quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Sobre coragem e covardia


Sobre coragem e covardia

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Especulações à parte, as recentes notícias em torno do assassinato de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes despertam outros vieses de análises e reflexão. O fato de ser mulher, negra, periférica, homossexual, ativista, política, não foi o que pesou na escolha de Marielle como alvo de uma violência deliberada.

Conhecendo o Brasil; sobretudo, o cenário contemporâneo, essas características certamente colaboraram, mas, não foram o fiel da balança! Marielle morreu por ter voz, por dizer, a plenos pulmões, o que era necessário, para defender aqueles que ninguém se predispõe a enxergar.   

Matar Marielle era, portanto, silenciar uma voz incomodativa, perturbadora, ruidosa, inconveniente aos interesses de poder e influência, de uns e outros.

Interessante é pensar que Marielle não era só corajosa na existência cotidiana, no ir e vir da vida; mas, a sua fala, a sua voz, eram expressões puras de coragem. Foi por esse motivo, então, que descobrimos que a coragem não morre. A coragem vive, pulsa, reverbera, permanece, em uma voz que não silencia.

Prestes a completar 6 anos do crime, a ex-vereadora carioca pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) não permaneceu no esquecimento público, um minuto sequer, contrariando totalmente os interesses de seu(s) algoz(es).

Afinal, a coragem não tem motivo para se esconder, para se omitir, para fugir da raia. A coragem é livre, plena, transita de cabeça erguida em todos os cantos, iluminada pela força do sol ou pelas bênçãos da chuva.

Inclusive, penso que esse é o aspecto mais importante para pensar sobre esse assunto. Em todo esse tempo de espera, que marca a elucidação desse crime absurdo e abjeto, a covardia que matou, também, se apresentou na obstaculização das investigações, criando teias de morosidade e cortinas de fumaça para esconder pessoas e interesses.

Pena que a covardia não teve paz! Se fez presa na sua própria armadilha. Atrelada às sombras. Constantemente sobressaltada pelo movimento das areias do tempo, o único capaz de revelar as suas verdades mais terríveis. Tudo porque a voz da coragem não morre!

Pois é, basta ver o que dizem as páginas da história da humanidade a esse respeito. Martin Luther King Jr., Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, Padre Júlio Lancellotti, Harriet Tubman, Kwame Nkrumah, Nelson Mandela, Rosa Parks, Maria Firmina dos Reis, Dandara de Palmares, Carolina Maria de Jesus, Tia Ciata, Angela Davis, Malcom X, Conceição Evaristo, Sueli Carneiro, Maya Angelou, Djamila Ribeiro, ... só para citar alguns personagens emblemáticos.

Mas, pensando nesses nomes, não se engane em enquadrá-los dentro de um estereótipo heroico de histórias em quadrinhos ou filmes de ficção. Coragem não tem nada a ver com força, com brutalidade, com destemor, com ousadia, com valentia.

Coragem é só um ímpeto da alma a fim de ultrapassar fronteiras, de descobrir o que há por trás do horizonte, que seja capaz de ajudar a solucionar demandas e problemas do agora.

Coragem fala de consciência, de razão, de amor, de empatia, de solidariedade, de valores, de princípios, de crenças, de inconformismos consigo e com o mundo.

Olhando para o caos contemporâneo, você pode até pensar que a coragem, então, desapareceu ou perdeu espaço. Só que não. Há corajosos em todos os lugares. Dia e noite. Fiando a coragem para que ela não se perca, não se esgarce, e permaneça inteira para o que der e vier.

Porque a coragem não pode parar de falar, de gritar, de conclamar, de dizer tudo o que precisa ser dito. Seja em verso. Seja em prosa. Seja na linguagem que for. Seja nas ruas, nas esquinas, nas favelas, nas tribunas, nas mídias, na televisão ou no cinema.

Há uma citação da personagem Benjamin Button, no filme O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), que é perfeita para traduzir a coragem. Segundo ele, “Espero que você faça o melhor. E eu espero que você veja coisas que assustem você. Eu espero que você sinta coisas que você nunca sentiu antes. Eu espero que você encontre pessoas com um ponto de vista diferente do seu. Eu espero que você viva uma vida que você se orgulhe. E se você achar que você não é feliz, eu espero que você tenha a força para recomeçar”.

Bem, essa é a coragem que estava impregnada na essência de Marielle Franco. Uma coragem que reverbera, e reverberará, todas as vezes em que ela é lembrada e trazida simbolicamente de volta à vida.

Sim, porque seu silêncio fala, fala bem alto, através do seu legado, da sua história, da sua morte. Mas, ele também ganha eco nas vozes de outras figuras, anônimas ou famosas, contemporâneas ou não, à Marielle. Simplesmente, porque são expressões da mesma coragem. É que os corajosos sabem, desde sempre, “O que fazemos na vida, ecoa na eternidade” (filme Gladiador, 2000). Então, saudemos à coragem!