Perfeccionista?!
Será???
Por Alessandra
Leles Rocha
Se por um lado a competitividade contemporânea
passa a impressão de conduzir muitos indivíduos a uma jornada de
perfeccionismo, por outro o que se vê é a qualidade dos resultados, das
relações, cada vez mais, deploráveis e inconsistentes.
O mundo da pressa, do
imediatismo, da inquietude acirrada, não combina com a qualidade e com a excelência
da perfeição, porque esbarra diretamente nos limites e na capacidade de
qualquer ser humano administrar uma série de fatores a respeito.
Um dos bens mais caros da
contemporaneidade é o tempo. O ser humano não dispõe de horas suficientes para
atender a todas as demandas que lhes são dirigidas. Falta tempo para ser. Falta
tempo para a família, os amigos, os amores. Falta tempo para o lazer. Falta tempo
para o trabalho. Falta tempo para desfrutar da paz interior. Enfim...
De modo que os indivíduos estão
mais e mais desatentos, superficiais, inconstantes, incoerentes, irritadiços, ...
estressados. São muitos pratos para equilibrar de uma única vez, sob o tic-tac
de um relógio marcando o ritmo da urgência. O que significa não realizar nada
com a devida perfeição!
Bem, na verdade, não acredito em
perfeição, na medida em que o ser humano é um ser inacabado, em constante
transformação. No entanto, isso não significa qualquer traço de desprezo em
relação à seriedade, à responsabilidade, ao compromisso, que cada ser humano deve
ter no exercício das suas atividades e relações sociais.
Assim, prefiro usar o termo profissionalismo
ao invés de perfeccionismo. Afinal, viver é a arte de se apresentar diariamente
às diferentes circunstâncias, o que faz da postura individual um cartão de
visitas da suas habilidades, competências, responsabilidades e alinhamento
ético. Trata-se de uma consciência que leva a agir sempre em busca dos melhores
resultados.
No entanto, o que mais se vê na
contemporaneidade são indivíduos agindo na total contramão desse profissionalismo,
nos mais diferentes espaços sociais. O
nível de desatenção é assustador! As pessoas não sabem mais o que leem, o que
escrevem, o que ouvem, o que falam ou o que fazem.
Estão autômatas, como se o
cotidiano pudesse ser comparado a uma receita de bolo, em que basta seguir
sempre pelas mesmas orientações e está tudo bem. Só que não.
Certa vez, quando estava na
universidade, ouvi, em uma palestra sobre bioética, um exemplo marcante a esse
respeito. A professora que conduzia a discussão falou da importância do senso
de responsabilidade e de atenção em relação a emissão de laudos biomédicos laboratoriais.
Afinal, um erro no resultado de
um exame pode ter consequências desastrosas e inimagináveis, dado o conjunto de
sentimentos e expectativas do paciente. Em alguns casos, o erro nem sempre pode
ser corrigido. Então, os profissionais de laboratório precisam estar plenos da
sua atenção, da sua responsabilidade, da sua ética, no exercício do seu
trabalho.
Mas, observando atentamente a
realidade contemporânea, chega a ser algo assustador! Daqui e dali há uma
franca deterioração do profissionalismo. Talvez, porque mensuradas pela
produtividade, enquanto possível critério de distinção social, quando tempo é
dinheiro e quem produz mais é tido como mais eficiente, as pessoas não se dão
conta do distanciamento que estão impondo à sua capacidade de agir em busca dos
melhores resultados.
Bons tempos, quando esse
comportamento parecia se restringir a certos exemplos presentes no
funcionalismo público. Agora é geral. Ninguém escapa de experienciar um
atendimento ruim, sem profissionalismo, sem foco, sem atenção, sem a devida
responsabilidade.
Vale ressaltar, inclusive, o fato
de que nem mesmo a tecnologização contemporânea tem escapado desse movimento. As
reclamações em torno de atendimentos puramente tecnológicos/virtuais se
avolumam, em razão de não serem capazes de suprir as necessidades dos clientes.
Suas demandas, na maioria das
vezes, sequer são respondidas, porque não há opção no checklist do
atendente virtual. E se as máquinas não são perfeitas, ou profissionais,
imagina o ser humano?!
No fim das contas, esse é só mais
um gatilho de aprofundamento para o fracasso civilizatório. Sim, ao gerar a
necessidade de explicar, reexplicar, inúmeras vezes, uma mesma questão, de não obter
o feedback dialógico naturalmente esperado, os indivíduos vão se
estressando, se irritando, adoecendo. A violência vai extrapolando a
civilidade, o bom senso, o equilíbrio. O que significa algo totalmente antiproducente
para a humanidade.
E ao que tudo indica, não há
qualquer preocupação do ser humano contemporâneo em relação à perfeição, nem
tampouco, ao profissionalismo. A naturalização da tecnologia, no sentido de
ocupar cada vez mais os espaços e tomar as rédeas da própria sociedade, pode
ser uma justificativa para a abstenção desse comportamento.
Por outro lado, lembrando a canção
dos anos 80/90 que dizia, “é melhor viver / Dez anos a mil, do que mil anos
a dez” 1, talvez, o ser humano seja
só isso. Pressa. Desatenção. Imediatismo. Em sã consciência ou de livre espontânea
vontade, ele jamais teve a intenção de ser perfeito ou de ser um exímio profissional.
Certos rótulos, certos estereótipos, acabaram lhe caindo pesado sobre os ombros
à revelia da sua vontade.
Assim, a título de entender um
pouco melhor essa inquietude imperfeita, talvez, fosse interessante sair, por
aí, e perguntar: “O que você faria se só te restasse esse dia? Se o mundo
fosse acabar / Me diz o que você faria” 2.
As respostas, certamente, poderiam nos surpreender e trazer pistas importantes
sobre o que realmente vem acontecendo com os seres humanos!
1
Decadence avec elegance (Lobão) - https://www.youtube.com/watch?v=g7ULVPLyvA4
2 O último dia (Paulinho Moska) - https://www.youtube.com/watch?v=2TYl2rGRncI