Na contramão
da Inconfidência Mineira
Por Alessandra
Leles Rocha
Nada poderia ser mais interessante
de se observar, no contexto dos acontecimentos recentes no Brasil, que em pleno
21 de abril, marco importante do movimento denominado Inconfidência Mineira,
tenha ocorrido um evento político na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro,
exaltando o mais profundo sentimento colonialista; porém, em relação aos EUA.
Enquanto a elite socioeconômica
das Minas Gerais travou, no século XVIII, a sua luta republicana e separatista,
contra o domínio colonial português; sobretudo, em relação à política fiscal
empregada pela metrópole, agora, três séculos depois, saem às ruas milhares de brasileiros
em favor do imperialismo digital 1,
liderado por um bilionário norte-americano.
Para mim, esta foi a prova cabal
daquilo que venho falando, há tempos, ou seja, o ranço colonial ainda domina o
Brasil. Vira daqui e mexe dali o brasileiro não perde a oportunidade de exercer
o seu vira-latismo explicitamente.
Como bem escreveu Nelson Rodrigues,
“Por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro
se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um
narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos
pretextos pessoais ou históricos para a autoestima” 2.
Bem, o fato de hastearem faixas e
bandeiras em apoio ao tal norte-americano, ou de proferirem discursos na língua
inglesa, apesar de caricato não diz tudo. Na verdade, pode ser considerado
apenas como a cereja do bolo, porque muito antes, um grupo de parlamentares
federais, custeados com dinheiro público, esteve algumas vezes na terra do Tio
Sam, denegrindo a imagem do Brasil junto a certos parlamentares estadunidenses.
Munidos de inverdades e absurdos
foram clamar por uma eventual interferência daquele país sobre o nosso.
Vociferaram que aqui é uma ditadura. Que a Suprema Corte brasileira está fora
de controle. Que há perseguição
política. Enfim... Mas, no fundo parecia que estávamos de volta aos tempos
coloniais, em que era preciso a vigilância e o controle da metrópole nos
assuntos locais.
Bem, se engana quem pensa que
essas coisas dizem respeito apenas à fragilidade da identidade nacional
brasileira. Não, o buraco é bem mais fundo. É por essas e por outras que a
Democracia, por aqui, vive na corda bamba, aos sobressaltos dos humores
alheios. A impressão que se tem é de que
os brasileiros não apreciaram muito a ideia de assumir as responsabilidades
republicanas. Afinal de contas, liberdade e responsabilidade são palavras que
não se dissociam!
Assim, o gosto por ter quem tome
às rédeas da situação, decida, faça e aconteça, que demonstre poder absoluto, para
muitos deles é o que seria ideal. Como se o preço pago por essa tutela não
fosse altíssimo, inclusive, do ponto de vista depreciativo da identidade
nacional. Vamos e convenhamos que essa subserviência, esse servilismo, essa submissão,
é bastante constrangedora e nos coloca em uma posição de atraso imutável.
Não nos esqueçamos de que a nossa
Constituição vigente está fundamentada pela soberania, pela cidadania, pela
dignidade da pessoa humana, pelos valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa e pelo pluralismo político (art. 1º). Portanto, não precisamos de
ninguém que diga o que é certo ou errado em nosso país. Que dê pitaco baseado
em Fake News, construídas a partir de informações equivocadas, inexistentes. Saudosismos
à parte, os tempos coloniais brasileiros ficaram no passado!
Imagino que, o pobre diabo do
Tiradentes e seus companheiros devem ter se revirado no túmulo, no último domingo.
Estamos falando de uma estirpe que tinha consciência política, cidadã, e lutava
contra os abusos e arbitrariedades da metrópole.
Nenhum deles pensava que a Coroa
Portuguesa defendia liberdade ou tinha espírito democrático. Nem poderiam;
pois, ficou claro, desde 1500, que o propósito era a dominação portuguesa, através
de vários vieses, ou seja, territorial, cultural, religioso e econômico. Quaisquer
tentativas de jugo sobre outra nação é, portanto, colonialismo!
A grande questão é que há 500
anos, o desequilíbrio de forças entre a colônia e a metrópole era um fato. Romper
com a dominação era praticamente impossível. Somente três séculos depois da
chegada dos portugueses, no país, é que o Brasil se faz independente da metrópole
e começa a trilhar caminhos de elaboração para a sua consolidação republicana e,
mais adiante, democrática.
Daí o espanto em perceber que há,
em pleno século XXI, quem queira fazer um caminho contrário na história! Diante
dessa constatação, não pude deixar de lembrar das palavras de Jose Luis Borges,
escritor argentino, que “As ditaduras fomentam a opressão, as ditaduras
fomentam o servilismo, as ditaduras fomentam a crueldade; mas o mais abominável
é que elas fomentam a idiotia”.
Pois é, a forma de governança
colonial não difere das ditaduras contemporâneas. O colonialismo foi um
precursor sim, na medida da sua arbitrariedade, da sua exploração das desigualdades,
da sua seletivização social, da sua brutalidade ideológica. Então, a
reafirmação do desejo colonial é a reafirmação desse desejo autoritário, alienante,
silenciador, opressor, capaz de elevar socialmente uns poucos em detrimento da
maioria.
O que, no caso do imperialismo
digital contemporâneo, ganha maior intensidade e velocidade, graças ao arcabouço
tecnológico desenvolvido por grandes potências globais, como são os EUA. Entendam
que, absortas pelo encantamento virtual, milhões de pessoas facilmente passam a
ser controladas e manipuladas através das mídias sociais.
Assim, devidamente programadas a conduzir
o indivíduo por algoritmos refratários, qualquer ideia contrária aos interesses
do poder dominante é rechaçada. E aí, a dominação territorial, cultural,
religiosa e econômica, faz a festa!
Segundo Michel Foucault, “Existem
momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do
que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para
continuar a olhar ou a refletir”.
E isso significa que “Precisamos
resolver nossos monstros secretos, nossas feridas clandestinas, nossa
insanidade oculta” (Michel Foucault), para podermos avançar ao invés de
regredir sócio-historicamente.
Afinal, “O discurso não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo
por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (Michel
Foucault). Prestemos bastante atenção a respeito, a fim de que possamos nos
colocar a realmente pensar e dar lugar a busca por essa tal liberdade ainda
que tardia 3!
1 https://emprosaeverso-alr.blogspot.com/2024/04/rumo-ao-imperialismo-digital.html
https://alrocha-antenacultural.blogspot.com/2024/04/rumo-ao-imperialismo-digital.html
3 “LIBERTAS QUAE SERA TAMEN” (Liberdade ainda que tardia) – lema dos inconfidentes mineiros e presente na bandeira do Estado de Minas Gerais.