terça-feira, 1 de novembro de 2022

A Síndrome do Imperador e as curvas da estrada


A Síndrome do Imperador e as curvas da estrada

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Bem, tudo o que não imaginaria me deparar, nessas alturas do campeonato, era com um contingente, dentro dos 58.206.354 de eleitores do atual Presidente da República, se comportando segundo a chamada Síndrome do Imperador. Sim, apesar dessa síndrome ser descrita entre crianças e adolescentes, dessa vez são os adultos que estão deixando claras as suas dificuldades de controlar ou regular suas emoções e sentimentos diante de uma contrariedade, de uma frustração, e decidiram manipular com ameaças, ataques e argumentos vazios o restante da sociedade brasileira. Vejam só, o pior é que acreditam que podem assim, abalar os pilares da Democracia nacional!

Lamento, mas além do ridículo comportamento e dos prejuízos socioeconômicos já computados com os bloqueios ilegais nas rodovias Brasil afora, eles estão revelando a sua verdadeira face anticidadã, na medida da desconstrução da personagem “pessoas de bem”. Ora, até onde sei, entende-se como um ser humano bom aquele que desfruta de certas qualidades, tais como, a integridade, o respeito, a honestidade, a humildade, a generosidade, a disciplina, a paciência, a compaixão, a justiça, a resiliência, a responsabilidade, a gentileza, a empatia. O que em linhas gerais sintetiza um apreço coletivo ao contrário do individualismo.

Então, apesar do direito a escolha, nenhum ser humano pode esquecer que vive sob limites objetivos e subjetivos. Simplesmente, porque não é uma ilha, não vive sozinho, coexiste entre milhões de outros. De modo que uma “pessoa de bem” exerce o constante discernimento nas suas tomadas de decisão para saber onde acabam os seus limites e iniciam os dos outros, com o auxílio precioso do arcabouço jurídico-institucional do país. Leis, códigos, doutrinas, normas, regulamentos, ... todos os instrumentos que favorecem ao estabelecimento da igualdade e da equidade de direitos e responsabilidades sociais.

No entanto, esse grupo de cidadãos, acima citado, quer estabelecer para si prerrogativas que não lhes cabem ou pertencem para exacerbar a sua frustração, a sua possível indignação, diante do pleito eleitoral, que foi democraticamente realizado e resultou em uma escolha a ser respeitada e aceita por todos sem distinção. Querem a todo custo perturbar a ordem e impor suas vontades e quereres, a partir de uma manifestação frágil, inconsistente e ilegal.  Então, eu lhes pergunto, isso é ser do bem?

Enquanto os bloqueios nas rodovias impedem o direito natural de ir e vir de qualquer cidadão e destroem o asfaltamento, realizado com investimentos de dinheiro público, pela queima de pneus, ninguém questionou aos milhares de cidadãos pegos de surpresa nesse evento dantesco, se gostariam ou não de colaborar com seu tempo, sua paciência, sua fome, sua sede, sua perda de tratamento médico em situações em que o limite entre a vida e a morte é muito tênue. Pois é, a arbitrariedade desses indivíduos impediu que, também, violassem o direito à vida.

Pessoas de bem não agem, ou não deveriam agir, assim, ultrapassando os limites éticos e morais da civilidade humana. Em nome de quê? Por quê? Não há argumento, nesse caso, suficiente para sustentar essa sandice. Nenhuma atitude intempestiva, irresponsável, inconsequente, vai invisibilizar o Brasil que estampa os veículos de informação e comunicação; mas, que é visto a olho nu por qualquer pessoa disposta a isso, nesses últimos quatro anos. O Brasil da fome, da carestia, da inflação, do desemprego, da precarização trabalhista, dos mais de 680 mil mortos pela COVID-19, da destruição avassaladora dos biomas nacionais, das perdas educacionais durante a Pandemia, enfim...

Infelizmente, o Brasil idealizado por essas pessoas não é o Brasil real. Ele é um Brasil limitado pela perspectiva enviesada de uns e outros, como se pudessem dissociar o bom e o ruim da vida e só enxergar o primeiro. Nada de problemas. Nada de sofrimentos. Nada de obstáculos. Nada de contrariedades. Nada de frustrações. O que me faz lembrar Clarice Lispector ao afirmar que “O óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar” (Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres).

Mas, essa não é a vida como ela é! Por mais que se fuja desse óbvio, ele é implacável em nos perseguir e mostrar sua face, como se exigisse uma atitude de reparação, de comprometimento, de consciência. Como se esperasse nesse encontro inevitável se deparar com uma pessoa realmente do bem, ou seja, capaz de manifestar respeito, generosidade, paciência, compaixão, justiça, responsabilidade, gentileza e/ou empatia. No entanto, na hora h, há quem abaixe os olhos, há quem vire o rosto, há quem finja não ver, há quem se evada do local, há quem negue até o fim.

E se isso não explica na sua totalidade esse movimento caótico que vem sendo encenado bem diante dos nossos olhos, ao menos nos dá uma ideia bem embasada desse processo, cujo protagonismo deve ser destacado aos membros e simpatizantes da ultradireita no Brasil, ainda que muitos nem se deem conta disso.

Afinal de contas, como escreveu Bertolt Brecht, “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o lacaio dos exploradores do povo”.