Mais do
mesmo ...
Por Alessandra
Leles Rocha
Lamento, mas o Brasil ainda tem
muito chão pela frente para desconstruir velhos paradigmas herdados do seu
tempo colonial. Haja vista como os representantes do poder político-partidário rodopiam
em torno disso, em uma espiral insana, como se não houvesse mais nada a fazer
ou a discutir. Dormem e acordam respirando política. Uma política de interesses
próprios. De perpetuação de poder. De enriquecimento. De influência. Não uma
política que trabalhe pelo desenvolvimento, pela organização da convivência social,
pelo estabelecimento dos deveres e dos direitos comuns, pela participação
coletiva. Por isso, duas notícias me chamaram a atenção para tecer essa
reflexão.
A primeira diz que o “Piso
salarial dos professores de educação básica passa de R$4.420 para R$4.580, diz
MEC” 1. Olhando pela perspectiva de um
mundo de cabeça para baixo, extremamente, desafiador do ponto de vista socioeconômico,
ela traz a impressão de avanço, de melhoria. É claro que, se comparada a muitas
outras classes profissionais, esse piso está longe de traduzir a importância e
o respeito social para com a docência, que não só é formadora de mão de obra
qualificada; mas, sobretudo, da identidade cidadã.
Entretanto, não é necessariamente
por esse motivo que a notícia não empolga. A questão é que a educação básica se
encontra sob o guarda-chuva de obrigações dos Estados e Municípios. Portanto,
depende deles a regulamentação desse novo piso, o que cria um empasse a
respeito. Ainda que o governo federal tenha o dever de suprir apoio financeiro
adicional, em casos comprovados de Estados e Municípios impossibilitados de
cumprir o valor do piso, a verdade é que as políticas públicas, onde a Educação
está inserida, não dispõe de qualquer apreço por parte de uma imensa maioria de
figuras da representação político-partidária nacional.
Longe de achismos,
o exemplo dessa consideração se registra pela segunda notícia. Uma prefeitura baiana,
mesmo em situação de emergência por causa da seca, contratou um show, de
artista renomado, por mais de R$1 milhão 2.
Pois é, a velha máxima do pão e circo, herdada do Império Romano! Diante de uma
sociedade visivelmente desigual, a ideia de apaziguar as camadas mais vulneráveis
e desprivilegiadas, através de banquetes públicos, festas, eventos desportivos
e artísticos, não só objetiva silenciar a perspectiva reivindicatória e de possíveis
levantes; mas, de aumentar a popularidade política das lideranças.
Mais uma vez, o que deveria ser
objeto de prioridade da gestão pública é negligenciado ou postergado. Educação,
saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, proteção à
maternidade e à infância, assistência desamparados, que deveriam ser o ponto de
partida da governança de Estados e Municípios, se perdem na visão tosca do
despreparo casuísta dos gestores públicos. O fato de séculos e séculos se
sobreporem na passagem do tempo demonstra que esse movimento tem sido
insuficiente para conter a reprodução de padrões históricos nefastos, como se
vê acontecer nessa cidade baiana, em pleno século XXI.
O Brasil ainda permanece preso à
ideia de que as importâncias e as desimportâncias nacionais podem, e devem, ser
definidas pela ínfima parcela do topo da pirâmide social. De modo que as
decisões tomadas passam pelo escrutínio de uma perspectiva social extremamente limitada,
tendo em vista de que essas pessoas são historicamente beneficiadas por um
conjunto de regalias e privilégios. Estamos falando de gerações e gerações que
aprenderam a viver sob o norte da sua importância e influência social. Elas criam
e descriam leis, segundo seus interesses. Elas dão e tomam, quando lhes é
conveniente.
É por essas e por outras, que a
remuneração da classe docente vive a eterna desventura de embates, de movimentos
grevistas, de afrontas desqualificantes, enfim... Que os infortúnios gerados
pelos efeitos do clima, tais como a seca, as enchentes, os desabamentos, acabam
registrados apenas na memória daqueles diretamente afetados. Romper essa bolha
de frustrações e inações históricas é o grande desafio para se poder pensar em
desenvolvimento, em progresso, em um protagonismo brasileiro real.
A impressão que se tem é de que o
país se deixou soterrar por escombros ideológicos, de um tempo que não existe
mais, ao ponto de comprometer o seu senso civilizatório e humanista. Daí a necessidade de pensar, de analisar, de
refletir criticamente, sobre nossa história nacional, nossa vida, nosso espaço,
nossa cidadania. Porque se não fizermos isso, muito em breve, estaremos concordando
com o que escreveu Mário Quintana, “Da vez primeira em que me assassinaram,
/ Perdi um jeito de sorrir que eu tinha. / Depois, a cada vez que me mataram, /
Foram levando qualquer coisa minha”.