Sobre
coragem e covardia
Por Alessandra
Leles Rocha
Especulações à parte, as recentes
notícias em torno do assassinato de Marielle Franco e de seu motorista Anderson
Gomes despertam outros vieses de análises e reflexão. O fato de ser mulher,
negra, periférica, homossexual, ativista, política, não foi o que pesou na escolha
de Marielle como alvo de uma violência deliberada.
Conhecendo o Brasil; sobretudo, o
cenário contemporâneo, essas características certamente colaboraram, mas, não
foram o fiel da balança! Marielle morreu por ter voz, por dizer, a plenos
pulmões, o que era necessário, para defender aqueles que ninguém se predispõe a
enxergar.
Matar Marielle era, portanto,
silenciar uma voz incomodativa, perturbadora, ruidosa, inconveniente aos
interesses de poder e influência, de uns e outros.
Interessante é pensar que Marielle
não era só corajosa na existência cotidiana, no ir e vir da vida; mas, a sua
fala, a sua voz, eram expressões puras de coragem. Foi por esse motivo, então, que
descobrimos que a coragem não morre. A coragem vive, pulsa, reverbera,
permanece, em uma voz que não silencia.
Prestes a completar 6 anos do
crime, a ex-vereadora carioca pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) não
permaneceu no esquecimento público, um minuto sequer, contrariando totalmente
os interesses de seu(s) algoz(es).
Afinal, a coragem não tem motivo
para se esconder, para se omitir, para fugir da raia. A coragem é livre, plena,
transita de cabeça erguida em todos os cantos, iluminada pela força do sol ou
pelas bênçãos da chuva.
Inclusive, penso que esse é o aspecto
mais importante para pensar sobre esse assunto. Em todo esse tempo de espera,
que marca a elucidação desse crime absurdo e abjeto, a covardia que matou,
também, se apresentou na obstaculização das investigações, criando teias de
morosidade e cortinas de fumaça para esconder pessoas e interesses.
Pena que a covardia não teve paz!
Se fez presa na sua própria armadilha. Atrelada às sombras. Constantemente
sobressaltada pelo movimento das areias do tempo, o único capaz de revelar as
suas verdades mais terríveis. Tudo porque a voz da coragem não morre!
Pois é, basta ver o que dizem as
páginas da história da humanidade a esse respeito. Martin Luther King Jr.,
Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, Padre Júlio Lancellotti, Harriet
Tubman, Kwame Nkrumah, Nelson Mandela, Rosa Parks, Maria Firmina dos Reis, Dandara
de Palmares, Carolina Maria de Jesus, Tia Ciata, Angela Davis, Malcom X, Conceição
Evaristo, Sueli Carneiro, Maya Angelou, Djamila Ribeiro, ... só para citar
alguns personagens emblemáticos.
Mas, pensando nesses nomes, não
se engane em enquadrá-los dentro de um estereótipo heroico de histórias em
quadrinhos ou filmes de ficção. Coragem não tem nada a ver com força, com
brutalidade, com destemor, com ousadia, com valentia.
Coragem é só um ímpeto da alma a
fim de ultrapassar fronteiras, de descobrir o que há por trás do horizonte, que
seja capaz de ajudar a solucionar demandas e problemas do agora.
Coragem fala de consciência, de
razão, de amor, de empatia, de solidariedade, de valores, de princípios, de
crenças, de inconformismos consigo e com o mundo.
Olhando para o caos contemporâneo,
você pode até pensar que a coragem, então, desapareceu ou perdeu espaço. Só que
não. Há corajosos em todos os lugares. Dia e noite. Fiando a coragem para que
ela não se perca, não se esgarce, e permaneça inteira para o que der e vier.
Porque a coragem não pode parar
de falar, de gritar, de conclamar, de dizer tudo o que precisa ser dito. Seja em
verso. Seja em prosa. Seja na linguagem que for. Seja nas ruas, nas esquinas,
nas favelas, nas tribunas, nas mídias, na televisão ou no cinema.
Há uma citação da personagem
Benjamin Button, no filme O Curioso Caso de Benjamin Button
(2008), que é perfeita para traduzir a coragem. Segundo ele, “Espero que você
faça o melhor. E eu espero que você veja coisas que assustem você. Eu espero
que você sinta coisas que você nunca sentiu antes. Eu espero que você encontre
pessoas com um ponto de vista diferente do seu. Eu espero que você viva uma
vida que você se orgulhe. E se você achar que você não é feliz, eu espero que
você tenha a força para recomeçar”.
Bem, essa é a coragem que estava impregnada
na essência de Marielle Franco. Uma coragem que reverbera, e reverberará, todas
as vezes em que ela é lembrada e trazida simbolicamente de volta à vida.
Sim, porque seu silêncio fala,
fala bem alto, através do seu legado, da sua história, da sua morte. Mas, ele também
ganha eco nas vozes de outras figuras, anônimas ou famosas, contemporâneas ou
não, à Marielle. Simplesmente, porque são expressões da mesma coragem. É que os
corajosos sabem, desde sempre, “O que fazemos na vida, ecoa na eternidade”
(filme Gladiador, 2000). Então, saudemos à coragem!