecer sem a
menor resistência. Que tendo eles o poder social, político e econômico, nas
mãos, a sua empreitada obterá total êxito. Mas será? Excesso de confiança, de
convicção, de certeza é sempre algo temerário, considerando que vida em si é
atravessada pelo imponderável. Haja vista o próprio exemplo da segunda Guerra
Mundial, não é mesmo?
Só posso dizer que, nesse
momento, a exaustão de testemunhar os acontecimentos em tempo, quase real, é
imensa e repleta de uma aura de tristeza, de dor, de indignação. É difícil de
acreditar que um ser humano seja capaz de tamanha brutalidade, desprezo e
covardia com seu semelhante, em nome da cobiça, da ganância, do poder 2.
Por isso, queria mesmo era fechar
os olhos e só os abrir com a luz da justiça sendo feita, cumprida, exaltada. Mas, por enquanto, o que resta é debruçar
reflexivamente sobre o que disse Albert Camus, “Vou-lhe dizer um grande segredo, meu caro. Não espere o juízo final.
Ele realiza-se todos os dias”. Afinal, “Não
espere por uma crise para descobrir o que é importante em sua vida” (Platão)
e na vida de seu país.
1 https://revistaforum.com.br/politica/2023/1/29/grotesca-declarao-do-governador-de-rr-sobre-crise-humanitaria-yanomani-130723.html