O Perdão e o Pecado
Por Alessandra Leles Rocha
Não acredito que se render à simonia 1
vai ajudar, de alguma forma, o país a carregar o peso das suas maldades
confessas e praticadas. A começar pela pena de morte que se faz configurar pela
total incompetência em lidar com a Pandemia e arrasta centenas de milhares de
pessoas para o morticínio. Pelas leis nacionais ela não existe, nem ao menos é
aceita pelo consenso geral da população; mas, está vigorando subliminarmente
através da desassistência flagrante que expõe as pessoas ao óbito abrupto e
prematuro. Reza as Escrituras Sagradas que o ser humano não peca somente por
atos; mas, também, por omissões. E quantas não estão cotidianamente acontecendo
ao nosso redor?
Cada notícia que chega por meio
dos veículos de comunicação e informação dá a conta exata a respeito da
realidade. O negacionismo. O autoritarismo. A desinformação como apologia à ignorância.
... enquanto uma teia de imobilidade vai sendo fiada gradativamente e a
população sendo asfixiada pela inação. O que torna impossível discutir quaisquer
gestos de perdão, se a razão não consegue esconder o dolo e a culpa pelo o que
de mais terrível acontece.
Verdade seja dita, a vida está
sendo corrompida pelos crimes capitais. Gula.
Avareza. Luxúria. Ira. Inveja. Preguiça. Vaidade. Basta um pouco de observação,
ainda que bem superficial, para perceber como esses sentimentos dominam as
manchetes nas suas linhas e entrelinhas. Como são vorazes na sua sede de sobrevivência
mundana. Nem sei se é possível pensar que queiram, mesmo, algum tipo de perdão
pelo o que estão dispostos a fazer.
Porque na roda em que eles circulam
são ininterruptos, contínuos, incansáveis. A cada segundo trazem um novo feito
para a perplexidade e o horror dos viventes. De modo que o sofrimento e o
desgaste promovidos pela Pandemia tornam-se demasiadamente insuportáveis pela
ação cumulativa dessas forças de destruição. Afinal de contas, elas esgarçam as
redes de proteção à sobrevivência e a dignidade do ser humano, tornando o
cotidiano um mar infinito de martírios e perdas.
De fato, isso tudo é mesmo
imperdoável! Porque não é obra do acaso. Estão sobre a mesa as intenções, os
objetivos. Calculado, repensado, milimetricamente estudado. Bombas de desespero
lançadas sem aviso sobre a vida dos passantes. Que explodem sonhos, esperanças,
projetos, ... enquanto tentam, também, minar a credulidade e a fé que possam
restar. Sim, porque a desesperança e a incredulidade são moedas importantes para
o trabalho dos falsos profetas.
Com seu imenso dom de iludir,
eles se beneficiam diretamente dos escombros sociais, das catástrofes, da cronificação
das mazelas. Como quem tem sempre um placebo de última geração para aplacar a
dor irremediável. E de paliativos em paliativos, a marcha dos infelizes segue
seu curso, contabilizando cada vez mais seguidores, tentando se equilibrar nas
areias movediças dos desertos da vida.
Porque a verdade é bruta e cruel.
Não é para qualquer um enfrentá-la de frente. Razão pela qual, a grande maioria
das pessoas se vulnerabiliza diante dos repetidos confrontos. Quando isso
acontece, surgem os tais “lobos em pele
de cordeiro” para satisfazerem sua sanha. Eles não têm nenhum pudor por
olhar apenas para os seus interesses próprios. Cada lobo dessa alcateia é, no
fundo, apenas um lobo solitário, que age e caça sozinho.
Afinal, como escreveu Umberto
Eco, em “O nome da Rosa”, “quando os verdadeiros inimigos são muito fortes, é
preciso escolher inimigos mais fracos”. E os sofredores não estão em vantagem
ou em condições de se opor nem contestar as investidas deles. E assim, a
corrente dos pecados humanos segue sem fim... há sempre alguém para fornecer-lhe
mais alguns elos. Alguém para substituir os que se cansam ou se perdem na
espiral de devaneios.
Talvez, seja por isso que “não são os pecadores que devem desaparecer,
mas os pecados” (Textos Judaicos). E aí que está a grande dificuldade. O ser
humano é falível e extremamente susceptível as tentações do mundo. De modo que
ele vive se equilibrando em uma tênue linha que divide o perdão e o pecado. Às
vezes cai de um lado; outras, cai do outro. O grande impasse é se posicionar em
relação a tudo isso.
De modo que a inteligência humana
se desperdiça quando se abstém de buscar por princípios mais elevados, mais altruístas,
mais fraternos. E o fato de o ser humano se permitir tornar seus valores e práticas
moedas de troca nos escambos da vida, não apaga esses atos em si. Não se deixe
enganar, o dinheiro não compra tudo o que está acima e além na linha do
subjetivo. Por isso, “Temei os profetas e
aqueles que estão dispostos a morrer pela verdade, pois, em geral, farão morrer
muitos outros juntamente com eles, frequentemente antes deles, por vezes no
lugar deles” (Umberto Eco – escritor italiano).
1 Compra ou venda ilícita de coisas
espirituais (como indulgências e sacramentos) ou temporais ligadas às
espirituais (como os benefícios eclesiásticos).