E todo mundo de olho na taxação de produtos importados até US$50!!!
Por Alessanddra Leles Rocha
Encontra-se
pautado para votação, no Senado, o Projeto de Lei (PL 914/2024), que institui o
Projeto de Mobilidade Verde e Inovação (Mover); mas, também, trata de exigências
de maior conteúdo local para equipamentos da indústria petrolífera e
fornecedores ao setor de petróleo e gás brasileiro e a taxação de produtos
importados até US$50.
Já comecei a tecer as minhas
considerações no texto “Os segredos dos jabutis” 1;
mas, diante da efervescência de opiniões por parte da imprensa; sobretudo, a
respeito da taxação dos importados, decidi expandir um pouco mais as minhas
reflexões. Pois é, a tal alíquota já pode ser considerada a mais nova semente da
discórdia.
Mas, não é difícil entender as
razões para tanto falatório. Enquanto setores da produção e da economia defendem
que o imposto é importante, que traz justiça para as relações comerciais, que
assegura postos de trabalho, que impediria certas práticas nocivas à importação
etc.etc.etc., há de se considerar outros pontos de análise.
Ora, a primeira pergunta a se
fazer é por que os importados, de até US$50,00, fazem tanto sucesso por aqui? Bem,
depois de longos e tenebrosos invernos, finalmente a grande massa da população
teve acesso ao mercado dos importados. Poder comprar produtos de boa qualidade
e a preços muito acessíveis; sem contar, a imensa diversidade de opções.
Vestuário. Acessórios. Bolsas e calçados. Decoração. Material escolar. Enfim...
Portanto, essa euforia consumista
provocada pelas importações de até US$50,00, está, em primeiro lugar,
diretamente associada à precarização do trabalho e o achatamento salarial da
grande massa populacional brasileira. Com o orçamento cada vez mais limitado, a
possibilidade de adquirir produtos “bons, bonitos e baratos” enche os
olhos de qualquer cidadão.
Depois, porque esse fenômeno está
diretamente atrelado ao próprio modo de produção brasileiro. Eles vociferam
contra a concorrência, exigem protecionismo; mas, ninguém abre a boca para se
posicionar em favor de mudanças nos meios de produção que permitam que ele se
torne efetivamente competitivo aos importados. Que sejam verdadeiramente acessíveis
à população brasileira.
Na verdade, o que estão querendo
é simplesmente impedir o acesso dessas pessoas ao consumo, empurrando-lhes a
conta de mais um imposto, além do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) cobrado pelos estados. Assim, o cidadão tem dificuldade de
adquirir o produto tanto interna quanto externamente, em razão do peso da
tributação.
Sem contar que essa situação pode
fazer emergir a ilegalidade através de contrabando, como já se vê acontecer com
frequência, há décadas, no Brasil, nas apreensões de cigarros, armas, agrotóxicos
e outros produtos, oriundos de países vizinhos. O que significa lançar sobre os
serviços de controle e fiscalização nacionais uma sobrecarga de trabalho ainda
mais intensificada, a fim de evitar os prejuízos decorrentes dessa prática
ilegal.
Ao tratar de uma tributação de importação
de compras de até US$50,00, o Brasil parece limitado no seu entendimento do
assunto. Porque não são os pequenos compradores, aqueles que realmente poderiam
impactar os interesses produtivos nacionais. A discussão tem de girar em torno
dos grandes importadores. Estes sim, dado o volume de importação, podem representar
uma concorrência aos produtos nacionais.
Contudo, isso não muda o fato de
que o Brasil precisa rever toda a sua cadeia de produção. Durante a pandemia,
por exemplo, o país experimentou o dissabor de disputar com o mundo, diversos
suprimentos e equipamentos médico-hospitalares, porque muitos não eram
produzidos aqui. Diante da lei da oferta e da procura, o país pagou caro para
atender as demandas emergenciais e provou o constrangimento de episódios de
corrupção.
Precisamos, portanto, expandir o olhar
sobre a industrialização contemporânea. Diversificar além do setor automobilístico,
siderúrgico, metalúrgico, petroquímico, de papel e celulose, alimentício, construção
civil e geração de energia. Reduzir custos
de produção, a partir de parâmetros alinhados à Economia Verde. Investir em
equipamentos atualizados para as novas demandas. Um processo que não acontece
da noite para o dia; mas, que precisa iniciar em algum momento. De preferência,
o quanto antes.
Mas, para isso é preciso saber se
o Brasil está disposto a romper com os grilhões da sua histórica submissão
colonial. Infelizmente, o país se acostumou a ser exportador de matérias-primas
e importador de produtos manufaturados. Se acostumou a fazer fortuna das
grandes potências globais em detrimento do seu próprio progresso e desenvolvimento.
Se acostumou a curvar-se diante dos interesses de terceiros, ainda que a um
preço altíssimo. Se acostumou ... Porém, isso não dá sustentação para nenhum tipo
de protagonismo, no cenário internacional.
Seja como for, a tal “taxação
das blusinhas” já trouxe algo de bom, mesmo sendo um “jabuti” no PL
914/2024. Afinal, abriu o debate, a discussão, a reflexão, além de si mesma.
Expôs as incongruências do nosso sistema produtivo, as marcas impregnadas do
nosso ranço colonial, as fragilidades da nossa argumentação político-econômica,
o velho apreço ao recurso dos tributos, e a desimportância dada aos interesses
da grande massa da população. Porque são
nessas ironias do destino, quando as ideias se conectam de repente, é que as grandes
e positivas transformações acontecem.