Chovendo
no molhado
Por
Alessandra Leles Rocha
Essa de ficar “chovendo no molhado”, não dá mais! O desespero
coletivo, fundamentado no óbvio da realidade atual, compartilhado por muita
gente Brasil afora, permanece música para os ouvidos de quem, ainda, vê a normalidade
reinando.
Acontece, que o buraco dessa indignação “é bem mais embaixo” do que aparenta. O caos pandêmico foi só um
adicional a um outro caos que vinha sendo cozido em fogo baixo. Ou vai dizer
que você não se deu conta dos últimos acontecimentos ocorridos no país desde
2019, hein?!
O Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), que já não satisfazia a demanda de atendimentos a contento há longas datas, sucumbiu diante de uma “reestruturação”
não planejada. Milhares de pessoas ficaram sem atendimento, sem poder
retornar ao trabalho por falta de perícia médica, com benefícios suspensos;
enfim... Cidadãos brasileiros tratados literalmente como “subgente”.
Diversas comissões e conselhos
federais foram extintos, havendo uma limitação explícita da participação
popular em decisões importantes do país, como o Conselho Nacional de Política
Indigenista (CNPI), por exemplo. Salvaram-se alguns poucos constituídos por
força de lei; mas, a ingerência não deixou de existir e a obstaculização aos
interesses públicos tornou-se evidente.
Algo que se refletiu, em outros órgãos
importantes, como aqueles ligados ao Meio Ambiente, ou seja, o Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), facilitando a
implementação de uma política ambiental exploratória e não sustentável.
Fato que se traduziu na
velocidade devastadora das queimadas e do desmatamento ilegal, da incursão de
garimpeiros em terras protegidas por lei, da expansão desenfreada das áreas de
pastagem para criação de gado, ... que afetaram severamente biomas
importantíssimos como o Cerrado, o Pantanal e a Amazônia.
Mas, não se pode esquecer, também,
do setor Educacional e Cultural do país. Os quais foram abruptamente
desmantelados e precarizados no exercício de suas funções. Tratados como
assuntos de menor relevância no cenário nacional; muito embora, sejam alicerces
preciosos na consolidação de cidadãos multiletrados e multiglobalizados, que
vêm ou virão a ser a força motriz de desenvolvimento nacional.
Então, o que importa nessa
reflexão é trazer luz ao fato de que esses são apenas alguns exemplos da
tragicidade que tem acometido o país até agora e tenderá a ressoar seus
desdobramentos por uma vasta imprecisão temporal. Porque todos os
acontecimentos, exemplificados ou não aqui, tem de algum modo seu encaixe muito
mais na proposta para a política econômica do que na Pandemia.
Isso significa que a proposta
para a política econômica veio para satisfazer o lucro em detrimento do ser
humano. O que significa a “maquinização
humana”. Como se as pessoas pudessem trabalhar e produzir até a exaustão
para o alcance de metas cada vez mais extremas, sob condições não sustentáveis
e salários insuficientes a manutenção de sua dignidade.
Quem seriam essas pessoas? A exceção
das classes A e B da pirâmide social, todas as demais. Aquelas que vivem sob a
invisibilidade constante dentro do país. Alijadas da sua cidadania e direitos
fundamentais.
Portanto, não é de se espantar o
que acontece no contexto da Pandemia. Partindo das “Fake News” como instrumento disseminador das inverdades
negacionistas, foi fácil constituir campanhas maciças contra as medidas profiláticas
– distanciamento social, uso de máscaras, higiene frequente das mãos e
vacinação – defendidas pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) e demais corpos científicos nacionais e internacionais.
Há um interesse explícito da gestão atual em não governar no sentido amplo da
sociedade.
Traduzindo em miúdos, a política vigente
está centrada em bases muito claras daquilo que se entende por Aporofobia [1].
Apesar de a Pandemia estar em curso, estatísticas preliminares já são capazes
de demonstrar claramente como as populações isentas de quaisquer regalias e privilégios
estão mais vulneráveis tanto a infecção viral pelo Sars-COV-2 quanto pela indisposição
governamental em estabelecer políticas públicas que as alcancem e garantam a
sua proteção, inclusive no Pós-Pandemia.
Ora, não há país que sobreviva a
quaisquer tormentas dessa magnitude sem entender o senso coletivo que o mantém
de pé. O topo da pirâmide cai sem a existência de uma base sólida e resistente.
Direitos fundamentais básicos não são investimento e nem tão pouco luxo. Eles são
o esteio de um país inteiro. E essa é uma verdade que não cabe apenas ao
Brasil.
Por isso, é que diante dessa
perda econômica inevitável, cada país tem buscado atender as demandas
emergenciais de sua população, de maneira global. Nenhum segmento ficou de
fora. Todos entraram na conta econômica; mas, particularmente, humana. Com destaque
especial para aqueles que se engajaram por inteiro nas linhas de frente da
Pandemia. Todos foram lembrados, reconhecidos, apoiados.
Do mesmo modo que o Brasil, esses
países também não sabem cravar no calendário o fim dessa guerra biológica. No entanto,
eles estão trabalhando conjuntamente para isso; para fazer um Pós-pandemia
menos difícil, menos perverso. E nós? O que será de nós? O que esperar de um
país que semeia tanta desigualdade e indiferença humana?
Porque para todo lado que se olha
há alguém desrespeitando a tragédia, os milhares de mortos ... Não se engane,
porque a passividade, o silêncio, a inação, só faz gritar a conivência. É a
tradução mais emblemática de uma concordância ideológica. Essas pessoas
sinceramente acreditam que está tudo certo, tudo no seu devido lugar.
Se o mundo, de repente, desse uma
guinada e voltasse no tempo do Brasil Colônia, penso que elas iriam ao delírio
absoluto. Ficariam extasiadas com a cerimônia do “beija-mão”, com a subserviência forçada das mucamas e dos
escravos, dos bailes e saraus na Corte, da ostentação das posses, ... Afinal,
não é exatamente isso que têm buscado praticar até hoje?
É por essas e por outras que é
tão fácil fazer vingar a Aporofobia
nesse país. O conservadorismo raivoso e beligerante, que se espalha no mundo e
alcança esse território, é oriundo sim, de um colonialismo mal resolvido. O tempo
na prática passou; mas, nas convicções e ideias de muitas pessoas permanece imóvel
no passado. Quase como um vício saudosista, que apaga todas as ranhuras e
defeitos que (porventura) tenham existido.
Por isso se resiste a inclusão
social, a ruptura com os abismos sociais, a popularização dos direitos humanos
fundamentais. No entanto, isso não é permitir ventar novos ares sobre a
história. Virar a página. Encontrar novos caminhos para seguir adiante.
E não é, justamente, porque parece
ser uma ousadia que poucos querem assumir realizar; ficando sempre “o mais do mesmo”, num cotidiano de
absurdos e mazelas requentadas, em uma paralisia que só faz constranger. Mas, no
fim das contas, acaba sendo uma (ir) responsabilidade comungada entre todos sem
distinção. Uma vergonha da qual ninguém escapa.
Obrigada por sua atenção e carinho lindo texto 😘
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