terça-feira, 4 de junho de 2024

E todo mundo de olho na taxação de produtos importados até US$50!!!


E todo mundo de olho na  taxação de produtos importados até US$50!!!

 

Por Alessanddra Leles Rocha

 

Encontra-se pautado para votação, no Senado, o Projeto de Lei (PL 914/2024), que institui o Projeto de Mobilidade Verde e Inovação (Mover); mas, também, trata de exigências de maior conteúdo local para equipamentos da indústria petrolífera e fornecedores ao setor de petróleo e gás brasileiro e a taxação de produtos importados até US$50.  

Já comecei a tecer as minhas considerações no texto “Os segredos dos jabutis” 1; mas, diante da efervescência de opiniões por parte da imprensa; sobretudo, a respeito da taxação dos importados, decidi expandir um pouco mais as minhas reflexões. Pois é, a tal alíquota já pode ser considerada a mais nova semente da discórdia.

Mas, não é difícil entender as razões para tanto falatório. Enquanto setores da produção e da economia defendem que o imposto é importante, que traz justiça para as relações comerciais, que assegura postos de trabalho, que impediria certas práticas nocivas à importação etc.etc.etc., há de se considerar outros pontos de análise.

Ora, a primeira pergunta a se fazer é por que os importados, de até US$50,00, fazem tanto sucesso por aqui? Bem, depois de longos e tenebrosos invernos, finalmente a grande massa da população teve acesso ao mercado dos importados. Poder comprar produtos de boa qualidade e a preços muito acessíveis; sem contar, a imensa diversidade de opções. Vestuário. Acessórios. Bolsas e calçados. Decoração. Material escolar. Enfim...

Portanto, essa euforia consumista provocada pelas importações de até US$50,00, está, em primeiro lugar, diretamente associada à precarização do trabalho e o achatamento salarial da grande massa populacional brasileira. Com o orçamento cada vez mais limitado, a possibilidade de adquirir produtos “bons, bonitos e baratos” enche os olhos de qualquer cidadão.

Depois, porque esse fenômeno está diretamente atrelado ao próprio modo de produção brasileiro. Eles vociferam contra a concorrência, exigem protecionismo; mas, ninguém abre a boca para se posicionar em favor de mudanças nos meios de produção que permitam que ele se torne efetivamente competitivo aos importados. Que sejam verdadeiramente acessíveis à população brasileira.

Na verdade, o que estão querendo é simplesmente impedir o acesso dessas pessoas ao consumo, empurrando-lhes a conta de mais um imposto, além do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado pelos estados. Assim, o cidadão tem dificuldade de adquirir o produto tanto interna quanto externamente, em razão do peso da tributação.

Sem contar que essa situação pode fazer emergir a ilegalidade através de contrabando, como já se vê acontecer com frequência, há décadas, no Brasil, nas apreensões de cigarros, armas, agrotóxicos e outros produtos, oriundos de países vizinhos. O que significa lançar sobre os serviços de controle e fiscalização nacionais uma sobrecarga de trabalho ainda mais intensificada, a fim de evitar os prejuízos decorrentes dessa prática ilegal.

Ao tratar de uma tributação de importação de compras de até US$50,00, o Brasil parece limitado no seu entendimento do assunto. Porque não são os pequenos compradores, aqueles que realmente poderiam impactar os interesses produtivos nacionais. A discussão tem de girar em torno dos grandes importadores. Estes sim, dado o volume de importação, podem representar uma concorrência aos produtos nacionais.

Contudo, isso não muda o fato de que o Brasil precisa rever toda a sua cadeia de produção. Durante a pandemia, por exemplo, o país experimentou o dissabor de disputar com o mundo, diversos suprimentos e equipamentos médico-hospitalares, porque muitos não eram produzidos aqui. Diante da lei da oferta e da procura, o país pagou caro para atender as demandas emergenciais e provou o constrangimento de episódios de corrupção.

Precisamos, portanto, expandir o olhar sobre a industrialização contemporânea. Diversificar além do setor automobilístico, siderúrgico, metalúrgico, petroquímico, de papel e celulose, alimentício, construção civil e geração de energia.  Reduzir custos de produção, a partir de parâmetros alinhados à Economia Verde. Investir em equipamentos atualizados para as novas demandas. Um processo que não acontece da noite para o dia; mas, que precisa iniciar em algum momento. De preferência, o quanto antes.

Mas, para isso é preciso saber se o Brasil está disposto a romper com os grilhões da sua histórica submissão colonial. Infelizmente, o país se acostumou a ser exportador de matérias-primas e importador de produtos manufaturados. Se acostumou a fazer fortuna das grandes potências globais em detrimento do seu próprio progresso e desenvolvimento. Se acostumou a curvar-se diante dos interesses de terceiros, ainda que a um preço altíssimo. Se acostumou ... Porém, isso não dá sustentação para nenhum tipo de protagonismo, no cenário internacional.

Seja como for, a tal “taxação das blusinhas” já trouxe algo de bom, mesmo sendo um “jabuti” no PL 914/2024. Afinal, abriu o debate, a discussão, a reflexão, além de si mesma. Expôs as incongruências do nosso sistema produtivo, as marcas impregnadas do nosso ranço colonial, as fragilidades da nossa argumentação político-econômica, o velho apreço ao recurso dos tributos, e a desimportância dada aos interesses da grande massa da população.  Porque são nessas ironias do destino, quando as ideias se conectam de repente, é que as grandes e positivas transformações acontecem.