Não, não
acabou.
Por
Alessandra Leles Rocha
Costumam dizer, por aí, que “De
boas intenções o inferno anda cheio”. Vejam que em 2021, por exemplo, a lei
n.º 14.230, aprovada pelo Congresso Nacional, simplesmente, alterou a lei n.º
8.429/1992, que dispunha sobre a improbidade administrativa. E algo que chamou
bastante atenção, à época, foi o fato de que dentre as alterações ficou
expresso que “O mero exercício da função ou desempenho de competências
públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a
responsabilidade por ato de improbidade administrativa” (art. 1º, §3º) 1. Assim, a prática de atos
ilegais ou contrários aos princípios básicos da Administração Pública,
cometidos por agentes públicos no exercício da sua função, estariam mais
distantes de punição.
Bem, não demorou muito para vermos,
na prática, o uso da nova lei. A recente notícia do arquivamento do processo
civil contra o ex-secretário de Segurança Pública do DF, pela Procuradoria da
República do DF, quanto ao episódio do 8/01/23, teve como base, justamente, “a
mudança na legislação que dispõe sobre os atos de improbidade administrativa”,
ou seja, “para a responsabilização de agentes públicos atualmente é
necessário que seja demonstrado dolo da conduta” 2.
Poderíamos, então, dizer que
estamos diante de uma daquelas lacunas providenciais que o sistema jurídico
costuma apresentar para isentar, ou anistiar de alguma forma, os infratores da
lei. Poderíamos; mas, no caso em questão, a decisão parece frágil, quando
olhamos atentamente para o curso da história de maneira mais ampla. Ainda em
dezembro de 2022, a capital federal esteve diante de um cenário de total
vandalismo, quando apoiadores do ex-Presidente da República tentaram invadir o
prédio da Polícia Federal (PF), incendiaram carros e ônibus e bloquearam vias.
Nesse momento, vale ressaltar que o ex-secretário de Segurança Pública do DF
exercia a função de Ministro da Justiça.
De modo que era de se esperar, da
parte dele, um conhecimento mais apurado quanto ao nível das tensões e beligerâncias
que pairavam sobre Brasília e sobre o país. Isso porque, até se chegar ao
12/12/2022, muitos atos antidemocráticos e anticidadãos já estavam sendo
deflagrados por grupos de apoiadores e simpatizantes do ex-Presidente da República,
tais como bloqueios de estradas, acampamentos na porta de quartéis-generais, ameaças
contra autoridades, faixas em favor de golpe militar, enfim. O que significa
que sua transição para a Secretaria de Segurança Pública do DF ocorreria dentro
dessa atmosfera, um tanto quanto, hostil.
Portanto, o cenário da capital federal
demandava, visivelmente, esforços mais efetivos para garantir o arrefecimento
das tensões, especialmente, em relação à posse do recém-eleito Presidente da
República e de seus ministros. Mas, para surpresa geral, mesmo diante de uma
responsabilidade dessa envergadura, ele assume o cargo de secretário de
Segurança Pública do DF e sai de férias. Deixando a situação nas mãos do
segundo na hierarquia da função. Bem, mas se tudo isso é insuficiente, do ponto
de vista do inquérito civil, a ponto de arquivamento, do ponto de vista
criminal o cenário é bem outro.
O ex- Ministro da Justiça e ex-secretário
de Segurança Pública do DF segue sendo investigado em processo que corre no
Supremo Tribunal Federal (STF). Além da suposta omissão e conivência com atos
terroristas, mudanças repentinas na segurança do DF, a licença para viajar de férias
para os EUA assim que assumiu à Secretaria de Segurança Pública do DF, a entrada
de cem ônibus fretados que adentraram a capital às vésperas do 08/01, o achado
de uma minuta de documento, propondo um golpe de Estado, durante curso
investigativo da Polícia Federal (PF), em sua residência, são questões que
implicam seriamente o ex- Ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública
do DF. Daí ele continuar com um processo no STF, ou seja, não acabou, ele tem
muito a responder ainda.
Isso não quer dizer, considerando
o histórico “passa panista” do Brasil, que os infratores serão
verdadeiramente responsabilizados. Esperamos que sim. Esperamos que não se
abram precedentes para dissabores piores. Uma boa mãe educa, daí a necessidade de
a Pátria brasileira não fugir a esse compromisso. Trazer os indivíduos
infratores à consciência de seus atos irresponsáveis, anticidadãos e antidemocráticos
é que, talvez, possibilitará desenhar um novo senso identitário ao país, o qual,
seja capaz de afirmar que ninguém está acima das leis.