sábado, 29 de outubro de 2022

A esperança nunca para de soprar...


A esperança nunca para de soprar...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Hoje é dia para ler e reler o poema Esperança 1, de Mário Quintana! Sorver de maneira delicada e profunda as palavras que compõem, de maneira quase infantil, o grande segredo da existência humana. Não entendeu? Ora, somos movidos cotidianamente pela esperança! Sem ela, tudo é terra arrasada, sem perspectiva, sem sonho, sem nada. É por essa emoção repentina, que brota de algum lugar dentro da alma, então, que a vida não desbota até a última gota. Que os fiapos de energia nos seguram pelas mãos.

Algo que me faz recordar Rubem Alves, quando escreveu que “Hoje não há razões para otimismo. Hoje só é possível ter esperança. Esperança é o oposto do otimismo. ‘Otimismo é quando, sendo primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro. Esperança é quando, sendo seca absoluta do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar dentro do coração’. Camus sabia o que era esperança. Suas palavras: ‘E no meio do inverno eu descobri que dentro de mim havia um verão invencível...’. Otimismo é alegria ‘por causa de’: coisa humana, natural. Esperança é alegria ‘a despeito de’: coisa divina. O otimismo tem suas raízes no tempo. A esperança tem suas raízes na eternidade. O otimismo se alimenta de grandes coisas. Sem elas, ele morre. A esperança se alimenta de pequenas coisas. Nas pequenas coisas ela floresce...” 2.

Assim, a partir dessa percepção podemos encontrar uma pista das razões que nos levam a resistir tão bravamente às tempestades e intempéries que investem contra os seres humanos, sem piedade. Quando tudo parece nos engolir, nos soterrar, nos massacrar, nos colocar de joelhos, eis que a esperança desconstrói o cenário e apazigua mente e coração. O que me faz acreditar que, por mais que se diga ter chegado ao fundo do poço, isso de fato nunca acontece. Estamos sempre presos a um último bastião de esperança. No entanto, ele não se consome em si mesmo, ele se renova para estar sempre à disposição quando se fizer necessário. É inesgotável. É atemporal.

É essa esperança que nos ajuda a cicatrizar as feridas do tempo, da vida. A não permitir que sangremos sem socorro, sem auxílio, sem amparo. Contudo, as cicatrizes permanecem para não nos deixar esquecer e acreditar que a vida possa ser resumida na autossuficiência da esperança. Não. Como bem destacou Mario Sergio Cortella, “Segundo o grande pensador da educação, Paulo Freire, é preciso ter esperança para chegar ao inédito viável e ao sonho. Cuidado! Há pessoas que têm esperança do verbo ‘esperar’. Esse grande educador e filósofo falava da esperança do verbo ‘esperançar’. Esperar é: ‘Ah, eu espero que dê certo, espero que aconteça, espero que resolva’. Esperançar é ir atrás, é não desistir. Esperançar é ser capaz de buscar o que é viável para fazer o inédito. Esperançar significa não se conformar” 3.

Você já deve ter lido o livro, ou assistido ao filme, O Curioso Caso de Benjamin Button 4. Trata-se de um conto do escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald, publicado em 1922, no qual ele narra a história de um homem pela perspectiva inversa da vida, ou seja, da velhice para a infância. E dentre as mais famosas citações da obra está uma que coaduna exatamente com as palavras de Cortella. Ela diz o seguinte, “Para as coisas importantes, nunca é tarde demais, ou no meu caso, muito cedo, para sermos quem queremos. Não há um limite de tempo, comece quando quiser. Você pode mudar ou não. Não há regras. Podemos fazer o melhor ou o pior. Espero que você faça o melhor. Espero que veja as coisas que a assustam. Espero que sinta coisas que nunca sentiu antes. Espero que conheça pessoas com diferentes opiniões. Espero que viva uma vida da qual se orgulhe. Se você achar que não tem, espero que tenha a força para começar novamente”.

E se essa esperança não lhe satisfaz por considerar que esteja baseada na criação ficcional, veja a história da poetisa goiana Cora Coralina. Ela só publicou seu primeiro livro aos 75 anos de idade, embora tenha começado a escrever aos 14. Quando o assunto é esperança, ela é um exemplo indiscutível! Aliás, como ela mesma escreveu, “Eu sou aquela mulher / a quem o tempo / muito ensinou. / Ensinou a amar a vida. / Não desistir da luta. / Recomeçar na derrota. / Renunciar a palavras e pensamentos negativos. / Acreditar nos valores humanos. Ser otimista. / Creio numa força imanente / que vai ligando a família humana/ numa corrente luminosa / de fraternidade universal. / Creio na solidariedade humana. / Creio na superação dos erros / e angústias do presente. / Acredito nos moços. / Exalto sua confiança, / generosidade e idealismo. / Creio nos milagres da ciência / e na descoberta de uma profilaxia / futura dos erros e violências / do presente. / Aprendi que mais vale lutar / do que recolher dinheiro fácil. / Antes acreditar do que duvidar” (Ofertas de Aninha [ aos moços]) 5.

Portanto, há esperança! Em mim, em você, no outro...  Na ficção. Na realidade. Em cada átomo de energia existente no universo. Esperança no hoje, no amanhã, no depois de amanhã, ... sempre. Com ou sem lágrimas. Com ou sem sorrisos. Com ou sem abraços. Mas, sempre uma esperança genuína, motivante, transformadora. Uma esperança que tende a emergir o melhor que há em cada ser humano, apesar das sombras e das escuridões que tentam consumi-lo com voracidade.  Porque é esperança com ares de criança, com leveza, com alegria, com gosto de quero mais... Mais da vida. Mais do belo. Mais do sagrado. Mais do tempo. Mais... Apenas, mais.