sábado, 28 de janeiro de 2023

É urgente e necessário refletir sobre a dignidade nacional!


É urgente e necessário refletir sobre a dignidade nacional!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não é só pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, na capital federal, que vem a necessidade de se colocar um freio urgente no extremismo da direita e sua trupe 1. Isso foi só a cereja do bolo! Na verdade, é o conjunto da obra que se arrasta há alguns anos, no Brasil, que demanda medidas de vigilância e aplicação de leis mais contundentes em nome de preservar as orientações da Constituição Federal sobre uma sociedade livre justa e solidária, a promoção do bem de todos, a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo. É sobre essas reflexões e ações que emergiu o “Pacote da Democracia” 2 apresentado pelo Ministro da Justiça, nos últimos dias.

O saudosismo oportunista de muita gente por aí vem fomentando, há tempos, as traças antidemocráticas e impedindo uma visão clara e objetivo sobre o país. O Brasil contemporâneo, do século XXI, de um jeito ou de outro está ajustado aos caminhos do mundo. Portanto, está longe de ser o país de seis décadas atrás. A população mais que dobrou. Os meios de comunicação entraram na era das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), no nível mais high tech que se possa imaginar 3. Os comportamentos e as ideologias foram submetidos a uma série de desconstruções e ressignificações para atender às exigências do novo modelo social. Nada é mais como antes!

Daí a necessidade imediata de promover o desapego. Aceitar que, há alguns séculos, o Brasil rompeu com seus grilhões obscurantistas históricos para viver a odisseia de uma democracia. E para isso é fundamental que o cotidiano do país se distancie de realidades paralelas, de interpretações constitucionais enviesadas e distorcidas, de achismos e casuísmos, de faltar com o nome correto para as coisas e as situações. Ora, democracia não se faz da boca para fora! A subjetividade democrática é intrínseca à sua materialidade em ações e comportamentos.  Se o Brasil pretender figurar com destaque no panteão da democracia mundial é assim que deve ser.

Assim sendo, passamos da hora de medidas mais contundentes nesse contexto! Foi o eterno pisar em ovos das autoridades brasileiras, em conjunto com uma significativa parcela da sociedade civil, que distendeu, em diferentes formas e conteúdos, o tecido nacional já carcomido pelas traças antidemocráticas e que resultou em um festival de horrores e desumanidades inimaginados.

Bem que Darcy Ribeiro avisou: “Às vezes se diz que nossa característica é a cordialidade, que faria de nós um povo por excelência gentil e pacífico. Será assim? A feia verdade é que conflitos de toda a ordem dilaceram a história brasileira, étnicos, sociais, econômicos, religiosos, raciais etc. O mais assinalável é que nunca são conflitos puros. Cada um se pinta com as cores dos outros” (O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil, 1995).

Por isso, assistimos a quase 700 mil cidadãos brasileiros morrerem pela COVID-19, o negacionismo contribuir para o desperdício de doses de vacina, a mais de 40 mil crianças e adolescentes se tornarem órfãos pela pandemia, as milhares de pessoas desenvolverem silenciosamente a chamada COVID-19 longa, o país ostentar a marca de 33 milhões de famintos, as 570 crianças yanomamis serem vítimas de mortes evitáveis, ... A beligerância sórdida e abjeta foi explicitamente disseminada pela direita e sua trupe, nas arenas do mundo real e virtual, sem maiores resistências.

Quiseram acreditar em bravata, em fanfarronice, em presepada; mas, só porque isso parecia ser mais digerível. Na verdade, ninguém era ingênuo o bastante para pensar que as investidas terroristas e golpistas, exibidas em plena luz do dia ou da noite, não eram para valer. Afinal, essa gente mostrou a cara para quem quisesse ver. Fez questão de deixar as digitais físicas e imateriais nas suas ações. A troco de quê, se não era para medir forças, hein? Será que todos ali eram loucos, insanos, fragilizados na capacidade das suas faculdades mentais? Sem medo de errar, a resposta é não. Eles foram movidos por uma convicção de impunidade, até certo ponto discursivamente institucionalizada, de que as leis no país são demasiadamente flexíveis e permissíveis com certos indivíduos.

Deu no que deu! O Brasil chegou ao fundo do poço. Arrastou, e vem arrastando, sua vergonha pelas páginas das mídias nacionais e estrangeiras, ou seja, se expondo a um nível de pressão interna e, sobretudo, externa, para a defesa da democracia e do Estado de Direito, jamais visto. Aliás, com sérias perspectivas de desdobramentos nos campos diplomáticos e de comércio exterior, se nenhuma medida for efetivamente tomada para o restabelecimento da ordem democrática no país. Portanto, não dá mais para passar pano, para fingir que nada aconteceu, que não é bem assim. São necessárias atitudes firmes, que garantam a não repetição desses ultrajes.  

Temos, então, que falar sobre isso, sim. Por quê? Como disse Zygmunt Bauman, “Há dois valores essenciais que são absolutamente indispensáveis para uma vida satisfatória, recompensadora e relativamente feliz. Um é segurança e o outro é a liberdade. Você não consegue ser feliz, você não consegue ter uma vida digna na ausência de um deles, certo? Segurança sem liberdade é escravidão e liberdade sem segurança é um completo caos, incapacidade de fazer nada, planejar nada, nem mesmo sonhar com isso. Então você precisa dos dois”.

Assim, a proposta do “Pacote da Democracia” surge para trazer à sociedade brasileira elementos que precisam ser analisados, refletidos e colocados em prática. A fim de se estabelecer um ponto de equilíbrio e de sensatez para reforçar a segurança nacional e fazer com que a liberdade, no campo da expressão, não se transforme em sinônimo e/ou garantia de quaisquer tipos de atentado contra a democracia. Pois, mediante tudo o que se viu acontecer, e frente a perspectiva de que se nada for feito continuará, o Brasil se tornará um eterno amontoado de escombros de uma guerra sem fim. Sem ordem. Sem progresso. Sem desenvolvimento. Sem nada. Desse modo, mais do que um pacote pela democracia, o que se tem é um instrumento em favor da recuperação e do fortalecimento da dignidade nacional.