À
espera de que...
Por
Alessandra Leles Rocha
“Antes
tarde do que nunca” é uma expressão que não me agrada por razões óbvias.
Ao contrário do que muita gente tenta impingir ao utilizá-la, não se trata de
um apagamento de todas as necessidades e urgências que clamaram até ali. O que
foi, foi. Não volta mais. Não pode ser mudado. Não pode ser reescrito. E no
Brasil, ela é empregada dentro de uma banalização absurda; decorrência, em grande
parte, das omissões e negligências que postergam o cotidiano “ad aeternum”.
De modo que tudo o que precisa e
deve ser feito chega sempre subscrito por um “Antes tarde do que nunca”. E assim, a sociedade brasileira vai
consolidando a trivialização de uma espera que pode ou não acontecer. Aceitando
a sina de viver sob o regime do conformismo em relação a uma cidadania que lhe
parece como aspiração distante do real.
O pior é saber que esse processo
se espalha por todos os caminhos e meandros sociais. Não acontece somente
dentro de um campo determinado. É assim na Saúde Pública, na Educação, na
Cultura, na Habitação, na Segurança, no Trabalho, na Previdência Social, ... Como
se a vida tivesse que se arrastar indefinidamente em busca de migalhas. E ainda
há quem diga que o povo gosta de viver assim! Que jeito esquisito de se abster
das responsabilidades, não é mesmo?!
Esse tipo de mendicância indigente,
embora seja resquício da nossa colonialidade, se mantém por força de interesses
maiores. Ora, é ela quem move as engrenagens da “indústria das mazelas”, a qual mantém cativa a população. Mas, se
engana redondamente quem pensa que são os menos favorecidos e privilegiados o
único alvo desse projeto de poder e controle. Todos são afetados. Haja vista as
teias enredantes da burocracia nacional ou a morosidade da Justiça. Portanto,
ninguém escapa de experimentar esse jugo.
No entanto, diante da
excepcionalidade manifesta pela Pandemia, muitos creram que esse panorama seria
afetado e uma mudança entraria em vigor. Mas, não. A resistência impressa, além
do cerne dessa filosofia postergante, manteve-se ativa, como nunca. Apenas a brutalidade
dessa realidade secular é que foi desnuda, tornando impossível não dimensionar
a sua significância e repercussões no dia a dia.
A passividade de outrora não
resistiu ao sabor amargo dos acontecimentos. Chega-se a um ponto em que o “Antes tarde do que nunca” soa perverso
demais, porque beira as raias da sobrevivência, do tênue limite entre a vida e
a morte. Agora, não era uma questão de aguardar pelo salário minguado, ou pela oportunidade
de emprego, ou pela comida, ou pela aposentadoria, ou quaisquer outros direitos
fundamentais. Dessa vez, era o leito de hospital, a vaga em uma Unidade de
Tratamento Intensivo (UTI), o respirador, o anestésico para intubação, o
oxigênio, a suficiência das equipes de saúde, ...
Então, ficou evidente com a
Pandemia que o “Antes tarde do que nunca”
é a representação da inação nacional em todas as suas instâncias. A tradução
perfeita do porquê o país não deslancha, não flui como deveria. Ele vive da
espera por alguém ou por alguma coisa. E esse esperar suga as esperanças, mata quaisquer
expectativas, desalenta completamente. Além disso, ele é também o espelho da insuficiência.
Na medida em que nem sempre o que chega a se concretizar satisfaz plenamente as
demandas e emergências.
No frigir dos ovos é como se tudo
não passasse de um gesto simbólico; mas, não efetivo. Dar uma satisfação para a
sociedade, não significa necessariamente resolver alguma coisa. E a história brasileira
é pródiga, por exemplo, em lançamentos de pedras fundamentais, cujo projeto
jamais sai do papel, ou inaugurações de obras inacabadas, os quais só fazem a
população dizer em coro “Antes tarde do
que nunca”, sem perceberem o veio caudaloso de dinheiro jogado fora.
Mas, por pior que seja o panorama
atual é bom não esquecer de que sempre chega o momento em que a insustentabilidade
supera o conformismo e as pessoas passam a discernir que “muitas vezes temos que dar tempo ao tempo. Outras vezes, temos que
arregaçar as mangas, e resolver – nós mesmos, determinada situação. Neste caso,
não existe pior coisa do que adiar” (Paulo Coelho – Escritor); afinal de
contas, “quem vive esperando, morre
penando” (Carlo Goldoni – Dramaturgo).