segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Sobre Eleições e Fake News


Sobre Eleições e Fake News

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O uso indiscriminado da máquina pública, nesta eleição, me pareceu bastante perceptível! Um bocadinho só de atenção à quantidade de benesses eleitoreiras, posto que os veículos de informação e comunicação não se abstiveram de trazê-las a público, para entender como os caminhos fluíram. E somando esforços nesse sentido, as Fake News protagonizaram uma importância que merece reflexão.

Ora, ora. Inventando, distorcendo, manipulando, desqualificando, ... a era tecnológica das mentiras fez a festa, como se o mundo virtual estivesse dissociado do mundo real. Nada mais oportuno, dentro dessa sociedade contemporânea que se esconde no manto da pressa, do excesso de obrigações e deveres cotidianos, do desinteresse por esse ou aquele assunto, para se abster de pensar, refletir, analisar, construir a própria opinião. De modo que muito foi investido nessa estratégia, tanto em recursos quanto em construtores dessas narrativas.

A grande questão é que as Fake News extrapolam os limites da velha e boa mentira. Há planejamento, há método, há elaboração dos conteúdos. E no campo político-partidário descobriu-se um pulo do gato interessante que é a força da autoridade discursiva, ou seja, o lugar de fala de quem apresenta essas Fake News. Afinal, essa é uma marca indelével da história colonial brasileira, na perspectiva de dominados e dominadores.

Infelizmente, resiste até os dias atuais, no país, uma demarcação subjetiva em torno da importância do enunciador, em razão do espaço social que ele ocupa. Portanto, isso constrange os demais interlocutores no seu direito de questionar aquela fala, seja na forma ou no conteúdo, ocasionando uma aceitação submissa. Afinal, o enunciador se coloca na posição de que não é fala que estaria sendo questionada; mas, ele próprio.

Então, estivesse o enunciador, ele próprio se manifestando no post ou apenas reproduzindo um material de terceiros, o simples fato da sua presença no processo já seria o suficiente para a legitimação daquela informação. O que significa que a partir da repercussão daquela Fake News é possível apurar se o objetivo esperado foi cumprido ou não.

Tanto que, para reforçar esse mecanismo, entrou em cena nessas eleições o ativismo político-religioso, especialmente no campo das doutrinas protestantes neopentecostais. A autoridade dos pastores e ministros foi exercida, também, pela disseminação de Fake News, cujos teores das comunicações eram sensíveis às crenças e valores religiosos de seus fiéis. Sobretudo, em comunidades mais desassistidas e vulneráveis socialmente.

Isso demonstra que, em pleno século XXI, não é a simples existência dos recursos tecnológicos, das ferramentas virtuais de comunicação, o ponto crítico das Fake News. Está na construção das relações sociais a grande questão, quando se percebe o peso da autoridade discursiva estabelecida pela própria estratificação socioeconômica. Há uma inibição, um constrangimento, um desconforto, em se posicionar de maneira contrária em um diálogo com alguém que se considera mais importante socialmente.

Nesse sentido, o recente processo eleitoral trouxe dentro dessas questões relacionadas às Fake News, o fato de que a autoridade discursiva foi duramente contaminada pela construção político-ideológica, principalmente da ultradireita. Elas foram construídas basicamente para atender a esse tipo de manipulação social persuasiva, que cria uma atmosfera de governança satisfatória para o grupo que a implementou e disseminou. Um tipo de pressão e controle social travestido de escolha, de opinião.

Algo que deriva, no fundo, da nossa herança colonial histórica, a qual teceu essa ideia de que a certeza, o conhecimento, a opinião preponderante pertence a quem estudou mais, ou é mais rico, ou é mais poderoso, ou é mais influente. Então, se essa pessoa disse, essa é a verdade. Não cabe contestação. Não cabe questionamento. Não cabe nenhum tipo de desobediência. De modo que as mentiras travestidas de verdade passam a circular livremente pela sociedade e cumprir seus objetivos impunemente.

Sim, porque mesmo com a atuação das esferas jurídicas na contenção da disseminação dessas Fake News, a velocidade tecnológica é um adversário importante que não pode ser esquecido. Ainda que as decisões sejam rápidas, nem sempre elas impedem completamente o êxito das mentiras. De modo que acaba restando algum traço de prejuízo social pelo caminho, como se teve notícia nessas eleições.

Por isso, a grande discussão, que deveria ser proposta a partir dessas eleições, em torno das Fake News, parte do reconhecimento de que “Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir” (Michel Foucault).

Pois, o que está em jogo é entender que “O problema não é mudar a ‘consciência’ das pessoas”, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade”; afinal, “O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta” (Michel Foucault).