quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Por onde andam nossos olhos de ver?


Por onde andam nossos olhos de ver?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Por onde andam nossos olhos de ver? Essa é a pergunta que deveríamos estar fazendo diante da barbárie explícita cometida contra o país. Afinal, tudo o que se tem notícia de mais abjeto, repugnante, desprezível, ocorrido no Brasil recente, diz respeito a cada cidadão (ã), seja ele (a) quem for.

Entretanto, já ficou patenteado que há um abismo na compreensão a esse respeito. Ora, olhos de ver demandam mais do que a captação de imagens. Olhos de ver exigem a medida perfeita da decodificação realizada pela razão e sensibilidade. O que requer uma certa habilidade e competência aparentemente perdidas ao longo do tempo.

Razões para isso não faltam; mas, também, elucidam que não se trata necessariamente de um fenômeno nacional. O fluxo da contemporaneidade fornece elementos importantes para essa compreensão. Seja no desequilíbrio de forças entre a liberdade e a segurança. Seja na amplidão desmedida dos limites. Seja no individualismo que vem exacerbando e acentuando as raízes narcísicas e egoístas do primitivo que habita em nós.

E ainda que sejam análises interessantes e elucidativas, sob muitos aspectos, elas não dão conta de satisfazer plenamente a compreensão a respeito. Dentro da infinidade de outros caminhos crítico-reflexivos possíveis, me parece que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), merecem uma atenção especial.

Pois, ainda que os avanços científicos e tecnológicos façam parte cada vez mais da dinâmica cotidiana e das relações sociais, em um caminho que não parece ter volta, paira no ar uma certa displicência quanto ao seu papel influenciador e promotor de transformações profundas no comportamento humano. A tal ponto que o senso humanitário, em tese, intrínseco aos seres humanos, está sendo substituído gradualmente por uma visão relacional tecnológica.

O convívio homem/máquina tem encantado, de maneira tão impactante os indivíduos, que eles acabam absorvidos por esse movimento. Fazendo-os se desconectar, muitas vezes inconscientemente, do mundo real, das demandas naturais de qualquer pessoa. Há uma perda nítida de sensibilidade, de empatia, de cuidados no trato humano, como se tivessem desaprendido ou se esquecido de serem gente de carne e osso.

Os olhos estão fixos aos limites das telas, criadas para hipnotizar e estimular os sentidos, a fim de capturar as atenções por longas jornadas de tempo e produzir efeitos e resultados que são esperados pela face tecnocrata do mundo. E se as pessoas acabam envolvidas nessa teia, ao ponto de se esquecerem de satisfazer as necessidades fisiológicas mais fundamentais, imagina o que acontece em relação à sua percepção da realidade factual.

O mundo real perdeu a sua dimensão, a sua plenitude. De repente ele foi fragmentado para se tornar frames de notícias que, no fundo, tendem a distanciar o ser humano de uma interpretação lógica e completa dos acontecimentos. Porque alguém predefine o que é ou não importante, sob o pretexto de facilitar e dinamizar as escolhas e as decisões dos seres humanos.

E assim, relembrando as palavras de Albert Einstein, “Poucos são aqueles que veem com seus próprios olhos e sentem com seus próprios corações”. Porque as percepções e as perspectivas foram manipuladas, ajustadas, modeladas, a fim de satisfazer aos interesses do mundo tecnológico em franca expansão.

Quem dita as regras não quer uma legião de olhos que veem. Isso significaria discussão, opinião, manifestação, contestação, enfim... Daí eles quererem olhos que se limitam a enxergar, ou seja, que se contentam em manter-se aprisionados ao domínio das telas. Silenciosos e pacíficos na sua subordinação tecnológica confortável.

Dizem eles que isso é o que há de melhor. Não precisam pensar. Nem se desgastar. Nem se estressar. Nem perder horas e horas elaborando seus pensamentos e ideias. Tudo está pronto! Ao alcance das mãos! Fruto do melhor que o mundo high tech pode oferecer! Basta encontrar sua tribo virtual e deixar que a tecnologia faça o resto.

Pois é, eu diria que isso é assustador! Segundo José Saramago, “A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela frente”. Por mais tecnologizados estejamos, o ser humano ainda é humano. Ele ainda vive e reina em um mundo real. Repleto de desafios, de mazelas, de questões ponderáveis e imponderáveis, as quais ele precisa lidar e tentar resolver, ainda que minimamente. Algo que por mais fantástica que sejam as novas tecnologias, elas não conseguem.

Não é à toa que Albert Einstein escreveu, “Aquele que já não consegue sentir espanto nem surpresa está, por assim dizer, morto; os seus olhos estão apagados”. Portanto, é nesse ponto que se descobre a impossibilidade de existir sem os olhos de ver. Somente por essa mágica simbiose que acontece entre a retina e a alma que a nossa inventividade, a nossa criatividade, todo o nosso potencial intelectual e cognitivo se liberta e nos possibilita realizar. Realizar por nós, pelos outros, pelo mundo, no sentido de uma edificação social que vislumbre o que há de mais belo, de mais puro e de mais sagrado.