A
Síndrome do Imperador e as curvas da estrada
Por
Alessandra Leles Rocha
Bem, tudo o que não imaginaria me
deparar, nessas alturas do campeonato, era com um contingente, dentro dos 58.206.354 de eleitores do atual Presidente da República, se comportando segundo a chamada
Síndrome do Imperador. Sim, apesar dessa síndrome ser descrita entre crianças e
adolescentes, dessa vez são os adultos que estão deixando claras as suas
dificuldades de controlar ou regular suas emoções e sentimentos diante de uma
contrariedade, de uma frustração, e decidiram manipular com ameaças, ataques e
argumentos vazios o restante da sociedade brasileira. Vejam só, o pior é que acreditam
que podem assim, abalar os pilares da Democracia nacional!
Lamento, mas além do ridículo
comportamento e dos prejuízos socioeconômicos já computados com os bloqueios
ilegais nas rodovias Brasil afora, eles estão revelando a sua verdadeira face anticidadã,
na medida da desconstrução da personagem “pessoas
de bem”. Ora, até onde sei, entende-se como um ser humano bom aquele que
desfruta de certas qualidades, tais como, a integridade, o respeito, a
honestidade, a humildade, a generosidade, a disciplina, a paciência, a
compaixão, a justiça, a resiliência, a responsabilidade, a gentileza, a
empatia. O que em linhas gerais sintetiza um apreço coletivo ao contrário do
individualismo.
Então, apesar do direito a
escolha, nenhum ser humano pode esquecer que vive sob limites objetivos e
subjetivos. Simplesmente, porque não é uma ilha, não vive sozinho, coexiste entre
milhões de outros. De modo que uma “pessoa
de bem” exerce o constante discernimento nas suas tomadas de decisão para
saber onde acabam os seus limites e iniciam os dos outros, com o auxílio
precioso do arcabouço jurídico-institucional do país. Leis, códigos, doutrinas,
normas, regulamentos, ... todos os instrumentos que favorecem ao
estabelecimento da igualdade e da equidade de direitos e responsabilidades sociais.
No entanto, esse grupo de cidadãos,
acima citado, quer estabelecer para si prerrogativas que não lhes cabem ou
pertencem para exacerbar a sua frustração, a sua possível indignação, diante do
pleito eleitoral, que foi democraticamente realizado e resultou em uma escolha a
ser respeitada e aceita por todos sem distinção. Querem a todo custo perturbar
a ordem e impor suas vontades e quereres, a partir de uma manifestação frágil,
inconsistente e ilegal. Então, eu lhes
pergunto, isso é ser do bem?
Enquanto os bloqueios nas
rodovias impedem o direito natural de ir e vir de qualquer cidadão e destroem o
asfaltamento, realizado com investimentos de dinheiro público, pela queima de
pneus, ninguém questionou aos milhares de cidadãos pegos de surpresa nesse
evento dantesco, se gostariam ou não de colaborar com seu tempo, sua paciência,
sua fome, sua sede, sua perda de tratamento médico em situações em que o limite
entre a vida e a morte é muito tênue. Pois é, a arbitrariedade desses indivíduos
impediu que, também, violassem o direito à vida.
Pessoas de bem não agem, ou não
deveriam agir, assim, ultrapassando os limites éticos e morais da civilidade
humana. Em nome de quê? Por quê? Não há argumento, nesse caso, suficiente para
sustentar essa sandice. Nenhuma atitude intempestiva, irresponsável,
inconsequente, vai invisibilizar o Brasil que estampa os veículos de informação
e comunicação; mas, que é visto a olho nu por qualquer pessoa disposta a isso,
nesses últimos quatro anos. O Brasil da fome, da carestia, da inflação, do
desemprego, da precarização trabalhista, dos mais de 680 mil mortos pela
COVID-19, da destruição avassaladora dos biomas nacionais, das perdas
educacionais durante a Pandemia, enfim...
Infelizmente, o Brasil idealizado
por essas pessoas não é o Brasil real. Ele é um Brasil limitado pela
perspectiva enviesada de uns e outros, como se pudessem dissociar o bom e o
ruim da vida e só enxergar o primeiro. Nada de problemas. Nada de sofrimentos. Nada
de obstáculos. Nada de contrariedades. Nada de frustrações. O que me faz
lembrar Clarice Lispector ao afirmar que “O
óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar” (Uma aprendizagem ou o Livro dos
Prazeres).
Mas, essa não é a vida como ela
é! Por mais que se fuja desse óbvio, ele é implacável em nos perseguir e
mostrar sua face, como se exigisse uma atitude de reparação, de
comprometimento, de consciência. Como se esperasse nesse encontro inevitável se
deparar com uma pessoa realmente do bem, ou seja, capaz de manifestar respeito,
generosidade, paciência, compaixão, justiça, responsabilidade, gentileza e/ou
empatia. No entanto, na hora h, há quem abaixe os olhos, há quem vire o rosto,
há quem finja não ver, há quem se evada do local, há quem negue até o fim.
E se isso não explica na sua
totalidade esse movimento caótico que vem sendo encenado bem diante dos nossos
olhos, ao menos nos dá uma ideia bem embasada desse processo, cujo protagonismo
deve ser destacado aos membros e simpatizantes da ultradireita no Brasil, ainda
que muitos nem se deem conta disso.
Afinal de contas, como escreveu Bertolt Brecht, “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o lacaio dos exploradores do povo”.