O progresso...
Por Alessandra
Leles Rocha
Um ciclo nada virtuoso. Talvez,
essa afirmação seja a que melhor explique a dinâmica das Revoluções Industriais
e a relação com o boom populacional que se estabeleceu depois delas.
Depois de ler duas matérias sobre
o avanço das voçorocas no Brasil e a discussão delas como um problema global 1, eis que me deparo com a notícia do
afundamento de cidades na China, em razão da “extração de água e do peso crescente
com a rápida expansão imobiliária” 2.
Mas, não para por aí, quilombolas
acionam Justiça britânica para barrar atividade de empresa mineradora em sua
região, no Brasil, tendo em vista a “poluição e soterramento das nascentes
de um rio, além de prejuízos à saúde causados pela poeira lançada no ar por
explosões” 3.
Vejam, desde a segunda metade do
século XVIII, as Revoluções Industriais não só demandaram um boom populacional
para garantir seu contingente de mão de obra e seu mercado consumidor; mas,
também, demandaram um uso e ocupação do solo que satisfizesse os seus
interesses.
Mais pessoas, mais moradias, mais
infraestrutura urbana, enfim... Tudo isso em uma crescente compatível ao
progresso industrial. É certo que, no início desse processo, não havia um
ordenamento jurídico que discutisse em profundidade os riscos e as medidas
mitigadoras aos efeitos dessa dinâmica industrial. Demorou, então, um tempo significativo
para que ele surgisse e fosse implementado.
Acontece que essa demora permitiu
a consolidação dos agravos que se presenciam, agora, mais intensos na
contemporaneidade. A negligência, em relação ao fato de que apenas ⅓ do
planeta é continental e que essa pequena fração ainda padece da limitação de
não poder ser totalmente habitável, foi sim, decisiva para as consequências desse
mau uso e ocupação.
Isso significa que a raça humana
está reduzindo cada vez mais os espaços geográficos habitáveis, quando se
preocupa exclusivamente com a manutenção do seu crescimento capital; sobretudo,
para nutrir os veios do seu desenvolvimento científico e tecnológico. Ocupando.
Explorando. Destruindo. Consumindo. É sob
esses princípios que o desenvolvimento da humanidade vem se mantendo alicerçado.
Mas, até quando?
Não bastasse as profundas alterações
geográficas na superfície terrestre, o planeta está diante do recrudescimento
dos efeitos extremos do clima. Sim, as conjunturas urbanoindustriais afetaram
também as condições climáticas, a partir de práxis como o desmatamento, a
liberação de poluentes na atmosfera, a alteração dos cursos d’água, o uso
excessivo de combustíveis fósseis.
Pois é, a concepção de progresso,
a qual uma imensa maioria de pessoas permanece acreditando, como se vê apresenta
um desequilíbrio real na sua relação custo/benefício. O progresso pelo
progresso está ameaçando a sobrevivência e a existência da raça humana no
planeta. A começar pelos episódios que têm ocasionado o deslocamento humano em
massa.
Segundo a Agência da Nações
Unidas para Refugiados (ACNUR), “Pessoas refugiadas, deslocadas internamente
e apátridas estão na linha de frente da crise climática. [...] “A mudança
climática e o deslocamento estão cada vez mais interligados. À medida em que eventos
climáticos extremos e condições ambientais pioram com o aquecimento global,
eles contribuem para múltiplas e sobrepostas crises, ameaçando os direitos
humanos, aumentando a pobreza e a perda dos meios de subsistência, tensionando
as relações pacíficas entre comunidades e, em última análise, criando condições
para deslocamentos forçados” 4.
A recente tempestade que atingiu Dubai,
nos Emirados Árabes Unidos, por exemplo, desperta um alerta nesse sentido. Haja
vista que “o recorde de precipitação é consistente com a forma como o clima
está mudando. Resumindo: o ar mais quente é capaz de reter mais umidade – cerca
de 7% a mais para cada grau Celsius – o que pode, por sua vez, aumentar a
intensidade da chuva”. Se tempestades cada vez mais intensas e amiúde começam
a impactar a superfície terrestre, não é difícil imaginar que regiões com baixa
cobertura vegetal ou impactadas pelo desmatamento/desertificação apresentem
tendência de uma ação erosiva mais acentuada.
Dizia o escritor francês Victor
Hugo que “O progresso roda constantemente sobre duas engrenagens. Faz andar
uma coisa esmagando sempre alguém”. De fato, não se pode banalizar os
efeitos nocivos do desenvolvimento humano. Infelizmente, os indivíduos foram
arrastados pelas Revoluções Industriais sem a mínima possibilidade de uma análise,
uma reflexão, um exercício crítico devidamente aprofundado, a respeito. Então, imersos
nesse universo, vêm descobrindo da pior maneira que os benefícios, amplamente divulgados,
não podem justificar os prejuízos. Afinal de contas, a verdade é que a humanidade
foi solapada na sua dignidade e direitos, inclusive, no que diz respeito à sua própria
sobrevivência.