Sobre
Eleições e Fake News
Por
Alessandra Leles Rocha
O uso indiscriminado da máquina
pública, nesta eleição, me pareceu bastante perceptível! Um bocadinho só de
atenção à quantidade de benesses eleitoreiras, posto que os veículos de
informação e comunicação não se abstiveram de trazê-las a público, para
entender como os caminhos fluíram. E somando esforços nesse sentido, as Fake News protagonizaram uma importância
que merece reflexão.
Ora, ora. Inventando,
distorcendo, manipulando, desqualificando, ... a era tecnológica das mentiras
fez a festa, como se o mundo virtual estivesse dissociado do mundo real. Nada
mais oportuno, dentro dessa sociedade contemporânea que se esconde no manto da
pressa, do excesso de obrigações e deveres cotidianos, do desinteresse por esse
ou aquele assunto, para se abster de pensar, refletir, analisar, construir a própria
opinião. De modo que muito foi investido nessa estratégia, tanto em recursos
quanto em construtores dessas narrativas.
A grande questão é que as Fake News extrapolam os limites da velha
e boa mentira. Há planejamento, há método, há elaboração dos conteúdos. E no
campo político-partidário descobriu-se um pulo do gato interessante que é a
força da autoridade discursiva, ou seja, o lugar de fala de quem apresenta
essas Fake News. Afinal, essa é uma
marca indelével da história colonial brasileira, na perspectiva de dominados e
dominadores.
Infelizmente, resiste até os dias
atuais, no país, uma demarcação subjetiva em torno da importância do
enunciador, em razão do espaço social que ele ocupa. Portanto, isso constrange
os demais interlocutores no seu direito de questionar aquela fala, seja na
forma ou no conteúdo, ocasionando uma aceitação submissa. Afinal, o enunciador
se coloca na posição de que não é fala que estaria sendo questionada; mas, ele próprio.
Então, estivesse o enunciador,
ele próprio se manifestando no post ou apenas reproduzindo um material de
terceiros, o simples fato da sua presença no processo já seria o suficiente
para a legitimação daquela informação. O que significa que a partir da
repercussão daquela Fake News é
possível apurar se o objetivo esperado foi cumprido ou não.
Tanto que, para reforçar esse
mecanismo, entrou em cena nessas eleições o ativismo político-religioso,
especialmente no campo das doutrinas protestantes neopentecostais. A autoridade
dos pastores e ministros foi exercida, também, pela disseminação de Fake News, cujos teores das comunicações
eram sensíveis às crenças e valores religiosos de seus fiéis. Sobretudo, em
comunidades mais desassistidas e vulneráveis socialmente.
Isso demonstra que, em pleno
século XXI, não é a simples existência dos recursos tecnológicos, das
ferramentas virtuais de comunicação, o ponto crítico das Fake News. Está na construção das relações sociais a grande
questão, quando se percebe o peso da autoridade discursiva estabelecida pela própria
estratificação socioeconômica. Há uma inibição, um constrangimento, um
desconforto, em se posicionar de maneira contrária em um diálogo com alguém que
se considera mais importante socialmente.
Nesse sentido, o recente processo
eleitoral trouxe dentro dessas questões relacionadas às Fake News, o fato de que a autoridade discursiva foi duramente
contaminada pela construção político-ideológica, principalmente da
ultradireita. Elas foram construídas basicamente para atender a esse tipo de
manipulação social persuasiva, que cria uma atmosfera de governança
satisfatória para o grupo que a implementou e disseminou. Um tipo de pressão e
controle social travestido de escolha, de opinião.
Algo que deriva, no fundo, da nossa
herança colonial histórica, a qual teceu essa ideia de que a certeza, o
conhecimento, a opinião preponderante pertence a quem estudou mais, ou é mais
rico, ou é mais poderoso, ou é mais influente. Então, se essa pessoa disse,
essa é a verdade. Não cabe contestação. Não cabe questionamento. Não cabe
nenhum tipo de desobediência. De modo que as mentiras travestidas de verdade
passam a circular livremente pela sociedade e cumprir seus objetivos
impunemente.
Sim, porque mesmo com a atuação
das esferas jurídicas na contenção da disseminação dessas Fake News, a velocidade tecnológica é um adversário importante que
não pode ser esquecido. Ainda que as decisões sejam rápidas, nem sempre elas
impedem completamente o êxito das mentiras. De modo que acaba restando algum
traço de prejuízo social pelo caminho, como se teve notícia nessas eleições.
Por isso, a grande discussão, que
deveria ser proposta a partir dessas eleições, em torno das Fake News, parte do reconhecimento de
que “Existem momentos na vida onde a
questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber
diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a
refletir” (Michel Foucault).
Pois, o que está em jogo é entender que “O problema não é mudar a ‘consciência’ das pessoas”, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade”; afinal, “O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta” (Michel Foucault).