Yanomamis
– Crise Humanitária. Crise Ambiental. Crise Capital.
Por
Alessandra Leles Rocha
Mahatma Gandhi dizia que “A natureza pode suprir todas as
necessidades do homem, menos a sua ganância”. Assim, se por um lado as
medidas humanitárias tomadas em relação ao abandono perverso e cruel dos
Yanomamis representa o ponto de partida para o seu resgate da dignidade humana,
por outro elas não eximem a necessidade urgente de ruptura com o ciclo de
garimpagem e exploração ilegal na região onde vivem.
Enquanto muita gente se colocou
na linha de frente para ajudar os Yanomamis, nesse momento tão crítico da sua
história, disponibilizando tempo e esforços para salvá-los das doenças e do
quadro famélico em que se encontram, percebi com certo pesar e tristeza um
comportamento menos proativo de certos setores do governo federal, como o
Ministério da Defesa, por exemplo.
Trata-se de uma observação
importante e pertinente, porque esse ministério deveria estar atuando de
maneira mais ativa e efetiva, até mesmo para facilitar a chegada e o trabalho
das forças de atendimento médico-hospitalar naquela região. Afinal de contas,
durante muitos anos, o país se orgulhou e ostentou a existência
do Batalhão Amazonas, o único Batalhão de Infantaria de Selva Aeromóvel
do Exército Brasileiro com estrutura organizacional completa 1.
Imagino que o mesmo ainda se
encontre ativo e operante, razão pela qual entendo que ele poderia ser de
extrema ajuda na atual conjuntura. Primeiro, como um apoio adicional ao
trabalho da Força Aérea Brasileira (FAB), que já montou um hospital de campanha
na área externa da Casa de Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista/RR, o qual vem
operando em situação de superlotação 2,
por conta do número de indígenas doentes que é muito superior à capacidade do
mesmo.
Segundo, porque já se sabe por
meio de relatórios institucionais e matérias jornalísticas, de diferentes
veículos de imprensa nacional e estrangeiro, que garimpeiros e exploradores
ilegais permanecem agindo de diferentes formas para obstaculizar quaisquer
auxílios aos Yanomamis, a fim de comprometer a sua sobrevivência e subjugá-los
à fúria de seus propósitos devastadores.
Sem contar que, enquanto eles
dominam a região, a destruição da floresta persiste e a extração de ouro e
outros minerais, de forma ilegal, acontece em total desrespeito às normas
ambientais brasileiras. O que significa que a vida dos Yanomamis permanece
ameaçada, considerando que o seu habitat natural está sendo destruído de
maneira praticamente irreversível.
Desse modo, enquanto nenhuma
medida for tomada, no sentido de fazer cumprir a legislação nacional e conter a
atuação de garimpeiros e exploradores ilegais na região, o cenário atual,
apesar da recente publicização da tragédia humanitária contra os povos
indígenas, permanecerá fluindo.
É preciso entender que esse modelo
de relação depredatória está atrelado a um movimento circular destrutivo, ou
seja, eles destroem, roubam, matam, porque não existe qualquer tipo de
resistência por parte do Estado brasileiro. São décadas e décadas assim, sem
que se esboce qualquer contestação aos ultrajes criminosos presentes na região
indígena.
Em linhas gerais, isso significa
um modelo de dominação pelo poder paralelo da ilegalidade que não se constrange
e nem se intimida, porque não reconhece e nem percebe a ação contundente do Estado
brasileiro, através de seus corpos multissetoriais, dentro daquele espaço
geográfico.
Reconheço que o desmantelamento
recente 3, nos últimos quatro anos, da estrutura
socioambiental, especialmente, na região norte brasileira, impôs desafios
importantes nesse sentido. Acontece que essa pauta foi apresentada como a mais
importante da nova gestão federal.
Então, há toda uma expectativa em
relação às ações que irão colocar a situação nos trilhos novamente, o mais
rápido possível. Afinal, a região Amazônica tem pressa. Os povos originários,
incluindo os Yanomamis, têm pressa. A fauna e a flora têm pressa. Os rios e os
igarapés têm pressa. O equilíbrio ambiental do planeta Terra tem pressa. De
modo que todas as ajudas serão sempre muito bem-vindas!
O ator e ativista ambiental
norte-americano, Ed Begley Jr., tem uma citação muito interessante. Ele disse, “Não entendo porque quando destruímos algo
criado pelo homem, chamamos isso de vandalismo, mas quando destruímos algo
criado pela natureza, chamamos de progresso”. Pois é, a avassaladora
destruição dos prédios dos três poderes, em Brasília/DF, no último dia 8 de
janeiro, prova essas palavras.
Não se trata de levar a reflexão
para o campo do mais ou menos importante, porque em ambos os casos, Brasília e
a Amazônia, estamos falando de patrimônio material e imaterial da humanidade. A
questão é o modo como nos comportamos, como analisamos, como nomeamos as
situações, como reagimos diante delas.
É isso que dá a dimensão da
importância que elas têm ou, pelo menos em tese, deveriam ter. Portanto, isso
define de que lado estamos, de que maneira nossa consciência cidadã se posiciona.
Diante de tudo o que temos visto
em termos de transformações climáticas extremas e de destruição descomunal
antrópica, no Brasil e no mundo, não há mais espaço para dizer que não entende
que “Não herdamos a Terra de nossos
ancestrais; nós pegamos emprestado de nossos filhos” (Wendell Berry).
Desse modo, qualquer resistência
nesse contexto, antes do que se possa imaginar, será desconstruída pela lógica
absoluta de que “Pessoas que não sustentam
árvores, em breve, viverão em um mundo que não sustenta pessoas” (Bryce Nelson).
1 https://1bis.eb.mil.br/index.php?option=com_content&view=article&id=112&Itemid=101#:~:text=O%20Batalh%C3%A3o%20Amazonas%20caracteriza%2Dse,com%20sua%20estrutura%20organizacional%20completa.